Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Com o fim da era industrial, é hora de reinventar tudo

Nos últimos 15 anos, a internet revolucionou o mundo dos negócios. Trouxe ao topo da cadeia de valor empresas criativas e de base tecnológica e obrigou companhias seculares a se adaptarem a um ambiente completamente novo. Hoje, os tentáculos da rede envolvem todos os setores da sociedade – conectando empresas, indivíduos, governos e até máquinas em um grande sistema global. A digitalização provoca ainda mudanças na macroeconomia, transforma a política, a educação e exerce poderosa influência na divisão de poder. “O que temos hoje só é comparável à época vivida após a introdução da técnica de impressão de Johannes Gutenberg na Europa, no século 15”, afirma Don Tapscott, coautor de Wikinomics e que agora lança, no Brasil, este MacroWikinomics, também em parceria com Anthony D. Williams.

Para Tapscott, a era industrial está no fim e a reinvenção econômica é a única saída possível. “Não dá para simplesmente consertar e voltar aos padrões pré-crise. Nenhum país vai ter sucesso baseado em um modelo falido.” Sobre as oportunidades brasileiras, o autor é categórico: “O Brasil é o único país com possibilidades reais de mudar o patamar da economia. Mas tem de fazer a lição de casa.” O irreverente Tapscott avisa, em entrevista exclusiva ao Valor, que gostaria de conversar com a presidente Dilma Rousseff. Ele considera as lições de MacroWikinomics de grande valia para a formulação de políticas no país.

Em Wikinomics, publicado em 2007, Tapscott e Williams destacaram o poder da colaboração em massa e seus impactos nas corporações, trazendo caminhos para empresários e executivos ingressarem na era digital e aproveitarem todas as oportunidades da internet para vencer no mercado global. Em MacroWikinomics, os autores ampliam o foco de suas observações e apresentam os fundamentos do que chamam de “era da inteligência em rede”. Mostram como a internet altera a forma de operação de instituições financeiras, governos, sistema de educação, saúde e a imprensa. Explicam como a colaboração em massa promove a inovação e muda padrões estabelecidos para a propriedade intelectual. “É uma nova dimensão da democratização da informação. As pessoas têm acesso a mais conteúdo, produzem e publicam o que querem”, diz Tapscott.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

“Só com a colaboração alcançaremos o desenvolvimento sustentável”

Do que exatamente se trata falar do fim da era industrial?

Don Tapscott – Replicamos o modelo industrial de produção para tudo que conhecemos. Na educação, primamos pelos padrões, escalas, métricas e concentração do conhecimento. O professor fica lá e o aluno tem de vir até ele. Esse tipo de interação é incompatível com a colaboração em massa – que quebra a hierarquia e permite que o aluno vá além dos muros da escola. Na política, criamos um sistema democrático no qual o eleitor vota e os representantes elaboram as regras. Basta eleger-se para mandar, sem compromisso em ouvir quem colocou o político no poder. No governo, nos sistemas de saúde e em serviços financeiros, também utilizamos os moldes da indústria para os mecanismos de atendimento. Como resultado, temos jovens em todo o mundo bastante infelizes, porque não participam das decisões que fazem parte da construção de seu futuro. Eles agora têm a internet como ferramenta de mobilização e colaboração. Querem maior transparência e a criação de um mundo mais justo.

Como a inteligência em rede pode promover maior justiça social?

D.T. – Promover a colaboração em massa, que produz melhores resultados na educação e traz impactos positivos nos processos de inovação, é a melhor estratégia para mudar os padrões da economia. Avançamos em ciências, tecnologia, saúde, mas ainda observamos uma distância muito grande entre os ganhos de pobres e ricos, expondo uma distribuição de renda ruim em todo o mundo. Está aí algo realmente errado e perverso. É lamentável que os países do G-20 ainda tentem voltar ao patamar pré-crise. É uma perda de tempo. Não dá para simplesmente “consertar” a economia. Precisamos de transformações. Como exemplo, cito o movimento global na busca por soluções para o ambiente. São 20 milhões de pessoas engajadas. É a primeira vez que um contingente deste tamanho se mobiliza para resolver um problema comum. Governos de diferentes países se reúnem há anos para discutir o tema e não saem do lugar. Só com a colaboração em massa alcançaremos o desenvolvimento sustentável do planeta.

“Com maior transparência, é possível encontrar saídas”

Que conselhos daria para os governantes brasileiros nesta época de transformação?

D.T. – A economia brasileira vai bem. Mas não pode se basear em padrões velhos para planejar o futuro. Como disse, o modelo industrial está falido. A própria China começa a sentir os impactos disso. Eu acredito que o Brasil seja o único país com oportunidades reais de transformar a economia e criar bases fortes de crescimento. Para isso, tem de investir na infraestrutura digital. Todas as pessoas precisam ter acesso à internet e à infinidade de serviços que ela pode oferecer. Instalar redes de banda larga é tão necessário quanto construir estradas ou ferrovias. Só assim os brasileiros conseguirão elaborar uma estratégia eficaz para ter uma população mais educada com custos menores. Se não é mais possível melhorar os índices na educação com o modelo industrial, a saída é usar todo o potencial da internet para preparar as pessoas.

Além da educação, quais outras áreas mereceriam atenção do governo brasileiro?

D.T. – Eu gostaria muito de conversar com a presidente Dilma Rousseff. Seria uma conversa rica porque eu realmente vejo oportunidades no Brasil. A utilização maciça da internet promoveria uma revolução no governo, por exemplo. A máquina administrativa é muito cara e tira poder de investimento do país. Com maior transparência, disponibilidade de dados, redução da burocracia e colaboração da sociedade, é possível encontrar saídas para os problemas brasileiros. Outra questão é o grande número de jovens que estão na informalidade. É preciso encontrar formas de incluir esta massa, promovendo o empreendedorismo. Não podemos criar uma subclasse digital, sem acesso a serviços básicos e sem participação no sistema econômico.

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[Ediane Tiago, do Valor Econômico]