Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mídia e a democracia desvirtuada

A democracia tem sido desvirtuada nas sociedades capitalistas contemporâneas a partir dos processos midiáticos. Na divulgação das idéias políticas, sobrepõe-se o modelo publicitário – voltado essencialmente para a sedução do público, para assim conquistá-lo – em detrimento da adequada prática de diálogo, onde, de forma argumentativa, os vários agentes apresentam sua posição, a fim de formação da opinião pública e posterior decisão.

Mas isto nem sempre interessa a grande parte dos próprios políticos, que fazem questão de se mostrarem de forma mais sedutora para que os eleitores acreditem em suas falas, mesmo que não reproduzam a verdade. Não sendo privilegiada a razão, impera a emoção nas campanhas de dimensão política em geral, como atestam os períodos pré-eleitorais, a exemplo do que ocorrerá neste 2008, para Executivos e Legislativos municipais. Em derradeira análise, tais distorções contribuem para os resultados desastrosos que o Brasil tem vivenciado, quanto a compromisso público e comportamento ético de atores públicos e privados.

As promessas de campanha devem ser mais bem documentadas com um comprometimento maior, de forma que o não cumprimento de qualquer uma delas resulte numa cobrança mais clara, pelo eleitor, com a contribuição da mídia pública e do aparato jurídico, gerando punições pelos descumprimentos. A dificuldade de monitoramento dos mandatos dos representantes eleitos limita e desgasta a democracia representativa, abrindo-se um vácuo entre o prometido na campanha e a prática do exercício do mandato.

Informação sem demagogia

É nesse bojo que devem ser estimulados referendos e plebiscitos, como atos democráticos advindos da democracia direta que tentam potencializar o modelo representativo, reconhecendo-se que os parlamentares nem sempre atuam coadunados com seu eleitorado e daí decorrendo a necessidade de excepcionalmente chamar o próprio povo para decidir sobre dadas questões fundamentais da vida social. Nessas consultas, devem ser colocados claramente os pontos a serem discutidos, para que todos entendam as várias posições, sendo todo espaço midiático voltado para a elucidação do eleitor, e não de interesses menores.

No entanto, esses instrumentos de democracia direta – implantados de modo eventual – são contaminados com as estratégias publicitárias de comunicação com o público. Ocorre que a mesma forma publicitária responsável pela dissonância entre representante e representado está presente em toda a comunicação. Trata-se de um sério problema, adstrito à confluência das ações midiáticas com a democracia.

Esse raciocínio corrobora o entendimento de que a atuação publicitária da mídia, a privatização dos patrimônios culturais e a ausência de controle do que é publicizado são limitadores para a projeção de um efetivo espaço público, de encontro e confronto argumentativo de posições. Para tal, é indispensável ultrapassar o formato publicitário dos discursos políticos, sendo necessária uma nova mídia, onde a qualidade do que é midiatizado não fique subordinada às metas de acúmulo de audiência e lucros. Isso requer, simultaneamente, cidadãos comprometidos com o esclarecimento de idéias, onde o povo tenha acesso à verdadeira informação, sem demagogia.

À procura do modelo ideal

Um espaço público não precário – portanto, voltado para a diversidade e a democracia – demanda, no seu âmago, condições econômico-culturais dignas e universalizadas. Ou seja: a plena participação em dinâmicas interativas mais complexas pede requisitos, do econômico ao cognitivo (todos, elementos interligados), para a completa integração na vida democrática, virtual ou não. A publicidade vem se revelando como um mecanismo que nem sempre atinge os objetivos propostos, tendo em vista a consolidação de técnicas de recepção, como o zapping, e a convicção de que o momento de compra é fundamental para a decisão do consumidor.

Mas não é isso que está em discussão: o debate, aqui, não é acerca da eficácia da publicidade como instrumento de indução à compra, mas sua inadequação às propostas de diálogo livre, plural e racional, que, pelo menos em termos ideais, deve marcar a democracia. O caso é de confronto de idéias, não de apresentação dos apelos mais emotivos. Parece que tudo isto passa por uma mudança de comportamento, não só daqueles que apregoam idéias fantasiosas, mas também daqueles que transmitem as suas idéias e até daqueles que se deixam enganar. Mas, ainda assim, continuaremos à procura de um modelo ideal que contente a todos, sempre em busca de algo melhor.

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Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e presidente do Capítulo Brasil da Unión Latina de Economía Política de la Información, la Comunicación y la Cultura (ULEPICC-BR)