Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Insista em existir

Não há unanimidade em todas as áreas da ciência sobre o que move o mundo. Mas se pudesse haver um consenso sobre o que o atrasa, certamente seria a intolerância. E sua pior demonstração não é a declarada, que se pode combater, discutir, enfrentar, mas a velada, disfarçada de compaixão. Balelas.

Como pode alguém ter compaixão, defender a paz e ainda assim ser intolerante? No jornalismo, por exemplo, quando se retratam os fatos de forma maniqueísta, separando os bons e os maus, os justos e os destruidores. Ou então quando, em nome de uma paz idealizada, combatemos o que de forma superficial julgamos serem os responsáveis.

Assim se mostrou o jornalismo, por exemplo, na capa desta semana da revista Veja, quando se indaga se há guerra justa, e a resposta já é dada. Sim, existe, mas não esta que acontece no Oriente Médio. Qual seria então? Aquela que o editor decidir por nós? Como esta edição colabora para uma leitura crítica e autônoma dos fatos, da sociedade, da própria mídia?

Na mídia local, houve demonstração de certo equilíbrio quando o Diário Catarinense publicou no domingo (30/7), a manchete ‘A Beirute do Hezbollah’, sobre a matéria do enviado especial da Agência RBS, Rodrigo Lopes. O jornalista descreve a ação do grupo terrorista no Líbano, que arrebanha adeptos entre os civis mais pobres em troca do mínimo que o governo libanês não dá: remédios, comida, etc. Em resposta, a população grita em coro as palavras de ordem: ‘morte a Israel’. Essa é a principal meta do Hiszbollah, acabar com o Estado judaico.

Ao contrário dessa cobertura do grupo RBS, o que se lê ou assiste na mídia em geral é um retrato nada interpretativo no conflito no Oriente Médio: civis, inclusive crianças, morrem, mas por quê? Poucas vezes se encontra a explicação sobre o comportamento e envolvimento da população civil na guerra. Mais raro ainda é ler sobre o tratamento do governo libanês a essa população carente: lá, palestinos não têm direito a voto, participação política, programas sociais e de saúde. Em Israel, palestinos têm direitos plenos de cidadãos e há, inclusive, dois partidos árabes têm assento no parlamento israelense.

Principal justificativa

Minhas certezas de que a manipulação dos fatos na cobertura do Oriente Médio se confirmaram dia desses, quando um menino que assistia televisão, inocente e isento, desconhecedor do conflito, perguntou-me por que somente Israel atacava o Líbano? Tive que explicar que Israel não ataca o Líbano, mas o Hezbollah, que usa o Líbano como base e a população civil como escudo para suas ações terroristas. Opinei, em minha explicação, que não se trata de procurar justiça em uma guerra – se há conflito, é porque pelo menos dois lados se opõem e julgam ser, cada um deles, o mais justo.

No mesmo dia recebi de um amigo um e-mail com um link (http://www.conceptwizard.com/n-israel.html) que mostra os ataques que o Hezbollah faz a Israel e que não são divulgados pela mídia. Silenciosamente, mas de forma solidária, o que é sonegado de forma massiva é compartilhado na Internet. Achei emocionante esse esforço de formigas em levar mais longe a informação omitida. Fiquei pensando que se não houvesse petróleo envolvido, esta guerra receberia tanta atenção quanto os massacres que acontecem no Tibet ou na África Central.

O Estado de Israel foi a saída encontrada em 1947 para proteger o povo judeu de tantas investidas contra sua existência na história: a Inquisição, os pogroms na Rússia, o holocausto são apenas três dos muitos exemplos. Esta é a principal justificativa de Israel para combater o Hizbollah – defender-se e continuar a existir. Você não faria o mesmo?

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Jornalista, professora e pesquisadora do Monitor de Mídia