Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

O poder de Narciso

Que uma imagem vale mais do que palavras é consenso. Agora quando um determinado político acredita que a sua imagem vale mais que mil ações, aí o problema é outro. A razão da questão se dá porque na busca por soluções urgentes e necessárias não advindas do poder público, o descaso termina sendo resolvido muitas vezes na forma de dispositivos narcisistas que fazem o político agir apenas quando está diante do espelho e de sua própria imagem.

Observe: o que faz o cidadão quando uma cratera se abre em frente à sua casa ou não é atendido no cais? Chama a prefeitura? Não. Chama a imprensa. E sabe por quê? Porque ela resolve (e ainda bem que o cidadão pode contar com ela): mostra a cara dos responsáveis, numa espécie de reality show do poder público, e como a satisfação por popularidade é suprida, o poder desce até aos menos favorecidos e o agravante se dissolve.

Ora, e quem poderá nos defender? De acordo como as coisas estão acontecendo, o Chapolin. Sim, ele está aí. Ele é o personagem. É ele quem aparece na TV. Ele representa a solução que somente surge, e somente só, quando é mostrado, visto, seja em 16:9, 4:3, widescreen, na forma do espetáculo, numa espécie de acareação entre ele e o cidadão comum. Isso foi tão longe que alguns, até mesmo sem comedimento, ao saber da responsabilidade assumida, passaram a transformar a utilidade pública da informação em espetáculo: agora têm até programas especiais. Mesmo que muitos deles tenham comprometimento com o cidadão, como de fato ocorre, o que transparece na maioria é o reality show que transforma tudo em espetáculo, inclusive o cadáver, o sangue, a Rota, o policial singular, o político etc.

Real refém do imaginário

E mais, a postura espetaculosa que produziu a estudante Geisy e o deputado Tiririca é a mesma que torna a profissão policial em um show da vida, o salvador da pátria, que há de fazer aquilo que político algum legisla, juiz algum sentencia, delegado algum autoriza, mas que quase todos, inconscientemente, enquanto cidadãos concebem: bandido bom é bandido morto. Numa busca do herói produzido pela sedução da imagem hollywoodiana, do policial eficaz, da aparição pública e segurança de sua expressão, alguns policiais terminam fazendo aquilo que corresponde à expectativa da plateia: os bons, felizes para sempre; os maus, mortos.

Enquanto a solução não vem da parte competente do Estado, a saída continuará sendo o imaginário e qualquer coisa ou meio que possa instigá-lo. Porém, a lógica que domina a percepção das pessoas diante desse tipo de paliativo termina recrudescendo a cidadania na forma da violência: o real se torna refém do imaginário: o ‘matar’ se resume apenas a uma imagem que o senso comum tem do policial tido como ‘bom’; o ‘governar’ apenas nas formas da aparição daqueles que somente agem quando são vistos.

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Mestre em Filosofia Política e professor universitário