Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Seria uma vergonha?

Vai ser muito interessante observar como a imprensa se comportará diante do estudo divulgado nesta segunda-feira, 5 de outubro, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Em comparação com o estudo revelado em novembro do ano passado, o Brasil perdeu cinco posições no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Estava em 70º lugar, com índice de 0,807 (a escala vai de 0 a 1), e caiu agora para o 75º lugar, embora o índice tenha aumentado para 0,813. Nessa dança de números, dependendo da inclinação de cada um, é possível interpretar o estudo de várias formas, desde afirmar que temos um IDH elevado, até sustentar que nossa classificação é vexatória.

No domingo (4/10), pelo menos os três principais jornais deram chamada na primeira página para o resultado do estudo, com os seguintes títulos: ‘Brasil mantém posição em ranking de índice de desenvolvimento’ (O Globo), ‘Brasil aparece em 75º no índice da ONU de bem-estar’ (O Estado de S. Paulo) e ‘Brasil mantém 75% lugar no IDH’ (Folha de S.Paulo). Percebe-se, já então, alguma confusão. Mas a trapalhada pode não ser dos jornais, e sim, na forma como foi divulgado o estudo. Em primeiro lugar porque não se pode comparar simplesmente o lugar ocupado por um país no ranking, entre um ano e outro, para dizer se ele caiu ou subiu ou se ficou no mesmo lugar. Por que o Brasil tem agora um IDH maior, mas perdeu cinco posições?

O leitor não entende os títulos

A explicação foi dada ontem pelo coordenador do Pnud no Brasil, Flavio Comim. Em 2008, havia 179 países no ranking e este ano entraram mais três: Liechtenstein e Andorra, pela primeira vez, e Afeganistão, que voltou à competição. Os novatos aparecem em 19º e 28º lugar, respectivamente. Portanto, à frente do Brasil. (O Afeganistão, em penúltimo, à frente apenas do Níger.)

Cabe aqui um parêntese. É curioso pôr num mesmo balaio países tão desiguais, como o Brasil, com cerca de 190 milhões de habitantes, Liechtenstein (30 mil) e Andorra (75 mil). O presidente dos Estados Unidos (em 13º no ranking, com IDH 0,956), que defende em seu último livro o fortalecimento das entidades internacionais, diz que ‘para cada agência das Nações Unidas, como o Unicef, que funciona bem, há outras agências que aparentemente nada mais fazem do que organizar conferências, produzir relatórios e garantir sinecuras para servidores civis internacionais de terceira categoria’. Barack Obama, certamente, não estava se referindo ao Pnud…

Mas, continuando com a explicação de Flávio Comim, a posição divulgada agora é, na verdade, a posição consolidada do ranking do IDH divulgado no ano passado. ‘Por isso dizemos que o IDH do Brasil permaneceu estável, apesar de ter caído cinco posições em relação ao divulgado.’ Entendeu? Tem mais: todos os anos, depois de divulgar o ranking do IDH, os técnicos do Pnud fazem a atualização dos dados. Com isso, três países que apareciam atrás do Brasil acabaram beneficiados pela consolidação dos índices. A Rússia aparecia em 73º e foi para 71º. A República Dominicana estava em 77º e agora aparece em 73º lugar e Granada saiu de 86º para a 74ª colocação.

E depois, a imprensa é que leva a culpa, quando o leitor não entende os títulos dos jornais…

Os que mais se destacaram

O ranking divulgado agora foi formulado a partir do cruzamento de informações de 2007 sobre Produto Interno Bruto, educação e saúde. Portanto, não reflete os efeitos da crise financeira internacional que explodiu em setembro de 2008.

Uma novidade, este ano, é a criação de uma nova categoria – a dos países de IDH muito elevado, que são aqueles com índice superior a 0,9. O Brasil não está nesse grupo e, pior, perdeu a liderança entre os países do BRIC. A Rússia (68ª posição) ultrapassou o Brasil, a China ficou na 92ª posição (IDH 0,772) e a Índia na 134ª (IDH 0,612). Esses dois foram enquadrados na categoria de ‘desenvolvimento médio’ e Rússia e Brasil, na categoria de IDH elevado.

Nas últimas décadas, os países que mais se destacaram, segundo o Pnud, em termos de desenvolvimento humano, foram a China, o Irã e o Nepal, sobretudo por causa da melhoria da educação e saúde, mais do que da elevação do PIB. Esses três indicadores têm o mesmo peso no índice.

O país de Lula

O colunista Clóvis Rossi, membro do conselho editorial daFolha de S.Paulo, diz que ‘não deixa de ser pedagógico’ o fato de as Nações Unidas terem divulgado o IDH apenas 48 horas depois de o presidente Lula ter dito que o Brasil passara a ser um país de ‘primeira classe’ porque o Rio fora escolhido para sede da Olimpíada de 2016. ‘Não, presidente, o Brasil é de 75ª classe, a sua classificação no IDH vexatória, como sempre’, afirma Rossi. ‘Aliás, toda vez que sai um ranking internacional que mede algum aspecto do desenvolvimento humano, o Brasil passa vergonha.’

De fato, a posição do Brasil não é boa nem na América Latina. Está atrás do Chile (44ª posição), Argentina (49ª), Uruguai (50ª), Cuba (51ª), México (53ª), Costa Rica (54ª), Venezuela (58ª) e Panamá (60ª), perdendo também para algumas ilhas do Caribe: Barbados (37ª), Antígua e Barbuda (47ª), Bahamas (52ª), Trindade e Tobago (64ª), Santa Lúcia (69ª) e Granada (74ª).

Se o Brasil quer se tornar uma liderança nessa região, vai ter que voltar à sala de aulas. Progressos na educação contribuíram significativamente para os avanços da China, Colômbia e Venezuela, três países que, ao lado da França e Peru, se destacaram entre os que avançaram três ou mais posições no ranking deste ano. Enquanto isso, o Brasil não sabe ainda nem quando vai realizar o próximo teste do Enem…

Mas o líder mundial na economia também não está muito bem nessa fotografia do Pnud. Os Estados Unidos, em 13º lugar, com IDH de 0,956, estão bem atrás do vizinho Canadá, em 4º (IDH de 0,966). Há bons motivos para essa posição também vexatória e eles foram apontados por Obama emThe Audacity of Hope, livro de 2006 – portanto, antes de crise financeira que pegou pela jugular alguns dos maiores bancos americanos. No ranking do ano passado, último do governo Bush, considerado desastroso em termos de desenvolvimento humano, os Estados Unidos haviam caído três posições, da 12ª para a 15ª.

Ou seja, pelo menos da parte de Obama, Lula – o cara! – não precisa temer puxão de orelha.

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Jornalista, Belo Horizonte, MG