Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Erro, exagero, imprecisão

Joseph Pulitzer, um dos grandes jornalistas de todos os tempos, costumava dizer o que é jornalismo com três palavras: “Precisão! Precisão!! Precisão!!!” Quando assumiu o comando do Saint Louis Post-Dispatch, em 1878, definiu assim a linha política do jornal: “Não servirá a um partido, mas ao povo. Não apoiará o governo, mas o criticará”. Pulitzer morreu em 1911. Sorte dele.

Na guerra partidária maluca e sanguinolenta que o Brasil vive, ninguém pode criticar as decisões do juiz Sérgio Moro sem ser imediatamente acusado de defender os corruptos do governo. Não pode dizer que apesar da estiagem recorde a água continuou a fluir em São Paulo, embora com falhas, sem ser acusado de tucano branco e rico de olhos azuis. Para quem diz que não houve estiagem em São Paulo e que os problemas no abastecimento de água foram causados pela incompetência do governo tucano, houve entretanto estiagem quando o assunto é eletricidade, coisa do governo federal. E, em qualquer caso, todo erro é justificado por algum outro erro cometido por um adversário: a Venezuela prende os opositores sem julgamento, mas em Guantánamo também há presos não julgados, e ficam elas por elas. Quando alguém diz que a Ucrânia foi invadida, a resposta é do mesmo tipo: e os atiradores brancos que mataram negros nos Estados Unidos?

É a frase famosa em ação: “Somos, mas quem não é?”

 

Nossa opção – a errada

A imprensa engoliu a isca inteira, mais anzol e carretilha:

>> Alexandrino Alencar, até recentemente diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, hoje preso, foi apontado como “ligado a Lula”. Não é mentira; mas, até por força de seu cargo, foi também ligado da mesma maneira a Fernando Henrique, a congressistas, a ministros, a gente de todos os partidos. É a mesma coisa que dizer que Sarney é ligado a Lula. É, como foi ligado a Fernando Henrique, ao general Figueiredo, ao regime militar. E, seja quem for o substituto de Dilma no governo, Alexandrino, ou quem o substituir no cargo, será ligado a ele. Ou isso ou perde o emprego.

>> Um cavalheiro de Curitiba que adora ser penetra pediu habeas corpus preventivo para impedir a prisão de Lula – que, a propósito, nem estava sendo investigado, segundo informou oficialmente o juiz Sérgio Moro. A primeira notícia foi de que Lula tinha pedido o habeas corpus. Até poderia ter pedido, já que não há ilegalidade nisso; mas o fato é que não pediu.

>> O ex-ministro Antônio Palocci foi acusado de ter recebido pagamento por consultoria prestada a empresas privadas durante o período em que exercia mandato de deputado federal pelo PT. A notícia é verdadeira; mas não é notícia, já que não há qualquer proibição legal a isso. Quem considera que um parlamentar não deve prestar consultoria não tem que denunciar nada, tem apenas de propor a mudança da lei com a qual não concorda. Este colunista, por exemplo, acha que esse tipo de atividade deveria ser ilegal. Mas, enquanto não é ilegal, ninguém pode ser acusado por exercê-la.

>> A mensagem do empreiteiro Marcelo Odebrecht a seu advogado, recomendando que determinado e-mail seja destruído, é legalmente confidencial. As conversas entre clientes e advogados não podem, de acordo com a lei, ser interceptadas. O bilhete foi não apenas interceptado como distribuído à imprensa, para ampla divulgação. Isso pode, Arnaldo? A lei não terá sido violada? Se admitirmos que a lei pode ser violada, por que essa e não outras – por exemplo, as que vedam a apropriação de dinheiro público?

>> Imagine o caro colega que, por qualquer motivo, seja preso. Ao entregar um bilhete à Polícia, para que o encaminhe a seu advogado, não passará por sua cabeça a possibilidade de que alguém, ilegalmente, o leia? Escreveria no bilhete alguma proposta de ação ilegal – por exemplo, “destruir um e-mail”? Como ninguém, nem mesmo seus mais duros adversários, imagina que Marcelo Odebrecht seja burro, será que cometeria mesmo essa besteira? Ou estará certa sua versão de que “destruir” não significa sumir com o e-mail (que, aliás, já estava em poder da Justiça, após a busca e apreensão), mas “destruir” a interpretação de que se tratasse de um crime?

Enfim, esta é a cobertura dos fatos que a imprensa nos oferece. Voltando a Pulitzer, há dele uma bela frase a ser relembrada: “Nossa República e sua imprensa irão crescer e cair juntas. A definição do futuro da República estará nas mãos dos jornalistas das futuras gerações”.

 

O concorrente

O grande rival de Joseph Pulitzer na imprensa americana foi William Randolph Hearst, dono de jornais, revistas, emissoras de rádio, um estúdio de cinema (era amante da estrela Marion Davies, sensação de Hollywood). Hearst, na disputa com Pulitzer, optou pelo jornalismo sensacionalista. No final do século 19, estimulou os Estados Unidos a entrar em guerra com a Espanha para expulsá-la de Cuba. Mandou um grande ilustrador para Cuba com a missão de retratar a violência dos espanhóis contra os cubanos. O ilustrador lhe escreveu que não tinha o que retratar, já que essa violência não ocorria. Hearst respondeu: “Faça os desenhos que eu faço a guerra”.

Entre a precisão de Pulitzer e a imprecisão de Hearst, boa parte da imprensa brasileira fez sua escolha. E não foi só, como Hearst, por decisão editorial: é também, e talvez principalmente, por falta de competência.

 

Troca-troca

Um grande jornal impresso informa que, na guerra entre motoristas de táxi e o aplicativo Uber, na França, o ministro do Interior pediu à polícia que aprove um decreto contra o Uber. Mais à frente, no mesmo texto, o ministro do Interior ordenou à Polícia que aprove um decreto para proibir o Uber.

Este colunista não sabe se na França a hierarquia é diferente. Mas, em outros países, o ministro não pede à polícia que aprove um decreto. O ministro determina à polícia que tome determinada medida. E a polícia não tem posição hierárquica que lhe permita aprovar ou não um decreto do governo: tem é de cumpri-lo, ponto final, ou arcar com as consequências. Será a lei na França tão diferente? Ou será que a notícia foi feita por algum jornalista sobrecarregado de serviço, que já teve de escrever para o on-line, o twitter, o blog e agora vai para o impresso?

 

Zoneou

Outra notícia de um grande jornal impresso que deixou este colunista, como diria a presidente Dilma, estarrecido: dois cavalheiros agrediram um rapaz gay em São Paulo, há alguns anos. Agora, como punição, cada um dos agressores foi multado em R$ 21.250 – pena, a propósito, irrisória. Quem pratica violência deve ser contido, deve ficar isolado da sociedade, para não ameaçar a segurança física dos demais cidadãos. Mas vamos à parte notável: segundo o veículo, a pena foi aplicada não por um juiz, ou um tribunal, como costuma acontecer, mas pela Secretaria estadual da Justiça de São Paulo. Sempre segundo o jornal, o secretário concluiu que o motivo da agressão não foi o alegado pela defesa (briga de trânsito), mas discriminação em razão de orientação sexual.

Desde quando secretários de Estado decidem questões criminais, ouvem defesa e acusação e aplicam penas? Terá mudado a lei?

Alguma coisa muito estranha aconteceu neste país. Ou na imprensa.

 

O importante

E, ao que parece, a coisa estranha está ocorrendo é na imprensa. Um título que apareceu na semana passada num grande jornal mostra direitinho o problema: “Carro é atingido por 20 tiros, e homem morre”. Primeiro, o carro, tadinho, todo furadinho; a pessoa que morreu fica em segundo plano na notícia, talvez por sua falta de educação ao sujar o estofamento do carro de sangue.

 

O famoso quem

O cantor sertanejo Cristiano Araújo e sua namorada Aline morreram num acidente de automóvel. Comoção geral; no enterro havia algumas dezenas de milhares de pessoas. Mas o que mais se lia nas redes sociais eram críticas aos meios de comunicação pelo espaço e tempo destinados a mortos que, para os internautas mobilizados, eram desconhecidos. Alguém terá parado para pensar que, se o cantor fosse desconhecido, os meios de comunicação nem saberiam que tinha morrido? Eram desconhecidos para quem postou as mensagens e, arrogantemente, se atribuiu o monopólio da definição de importância dos falecidos; não eram desconhecidos para sabe-se lá quantas pessoas que acompanhavam sua carreira e choravam sua morte. Este colunista não se lembra de ter ouvido falar nele. Mas o problema não é dele, nem dos que dele gostavam: é do colunista, que não sabia quem é que capturava a emoção das multidões.

 

Vivia no ar, hoje é sólido

Foi tudo ao contrário: o projeto nasceu virtual, de autor. O público o adotou e se associou à criação. E, da internet, os deliciosos contos e crônicas de Leo Iolovitch chegaram ao papel. No sábado, dia 27/6, o virtual virou real, num encontro entre autor e leitores em Porto Alegre, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, Margs, das 10h30 às 14h30. Encontro mesmo, bate-papo, sem autógrafos que atrapalhem a prosa. O livro Descendo da Nuvem sai pela Paixão Editores e estará a venda tanto nas livrarias como no endereço eletrônico.

Tudo começou (e se manteve) informal. Leo, advogado de sucesso do escritório Brossard, Iolovitch Advogados Associados, começou a publicar suas crônicas na Internet. Os leitores gostaram e enviaram seus comentários. Leo gostou dos comentários e os transformou em parceria. Agora, crônicas do autor e comentários dos leitores chegam juntos ao papel, invertendo o curso da História: vão da internet a Gutenberg. Este é o segundo livro de Leo Iolovitch: o primeiro, O Sapato do Pirata, uma coletânea de textos de humor, está esgotado.

 

Como…

Distração, talvez? Excesso de trabalho para um número escasso de jornalistas, nesta cruzada maluca para transformar os jornais em algo inútil? Sabe-se lá. Mas, num grande jornal impresso, de circulação nacional, saiu no lide:

** “A ex-presidente Dilma Rousseff ficou bastante incomodada com as críticas abertas do ex-presidente Lula à sua gestão (…)”

Ex-presidente Dilma? Pois é.

 

…é…

De um grande jornal impresso, na seção de Economia:

** “O México e a Rússia ultrapassarão Rússia e Itália (…)”

Não é interessantíssimo acompanhar a corrida da Rússia para superar a Rússia?

 

…mesmo?

De um jornal importante, impresso, que no passado lutava incessantemente contra os erros, falando do atleta Thiago Braz:

** “Agora ele é o segundo melhor saltador da década no mundo, atrás do francês Renaud Lavillenie (6,05m) e do alemão Bjorn Otto (6,01m)”.

Thiago Braz é um recordista que dificilmente será superado: que outro atleta será o segundo melhor tendo dois outros à frente?

 

Dedando

Também da área de Esportes, também de um importante jornal impresso:

** “(…) o experiente Cavani entrou na prorrogação de Jara e foi expulso”.

Na verdade, Cavani entrou na provocação de Jara. Quem entrou na prorrogação de Cavani, para grande indignação do centroavante uruguaio, foi o chileno Jara.

 

Frases

>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Se Odebrecht contar o que sabe, convenção tucana, petista e do PSB 2016 vão ser animadas por violinistas do Titanic.”

>> Do tuiteiro El Groucho: “Um cara que sai impetrando habeas corpus em nome de famosos é mais ou menos o beijoqueiro do mundo do Judiciário.”

>> Do internauta Carlos Cunha: “Brahma não é mais o Número 1. Nem o 51. Subiu muito: é o Número 171.”

>> Do jornalista Josias de Souza: “A oposição está preocupada. E o governo está em pânico. Quem consegue dormir bem enquanto todos perdem o sono à sua volta provavelmente está mal informado.”

>> Do empresário Marcelo Cherto: “Quatro a cada 5 brasileiros estão pessimistas com a economia, diz FGV. E o quinto? Tá morando em Miami?”

>> Do jornalista Gabriel Meissner: “Se a eleição fosse hoje, Aécio ganharia. E se minha avó tivesse bigode, eu teria dois avôs”

 

E eu com isso?

Cá entre nós, a presidente Dilma não disse mais nada engraçado depois da Mulher Sapiens. Perdeu até a chance de contrapor o Homo Sapiens ao Hetero Sapiens, mostrando sua proficiência em latim. Até os discursos dela estão ficando chatos! Mas temos onde salvar-nos:

** “Luciana Gimenez nega ter engravidado de Mick Jagger em canil”

** “Richard Gere fotografado com a namorada em praia na Itália”

** “Com ombros de fora, candidatas passam frio no Miss Mundo Brasil”

** “Julia Roberts é fotografada de biquíni no México”

** “Fernando Henrique e sua mulher Patrícia Kundrat fazem compras em liquidação”

** “Lindsay Lohan planeja engravidar ainda este ano”

** “Com look esportivo, Heloísa Perissé deixa shopping no Rio”

** “Beyoncé escolhe barriga de aluguel para ter outro filho”

** “Luciana Gimenez passeia com o caçula em Veneza”

** “Fiorella Mattheis adota novo gato e mostra na internet”

** “Guarda-costas sabe todas as pintas que Jennifer Aniston tem”

** “Luciele Di Camargo parece já pensar no terceiro filho”

** “Noivos? Ivanovic exibe anel de brilhante ao lado de Schweinsteiger”

** “Após morte em batida, suspeito leva soco na TV”

** “Foragido, suposto operador da Odebrecht vai ao cinema na Suíça”

 

O grande título

Safra de primeira. Se fosse vinho, teria tons amadeirados e notas de frutas frescas e chocolate tostado – seja lá isso o que for. E cada garrafa seria caríssima!

Comecemos com manchete clássica, daquele tipo que exige muito esforço para saber do que se trata:

** “Brasil repete desfalque de 62 e busca novo Garrincha sem Neymar”

Alguém, com certeza, conseguirá entender. Ou no mínimo pensará que entendeu.

No mesmo gênero, há outra manchete excelente:

** “Ausência de catarse torna-se expressão de mal secular em espetáculo simbólico”

O problema é que, neste caso, será difícil encontrar quem saiba do que se trata.

Há uma manchete que levanta dúvidas:

** “Taxista teria sido morto por dever ladrões”

Haverá um próspero mercado de empréstimo de ladrões, ladrões esses que devem ser restituídos?

Há um título primoroso referente à novela das nove:

** “Regina tem reviravolta e vai para a cama com Carlos Alberto”

Quanto mais se vive, mais se aprende. Pois não é que este colunista é do tempo em que a reviravolta acontecia depois de o casal ir para a cama?

E há a manchete imbatível, publicada no jornal on-line de um grande grupo regional de comunicações:

** “Cantor Cristiano Araújo morre mas passa bem, diz hospital”

Que ninguém diga que passou desta para melhor.

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação