Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Respingos de tinta e penas voando

Notícias, investigações, preocupação com os leitores? Infelizmente, essas coisas saíram de moda: muitos jornalistas esqueceram sua antiga preocupação e se dedicam a preparar dossiês contra jornalistas adversários, procurando desmoralizá-los. A folhas tantas convocarão as mães a plenário. Informação, só a que puder ser instrumentalizada, para prejudicar o outro lado, político ou jornalístico. E o consumidor de informação, que paga a conta, fica de lado – ou melhor, fica cada vez mais tentado a não pagar a conta.

As guerras que assolam o meio jornalístico são múltiplas: Daniel Dantas ou não, Luiz Roberto Demarco ou não, juiz Fausto de Sanctis ou advogados, Lula-Dilma ou Serra-Fernando Henrique, beneficiários da publicidade petista ou beneficiários da publicidade tucana. As enchentes em São Paulo se devem à incompetência tucana, conforme um lado, ou às chuvas que superaram todas as expectativas, ultrapassando os índices históricos, conforme outro; a informação completa, de que houve recorde de chuvas, há demora em obras há muito prometidas e não completadas, há o entulho e o lixo que a população joga nos córregos, isso simplesmente não se transforma em notícia. Já as enchentes do Rio são menos graves, porque o governador e o prefeito são do PMDB, e há PMDB em todos os lados da briga midiática.

Nos velhos tempos era assim: os jornais guerreavam, os jornalistas-estrelas guerreavam, as teorias de cada um eram mais importantes que os fatos. Os tempos mudaram, o jornalismo, acreditávamos, avançou. Agora retorna aos maus e velhos tempos.

O fato é que, para o consumidor da informação, que paga o salário de cada jornalista, o que um acha do outro não tem a menor importância. Importante é a notícia. E, na briga de egos e partidos, é exatamente a notícia – correta, ampla, o mais objetiva possível, o mais imparcial possível, o mais isenta possível – que tem ficado de lado.

 

A voz do leitor

O médico Nelson Nisenbaum, de São Bernardo do Campo (SP), petista até debaixo dágua, escreve para a coluna exatamente sobre este assunto: notícias incompletas. Este colunista gosta do doutor Nelson Nisenbaum, gente fina, mas normalmente discorda de suas opiniões (Nisenbaum acredita em Luiz Marinho, Lula e Dilma, e este colunista prefere acreditar em duendes, embora duendes também mintam muito). Mas sua opinião, como cidadão politizado e preocupado com notícias, que paga caro para saber o que vai pelo mundo, vale a pena:

‘As grandes mídias publicaram a mais que bem-vinda notícia de que o Poder Judiciário afastou o deputado `do dinheiro na meia´ de suas funções na Câmara Distrital do Distrito Federal e também os deputados envolvidos no escândalo do `mensalão do DEM´ de suas funções na CPI sobre o episódio. Até aí, parece que está tudo bem. Mas não está. Com raras exceções (eu só vi, ou melhor, ouvi, pelo rádio, uma) alguém se deu conta de que era necessário noticiar a parte mais importante da história. O Poder Judiciário não fez isso por sua livre iniciativa. O lado mais importante da história é o cidadão que entrou com reclamação na Justiça por meio de uma ação popular (que qualquer cidadão, mesmo isoladamente, pode mover) contra os ilustres deputados.

‘Por que a imprensa não está valorizando o ato de cidadania e o cidadão em questão (um advogado do Distrito Federal com três décadas de carreira, segundo informou na entrevista que ouvi)? Quer a imprensa que os cidadãos em geral acreditem que o Judiciário age sozinho, sem provocação? Que ninguém precisa se mexer para que as coisas aconteçam?

‘Sem qualquer intenção de menosprezar o ato heróico e seminal do nobre magistrado, temos de fazer a justa reverência ao cidadão que pôs sua indignação em prática, tomando para si a responsabilidade coletiva de uma sociedade atordoada pela infindável coletânea de improbidades derivadas da promiscuidade da relação público-privada. Aliás, vale ainda comentar que a grande imprensa gosta muito de noticiar o lado podre da política, mas poupa os protagonistas do outro lado.

‘Corrupção é uma via de mão dupla. Onde está o outro lado? Há quanto tempo não se ouve falar daquele luxuosíssimo shopping de São Paulo, frequentado pela mais alta classe da cidade (e talvez, do país), que a PF mostrou ser uma das maiores máquinas de sonegação fiscal que o país já teve? A filha do então governador de São Paulo trabalhava lá. Por que não foi tratada pela imprensa da mesma forma que o filho do presidente da República quando este foi acusado de enriquecimento suspeito?

‘No triste episódio do Haiti, Israel está presente com maciça ajuda humanitária, médica, estrutural, mas alguém viu isso na grande mídia? Eu, pelo menos, não vi, e corrijam-me se eu estiver errado. Por que não publicaram? Por que não apontam a ausência de alguns países que nadam em petrodólares?

‘O que se espera da imprensa é que dê a notícia completa, pelo menos, e que use o mesmo peso para os dois ou mais lados das histórias. Felizmente, a internet vem viabilizando um novo tipo de mídia, mais democrática, mais plural, que estimula a reflexão e o contraponto, e sem censura aos leitores que pensam diferentemente de seus editores e patrocinadores’.

 

Álcool na cabeça

Por falar em informação incompleta, vejamos a fantástica notícia de que o álcool americano (que nossos jornais insistem em chamar de ‘etanol’, sem que haja qualquer motivo para a mudança de nome) não apenas está mais barato que o brasileiro como pode ser vendido ao Brasil para garantir o fornecimento de combustível no mercado interno.

Este colunista cansou de ler eruditas matérias a respeito de como o álcool de cana, o mais produzido no Brasil, é mais barato que o álcool de milho, o mais produzido nos Estados Unidos; como o hectare de cana gera mais energia que o hectare de milho; como o governo americano, assustado diante do poder competitivo insuperável do álcool brasileiro, sobretaxa as importações, para evitar que o produtor americano seja afogado no nosso álcool, melhor e mais barato.

O álcool é produzido, em qualquer caso, a partir de uma plantação. O custo de produção varia, portanto, conforme, as chuvas, o sol, as pragas. Mas vejamos a diferença entre o álcool brasileiro e o americano:

Brasileiro, Nordeste: US$ 790 o metro cúbico. Brasileiro, Centro-Sul: US$ 750 o metro cúbico. Americano: US$ 480 o metro cúbico. Mesmo com a tarifa de 20% para a importação, sai mais barato trazer álcool americano do que comprar o nacional.

Deve haver excelentes explicações para esta diferença de preço. E onde estarão essas excelentes explicações, que tão difíceis de encontrar em nossa imprensa? Como é que um produto tão mais barato, com uma produção tão mais eficiente, consegue ficar tão mais caro? Os meios de comunicação devem uma explicação aos consumidores de notícias. E devem lembrar-se de que o consumidor de notícias também pode ter carro flex.

 

Quem paga o vazamento

A Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, está suspensa temporariamente até que a Justiça volte do recesso e se manifeste sobre as interceptações telefônicas em que se baseia. Dizem os advogados da empresa investigada que as interceptações foram pedidas com base numa denúncia anônima, o que é proibido por lei; e, nesse caso, a investigação terá de ser refeita, já que as provas até agora obtidas serão ilegais. Diz a Polícia Federal que, embora tenha havido denúncia anônima, houve outras informações que levaram ao pedido de interceptação telefônica; nesse caso, as provas serão legais e a investigação continuará a partir do ponto em que foi interrompida.

A investigação está suspensa, mas os jornais continuam recebendo, dia após dia, informações sobre ela. Os jornais cumprem seu papel: se têm a informação, se consideram que a informação é de interesse público, seu dever é divulgá-la. Mas quem passa as informações protegidas por segredo de Justiça para os repórteres viola a lei. E, num caso exemplar, a União acaba de ser condenada a pagar danos morais causados pelo vazamento de informações numa investigação. Tamanho da conta: R$ 500 mil.

O caso é exemplar porque segue todos os caminhos clássicos que conhecemos. A entidade (sem fins lucrativos) foi investigada e, antes que houvesse qualquer autuação, qualquer processo, qualquer acusação, começaram a pipocar notícias de que havia doado dinheiro para uma campanha eleitoral, que ‘torrava dinheiro do povo em viagens, banquetes e limusines’, coisas desse tipo, sempre com fontes ocultas e usando como base documentos a que o meio de comunicação ‘teve acesso’. Procuradores da República foram à Globo atacar a entidade. O que estava em sigilo, sob a guarda de agentes da União, foi amplamente divulgado.

A investigação não deu em nada, o pedido de indenização foi acatado. Não no valor pedido, de R$ 100 milhões, mas de R$ 500 mil, que o juiz definiu como ‘uma quantia razoável, com a finalidade de mitigar o dano sofrido’ e desestimular sua repetição.

Quem quiser saber mais sobre o processo 2003.61.00.031876-2 deve ir ao site da Justiça Federal de São Paulo.

 

Nova faixa

O grupo Lance!, de Walter Mattos Jr., coloca na praça mais um jornal: o Mais, com preço de capa de R$ 0,50. ‘Há três anos’, diz Mattos, ‘vinha pensando em lançar um jornal popular em São Paulo. É o projeto mais arriscado de minha vida.’ O jornal começou circulando em poucos lugares, mais para testar sua aceitação. A partir de agora, vai com força para as bancas. Tem 28 páginas em formato tablóide e tiragem prevista de 75 mil exemplares.

O preço é importante: antes do Plano Real, quando este colunista dirigia uma Redação, cada aumento nos preços derrubava significativamente a circulação, que ia depois subindo gradativamente, até o aumento seguinte. Apesar da importância que dá ao preço baixo, Mattos Jr. diz não estar preocupado com a concorrência dos jornais gratuitos, como Metro e Destak. Em sua opinião, estes jornais circulam em áreas de predominância das classes A e B, enquanto o Mais concentrará sua circulação em bairros onde há predominância das classes C e D.

 

Como…

O presidente nacional do PMDB, Michel Temer, reuniu-se com a cúpula do partido na sua casa, em Brasília. Temer disse – e a imprensa publicou como se isso fosse a coisa mais normal do mundo – que os políticos do PMDB se reuniram, mas não discutiram a questão da vice-presidência na chapa de Dilma.

Claro: devem ter debatido a contratação de Roberto Carlos pelo Corinthians, ou algum tema de Direito Constitucional, especialidade do professor Temer. Talvez o alto comando do PMDB tenha se reunido para discutir aquecimento global ou, por que não?, ética na política. Cargos, jamais; negociações, nem pensar. Que nojo tem o PMDB dessas conversas tão vulgares!

 

…é…

O empresário Haroldo Felício acaba de assumir a presidência do Sindicato Nacional dos Cemitérios e Crematórios Particulares. Diz a notícia, publicada direitinho conforme o press-release:

** ‘Estou otimista (…) Em 2010 o setor deve crescer 7%’.

A dúvida é com relação ao título: será ‘Boa Notícia’ ou ‘Má Notícia’?

 

…mesmo?

Esta é da internet:

** ‘Descubra por que os gagos cantam sem tropeçar’

Talvez pelo mesmo motivo pelo qual os mancos falam sem gaguejar.

 

E eu com isso?

Ler é sempre instrutivo. Há textos tão ruins que servem de mau exemplo. Há informações que não parecem muito úteis no momento, mas um dia servirão para alguma coisa, nem que seja resolver palavras cruzadas. O frufru sempre traz coisas instrutivas:

** ‘Louras são mais `guerreiras´, diz estudo’

** ‘Mulher que casa e tem filho engorda 9 quilos, diz pesquisa’

A Giselle Bundchen casou e teve filho. Cadê os nove quilos?

** ‘Descubra o que toda mulher deve ter no carro’

** ‘Cidade de MG tem lei até sobre como carregar galinha’

Há notícias pitorescas:

** ‘Siliconada mostra peito para duas colegas de trabalho e cai do emprego’

** ‘Madonna estaria tentando engravidar de Jesus Luz’

Este colunista é do tempo em que notícia tinha de ser nova. E, por falar em Madonna…

** ‘Jesus Luz ganha tratamento de celebridade máxima na SPFW’

Como será o tratamento de uma celebridade mínima?

Há loucuras:

** ‘Viciado em games mata a mãe por não pagar conta de internet’

Há as coisas sem a menor importância, mas assim mesmo divertidas:

** ‘Sharon Stone é flagrada com olhos roxos por paparazzi’

** ‘Amy, de cor laranja, leva um tombo em Londres’

** ‘Pernas de Catherine Zeta-Jones já não são as mesmas’

** ‘Thiago Lacerda vai à praia pedalando’

Há coisas engraçadas, daquelas que Madame Natasha, a professora criada por Elio Gaspari, adoraria traduzir:

** ‘A bola chocou-se contra uma das traves’

Traduzindo, a bola bateu na trave.

** ‘Barata voa portuária’

Deve querer dizer alguma coisa – mas essa nem Madame Natasha, professora de piano e português, conseguirá decifrar.

 

O grande título

Semana muito rica, muito variada.

Começamos com um título raro: além de não caber e entrar assim mesmo, tem aquele sotaque inconfundível de índio de filme americano.

** ‘Consumir exagerado de bebidas energéticas pode fazer mal; saiba’

Há títulos que valem dupla interpretação:

** ‘Em SP, oficinas se especializam em alagamento’

Taí uma especialidade desnecessária: São Paulo sabe alagar-se sozinha.

Às vezes, a dupla interpretação pede um pouco de malícia:

** ‘Após descobrir Ganso, Giovanni quer ser olheiro do Santos’

E há um título rigorosamente imbatível, melhor do que a mãe que nasceu analfabeta:

** ‘Haiti: criança ignora caos e nasce em hospital de campanha’

Como se vê, há ocasiões em que a ignorância ajuda.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados