Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Brasil 2021: o eclipse de uma estrela emergente

(Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

Fechamento definitivo das fábricas automobilísticas da Ford na Bahia, desastre sanitário no Amazonas. O Brasil em 2021 acordou com o pé esquerdo. Ontem, em 2016, o país ainda figurava na lista de honra dos países emergentes. 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, ano após ano, o Brasil se encaminhou, passo a passo, degrau após degrau, em direção às margens, à periferia mundial, confirmando a anedota atribuída às vezes ao primeiro-ministro francês Georges Clemenceau, e mais frequentemente ao ex-presidente Charles de Gaulle, segundo a qual, diante da afirmação de que o Brasil seria o país do futuro, teriam vaticinado que assim continuaria sendo.

A situação sanitária é preocupante para o país, como para a maioria dos brasileiros. A pandemia atinge níveis ultrapassados apenas pelos Estados Unidos: 210.000 vítimas em meados de janeiro de 2021, caminhando para 312.00 mortes até o final de março de 2021. Testemunhamos o caos, tanto desolador quanto dramático, em Manaus, capital do Amazonas, que há pouco era apresentada como a cidade que tinha atingido a imunidade coletiva, em função da negligência dos poderes locais na adoção das medidas sanitárias e consequentemente do grande número de infectados na cidade em 2020.

Apesar de seus currículos militares, o ex-capitão e presidente Jair Bolsonaro, e seu ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, há muito tempo desertaram do combate contra o vírus. Deixaram a cargo dos Estados e dos Municípios a condução da guerra, sem nenhuma coordenação nacional e em um clima de grande desordem institucional. Tanto é verdade que, a variante brasileira do coronavírus passou despercebida, na desordem sanitária no país, pelos órgãos nacionais responsáveis, tendo sido identificada no Japão. No fim de janeiro, e por parte dos estados, ouviu-se falar de campanhas de vacinação, aqui e ali, em um canto com um produto chinês, em outro com um russo e em outros lugares com um inglês.

O “deixar rolar pra ver o que acontece” das autoridades centrais no país, longe de salvar economicamente o país, como argumentavam, ao contrário, deixou definhar a economia pressionada pelos efeitos destrutivos do coronavírus. “O Brasil está quebrado e eu não posso fazer nada”, reconheceu publicamente e sem rodeios, Jair Bolsonaro, em 5 de janeiro de 2021. A mensagem foi recebida em alto e bom som pelos investidores estrangeiros: a Ford anunciou o fechamento de suas fábricas brasileiras, afetando com isso 2% do PIB da Bahia; 5.000 empregos diretos foram perdidos assim como vários milhares de outros, indiretos, tanto aqueles de subcontratos, como também aqueles ligados ao comércio nessa região, atingidos por ricochete. A Ford não foi a única empresa a colocar um ponto final na sua presença no Brasil. O laboratório farmacêutico suíço Roche deverá também vai deixar o país até 2024, bem como a alemã Mercedes-Benz e a japonesa Sony.

Socialmente, o marasmo econômico mergulha uma parte cada vez maior da população na incerteza do amanhã. A pobreza foi por um tempo contida pelas medidas emergenciais votadas pelo congresso, mas essa fonte de renda que já era baixa, foi reduzida pela metade, em outubro de 2020, e interrompida no final do ano, como desejava o presidente e seu ministro da economia. Uma decisão que, juntamente com os efeitos destrutivos do coronavírus sobre o emprego, em especial sobre o trabalho com carteira assinada, ameaça apagar as “novas” classes médias que saíram da fome e da pobreza nos primeiros anos do milênio.

Apenas os grandes produtores de soja e de carne têm se beneficiado, até o momento, às custas da degradação acelerada da natureza brasileira. O “passe livre” concedido ao agronegócio, na versão “deixar passar a boiada” do ministro do Meio Ambiente, tem destruído o equilíbrio ecológico. A redução da cobertura florestal interrompe o regime pluvial e, a médio termo, ameaça os interesses desses mesmos grandes agricultores. Esse suicídio programado do setor é não apenas aceito como também encorajado pelo governo. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é o fiador desse processo. Em 2019, Jair Bolsonaro recusou-se a organizar a Conferência do Clima da ONU – COP 25, no Brasil. Ele se recusou, assim como seu ‘parceiro’, o ex-presidente Trump, a vincular parte do tratado comercial em negociação entre a União Europeia e o Mercosul aos compromissos ambientais assumidos pelo Brasil, signatário do Acordo de Paris. As trocas de farpas agridoces tem sido recorrentes entre as autoridades brasileiras e as francesas sobre esse assunto. Em 12 de janeiro de 2021, o chefe do Estado francês, Emmanuel Macron, escreveu em sua conta do Twitter que a Europa não poderia mais ser dependente da importação de soja produzida no Brasil em contradição com as ambições ecológicas da Europa. No dia seguinte, o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, respondeu, qualificando o discurso de Macron como uma declaração “que reflete os interesses protecionistas dos agricultores franceses”.

Assim, a insegurança, já antes problemática, assumiu com a pandemia uma dimensão cada vez menos controlada. A ausência de uma boa gestão sanitária produziu um mercado paralelo de bens de saúde. O preço dos cilindros de oxigênio, objeto de necessidade urgente, custava 550 dólares a unidade em meados de janeiro, em Manaus. A polícia nunca cometeu tantos desmandos como em 2020: dezessete pessoas foram abatidas todos os dias pelas “forças de ordem”; 3.148 brasileiros foram mortos por policiais entre janeiro e junho de 2020. Além disso, se buscou beneficiar, justamente neste contexto, um fabricante de armas de fogo, a Taurus¹.

O Brasil, ainda ontem, tinha uma direção, um rumo, tanto nacional quanto internacional. Hoje está sem bússola. Jair Bolsonaro, em sua política externa, condenou o ‘comunismo’ do então candidato à presidência nos EUA, Joe Biden, como também aquele de Nicolas Maduro. Distanciou-se do argentino Alberto Fernandes e anunciou a suspensão de relações preferenciais de comércio com a China ‘vermelha’. Joe Biden é desde 20 de janeiro de 2021 presidente dos Estados Unidos. A China é o primeiro parceiro comercial do Brasil e seu primeiro fornecedor de vacinas anti-Covid-19. Nicolas Maduro enviou, em socorro a Manaus, uma carga de cilindros de oxigênio…

Texto publicado originalmente em francês, em 22 de Janeiro de 2021, na seção ‘Tribuna’ do Institut de Relations Internationales et Stratégiques – IRIS, Paris/França, com o título original “Brésil 2021. Éclipse d’une étoile émergente”. Tradução: Pâmela Rosin e Luzmara Curcino. Revisão e edição Pedro Varoni.

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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso – UFSCar.
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Referências

[1] Cf. “Los vendedores de armas hacen caja com Bolsonaro”. In.: El País, 28 de outubro de 2020 e “La course à l’armement de la société brésilienne” [A corrida ao armamento da sociedade brasileira]. In.: Le Monde, 6 de janeiro de 2021.