Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A narrativa jornalística irresponsável dominante sobre a violência no ES

(Foto: Flickr – Lissa de Paula)

Em discurso em plenária na Assembleia Legislativa do Espírito Santo (ALES), o oferecimento de uma recompensa de R$ 10 mil pelo deputado estadual Coronel Assumção (PSL) a quem matasse o assassino de uma jovem residente no município de Cariacica, região metropolitana da Grande Vitória, gerou imediato repúdio em manifesto assinado por oito entidades da sociedade civil organizada, dentre elas o próprio Sindijornalistas-ES, devido à apologia explícita a medida extremista de “violência com as próprias mãos”, sem o devido processo legal. O pronunciamento de Assumção, no último 11 de setembro, ganhou, inclusive, projeção na mídia nacional.

Na imprensa tradicional regional do Espírito Santo, o assunto simplesmente manchetado como “polêmica” deu destaque justamente para a “oferta justiceira” do deputado militar do mesmo partido do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Justificando-se sob os desejos da audiência logo após comentário de telespectador – que opina “não é possível que a fala do deputado tenha mais repercussão que o assassinato” -, o apresentador do Bom Dia ES, programa matinal da TV Gazeta, filiada à Rede Globo, concorda: “não é possível mesmo; ontem nós demos toda a repercussão desse assassinato que é revoltante, deixa a gente indignado”.

Em seguida, o mesmo apresentador do Bom Dia ES lança importante questionamento: “quando se tem um agente do Estado, um deputado estadual responsável por fazer as leis dando uma declaração que pagaria para quem matar outra pessoa, ele está ajudando ou atrapalhando a investigação, que a justiça seja feita de acordo com as regras do Estado Democrático de Direito?” A escolha da fonte pela produção jornalística para “elucidar” a questão ao vivo recai não sobre autoridade em direitos humanos ou porta-voz ligado à sociedade civil e movimentos sociais populares contra o extermínio, mas sobre outro deputado estadual policial, o delegado Lorenzo Pazolini (sem partido). Responsável por homenagear a ministra bolsonarista Damares Alves na Assembleia, em maio, Pazolini agora justifica o posicionamento do colega Assumção, de acordo com ele, advindo de contexto “caloroso” em plenária contra a destinação de verba pública para pagamento de tornozeleira eletrônica com saída de detentos.

Se o artigo 6° do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros determina como dever do jornalista “opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, pode-se dizer que o jornalismo que não prioriza em suas escolhas a premissa da inviolabilidade do direito à vida, previsto no artigo 5° da Constituição Federal Brasileira de 1988, e a Justiça, levando em consideração a dignidade da pessoa humana ao noticiar os territórios periféricos, tende a reforçar, mesmo que sub-repticiamente, a retórica da morte como solução para os conflitos sociais. Longe da mitificação do jornalista como herói ou vilão, e enxergando-o dentro de um campo de conflitos, torna-se necessário refletir sobre o discurso dominante que tende a invisibilizar as vozes subalternas para deliberadamente amplificar vozes opressoras em suas narrativas.

Ao Tribuna Online, pertencente à Rede Tribuna ES, filiada ao SBT, o deputado Coronel Assumção concedeu entrevista exclusiva. Reportagem que, em suas perguntas, parece querer registrar sorrateiro tom de reforço ao discurso higienizante a todo custo nas periferias. “A oferta é real? Por que?” ou “O senhor é a favor da pena de morte?” ou “O senhor não teme sofrer algum tipo de represália em virtude de suas declarações?” ou “A expressão é metafórica, mas a promessa é real”? etc. Enviesamento que, escondido sob o manto positivista da imparcialidade e neutralidade – já criticado por nós em texto anterior no Observatório da Imprensa -, opta por ressaltar uma performance que exalta a necropolítica e sem questionamento crítico do conteúdo dito.

A lógica da necropolítica – conceito formulado pelo sociólogo camaronês Achiles Mbembe relacionado ao poder decidir quem merece viver e quem merece morrer – tem alvo certo nos territórios periféricos (favelas, morros, comunidades) e imbrica-se, segundo Oliveira (2018), de um apoio à violência institucionalizada do Estado em um momento de crise de credibilidade das instituições, mas que se sustenta historicamente sob um sistema de dominação e exploração transfigurado na constituição das hierarquias do sistema-mundo pós-colonização (OLIVEIRA, 2018).

Nesse sistema, que articula mecanismos de controle do trabalho e a classificação racial, segundo o autor, a meritocracia, a securitização e o salvacionismo são processos articulados que permeiam a narrativa pró-extermínio. A necropolítica é ideal ao modelo de dominação que forma miseráveis, a exemplo, “porque a desregulação dos contratos de trabalho [encaixamos reformas trabalhista e da Previdência] leva a precarização social ao extremo e militarização e barbarização aparecem como modelos de gestão possível” (Oliveira, 2018, p.49).

(Reprodução: Prof. Dennis de Oliveira)

A mera reprodução do discurso de incentivo ao homicídio personificado na retórica do deputado Assumção pelo Tribuna Online gera desconforto ao se analisar o estabelecido, pelo Código de Ética, no que se refere à conduta do jornalista, que tem como deveres “defender os princípios constitucionais e legais, base do estado democrático de direito”, “defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial a das crianças, adolescentes, mulheres, negros e minorias” (Art 6°, § X e XI), como a proibição pelo art 7° de “usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime”. Ressalta-se que a “não tomada de partido” da mídia dominante em nada problematiza ao seu leitor a conjuntura sociopolítica e econômica que gera a violência contra a mulher periférica em um dos estados que, segundo o Atlas da Violência, mais se registram casos de feminicídio no Brasil.

Jornalismo tradicional que exclui, estereotipa e estigmatiza o periférico

O Espírito Santo é apenas um recorte onde a retórica da morte como (contra) política histórica neoliberal higienista acaba por ocupar os espaços político-sociais em tempos obscuros. No início de setembro, o caso de um adolescente negro, de 17 anos, acusado de furtar barras de chocolate dentro de um supermercado, em São Paulo – onde foi despido, amarrado nu, humilhado, amordaçado e chicoteado com fios de energia por cerca de 40 minutos pelos seguranças do estabelecimento – reflete a mentalidade escravagista do Brasil bolsonarista que celebra práticas de tortura (Lei 9.455/1977) como mecanismo de punição, mas também põe em voga o tipo de jornalismo que ainda propaga pré-conceitos/pré-julgamentos quando o alvo vem dos territórios periféricos.

Uma análise do título da matéria do site da revista Exame (Editora Abril): desde a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o termo “menor” é considerado inapropriado e de sentido pejorativo, por reproduzir e endossar de forma subjetiva discriminações arraigadas e uma postura de exclusão social que remete ao extinto Código de Menores (Dicionário Andi-Comunicação e Direitos). Enquanto a preferência da publicação pelo termo roubo na chamada (Art. 157. Código Penal – crime complexo) em supressão ao furto (Art.155 CP – crime comum) pressupõe que o jovem agiu com violência ou ameaça a outrem ao subtrair as barras de chocolate, sendo que as teria furtado do estabelecimento.

(Reprodução: Revista Exame)

Ainda em agosto, o comportamento do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), cria da escalada autoritária bolsonarista, ao sorrir dando socos ao ar (arrisca-se dizer que a maioria das capas dos jornais dominantes destacava a fatídica foto gestual do governador descendo na ponte Rio-Niterói) na operação que resultou na morte de William Augusto da Silva de 20 anos – jovem negro, pobre, periférico, desempregado – por um policial de sua tropa de choque exemplifica o triunfo do estado policial punitivista, que ganhou “brevê” para executar “com honras” os já excluídos pelo mundo do trabalho e pela mentalidade higienista do capital lucrativo. Vale lembrar: o mesmo jornalismo que espetaculariza, por outro lado, ainda não cobre devidamente nem contextualiza criticamente os transtornos mentais (casos de saúde pública), como a depressão que, segundo familiares, acometia o jovem.

Neste caso, a autorização para matar não prescinde principalmente da falácia meritocrática, conforme explica Oliveira (2018), um dos três componentes ideológicos da nova reconfiguração do pensamento (neo)conservador na América Latina já engendrado na mentalidade “servil” das classes médias: “Estava desempregado porque quis”; “Depressão? Frescura”, “Preguiçoso e louco”; “Procurou? Achou, vagabundo”, “Bandido bom é bandido morto”. Contudo, agora a exaltação à morte ganha “novos” podres ares de espetáculo performático midiático. Definitivamente, não é possível silenciar sobre o papel do jornalismo que se propaga instância necessária à saudável democracia, mas que se submete de forma acrítica a este jogo encenado.

Afinal, se a democracia nunca chegou à periferia e o estado de exceção é a regra geral, torna-se necessário pensar até pelo alcance massificado: como o jornalismo tradicional colaboraria minimamente na construção de um estado de emergência e um novo conceito da história a partir do olhar dos oprimidos se, ao contrário, não leva em consideração sua própria deontologia, seus deveres ético-profissionais, coisificando seres humanos como mercadoria produtiva? E, ao invés de desconstruir a retórica dominante engendrada na memória coletiva, ainda reforça estereótipos e estigmas sobre quem já sofre duplamente violência material, simbólica e física, em suas múltiplas identidades? (HALL, 2004).

A linguagem totalitária do neoliberalismo e o controle simbólico pelo discurso do ódio

Se o estado de exceção desencadeado com a ruptura democrática gerada pelo golpe parlamentar de 2016 que destituiu a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) inicia um processo chamado por Miguel (2018) de desdemocratização, para Giorgio Agamben (2004) a violência que nele consta deixa de ser medida excepcional para tornar-se uma técnica de governo na contemporaneidade. O toque de recolher e o fato do poder executivo legislar por decretos e medidas provisórias [vale ressaltar que os direitos e garantias fundamentais atacados pelo governo bolsonarista constituem cláusula pétrea, dispositivo constitucional imutável] são relacionados à análise do estado de exceção de Agamben, que traz à tona a obscuridade entre as áreas do direito e a democracia que legitimam a violência e a arbitrariedade em nome da segurança e a serviço da concentração de poder (AGAMBEN, 2004).

A própria linguagem do neoliberalismo é naturalmente totalitária, segundo a psicanalista argentina Nora Merlin (2019). Se, por um lado, o sistema ideológico dominante tenta vender a globalização como fábula do encurtamento de distâncias na aldeia global, por outro, essa lógica cotidiana movida pelo consumo alienante tenta mascarar a sua fábrica de perversidades sistêmicas aprofundando as diferenças locais (SANTOS, 2003). O desemprego crônico, o aumento da pobreza, a generalização da fome e da mortalidade infantil e a falta de acesso à educação se movem na direção ascendente dos “[…] males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção” (Santos, 2003, pg. 10), causando proposital impotência.

Basta remeter-nos a um passado não tão distante, mas camuflado numa pseudo-civilidade pública dos governos direitistas no Brasil, especialmente nos anos 1990, onde capas da revista Veja estampavam crianças nordestinas se alimentando de calango, também retratadas como estatísticas no retrato da fome e miséria (eram 300 crianças famintas assassinadas por dia em 2001, em histórica reportagem do Jornal Nacional, da Rede Globo). Considerando o jornalismo como palco de conflitos e contradições, segundo Kucinski, na época “revistas semanais [como Veja] emergem como principais usinas ideológicas dos conceitos e preconceitos da classe média” (Kucinski, 1998, p.33), enquanto classifica o império Globo, com suas raízes oligárquicas, como principal ator no processo de produção de consenso a favor das elites (KUCINSKI, 1998).

Eleito na esteira de uma máquina midiática tóxica de desinformação (fake news), ainda ativa nas redes sociotécnicas como o Facebook e o WhatsApp, se ausentando do confronto de ideias dos debates eleitorais necessários para uma escolha de voto racional do eleitorado e sob o discurso ultraconservador que traz a lógica do pensamento binário (MIGNOLO, 2017) (bem x mal, masculino x feminino, rosa x azul, coxinhas x mortadelas) Jair Bolsonaro vem apresentando e representando o discurso histórico pró-violência de forma cômoda. Seus choques de performance (grosserias que podem soar desconfortáveis aos ouvidos da “refinada religiosa” elite dominante, mas por ela aceitáveis desde que não desencadeiem revolta coletiva popular e consequente mobilização capaz de abalar as estruturas bolsonaristas) inflamam diariamente o corpo social pela retórica do ódio, por vezes maximizada e retroalimentada na grande mídia corporativa pelo viés sensacionalista.

Discursos intolerantes com as diferenças, fomentados como controle simbólico advindo historicamente da matriz hegemônica eurocêntrica de pensamento, totalizante em sua missão civilizatória, desde o princípio desconsideram a diversidade da identidade híbrido-mestiça multifacetada dos povos colonizados latino-americanos, como o brasileiro (MIGNOLO, 2017). Estratégia colonialista de dominação não só do território, mas dos corpos e das mentes dos povos latinos, subjugando, inclusive, suas subjetividades.

Merlin (2019) ressalta que o novo avanço neoliberal se impõe “com ferocidade e violência sem nenhum tipo de contenção”, impondo um sistema de terror não adequado à maioria, porém causando uma obediência servil. Por outro lado, a violência estrutural à qual a sociedade brasileira está impostamente submetida é camuflada por sua conformidade às regras, segundo Miguel (2018, p.96), “naturalizada por sua presença permanente na tessitura das relações sociais; é invisibilizada porque, ao contrário da violência aberta, não aparece como uma ruptura da normalidade”. Da “parteira da história”, não antes sofrer resistência, forjou-se a sociedade brasileira começando no estupro das indígenas pelo homem branco europeu, passando pela objetificação do sujeito na escravidão até o genocídio da juventude negra – a violência na contemporaneidade se transformou num fenômeno psicossocial adequado à crise estrutural do capitalismo flexível (OLIVEIRA, 2018).

À custa das desigualdades socioeconômicas e dessa violência simbólica como retórica de dominação, todo esse sistema de opressão provocado pelas mãos “invisíveis” globais que agora controlam o governo bolsonarista e que objetivam o saque de nossas riquezas [vide a lista das dezessete estatais na lista privateira do governo para o 2° semestre], com a volta de um passado subserviente ao imperialismo ianque, passa a ser materializado na solução imediatista/higienista do discurso presidencial: “Não tinha ninguém para dar um tiro nele?” (sobre morador de rua), “Você não vê gente mesmo pobre pelas ruas com físico esquelético” (sobre a fome), “Os caras vão morrer na rua igual barata, pô. E tem que ser assim” (exaltação à violência policial) etc. O espaço público que deveria servir ao diálogo plural democrático cede lugar à política da morte, ou à morte como instância da política.

É preciso reorganizar o campo popular contra a violência da necropolítica

Dentro do percurso histórico, articulando a totalidade dos processos políticos, econômicos e sociais, a contínua eliminação dos “mortos-vivos” ou as chamadas “vidas nuas” (Agamben, 2014) – aquelas não qualificadas por serem previamente excluídas da esfera pública pelos que detém a “soberania do poder” – nos parece, transforma-se (já se mostrava desde o princípio no escárnio do presidente, então deputado federal, com discurso a favor da violência da ditadura e do porte de armas) perigosamente na visão “mestra” que norteia todas as estruturas do atual regime bolsonarista. Em outras palavras: a barbárie que sempre esteve entranhada agora assusta, radicalizada, legitimada, oficializada.

Não há política pública que atenda essa parcela excluída, responsabilidade de gestão do Estado, cujo atual governo foi eleito pelo mercado e para satisfazer o mercado. Dolorosamente, não há oportunidade, há execução. A sentença à morte (aquela “à queima roupa” ou a lentamente agonizante pelo “deixar morrer”) determina o medo cotidiano das zonas pré-julgadas “perigosas” que não podem ferir esteticamente a “beleza” e comprometer a “segurança” dos “cidadãos de bem” da cidade excludente capitalista. Assim vem se construindo a mentalidade perversa que já perigosamente se naturaliza após os últimos nove meses: primeiro se matam as condições do povo, tornando-os miseráveis; depois, torna-se todo miserável um inimigo da sociedade para, em seguida, incitar os linchamentos e o terrorismo de Estado para o extermínio do pobre famélico.

Antes segregado e excluído (não só), agora oficialmente desprotegido, pré-julgado, mortificado. Nesse cenário, o desafio de permanecer vivo e tentar uma existência digna permeia a luta de grupos minoritários não em quantidade, mas como sujeitos dignos de direitos e já historicamente excluídos (negros, mulheres, índios, quilombolas, LGBTs, pessoas com deficiência, camponeses, “moradores” de rua etc.), que precisam enfrentar dia a dia o ímpeto bolsonarista de desumanização imposto, diga-se de passagem, não só pela materialização do discurso presidencial, mas principalmente pela lógica neoliberal, patriarcal, classista e racista que constrói, por detrás, o discurso. Para Merlin (2019), valorizando a reflexão crítica profunda e a reconstrução de nossas sociabilidades, é preciso reorganizar o campo popular contra esse ódio:

“Se falamos em batalha cultural, uma das primeiras missões nessa disputa é resolver esse ódio. Devemos resolvê-lo porque não é lá que vamos nos orientar em um caminho emancipatório. O neoliberalismo requer culturas sem política. O ódio é uma fantástica forma de promover uma cultura sem política, porque se lidarmos com o conflito político como o dos “bons” contra os “maus”, o dos “corruptos” contra os “decentes”, isso se torna um conflito moral, e não político. Então quem se beneficia com a instalação do ódio? Só o poder, porque você obtém uma cultura com um tecido social totalmente dividido, e uma cultura despolitizada, porque a questão é o “bem” contra o “mal”. É assim que as ideologias totalitárias se impõem, com conceitos do nazismo e do neoliberalismo para processar o conflito político. É uma armadilha. Em vez de conflito, a estratégia do inimigo interno é produzida, como forma de defender o banimento do odiado.” (MERLIN, Carta Maior, 2019)

Nessa reificação do grotesco e da desumanidade cotidiana, nova roupagem da banalidade do mal arendtiana cujos burocratas, principalmente ministros do governo bolsonarista, fingem seu dever nas cínicas “canetadas da morte” (enquanto parte da massa finge que está dentro da “normalidade” democrática), que atingem não só Gaia, mãe-terra, com a destruição da Amazônia e entrega do pré-sal ou do povo que nela habita com o desmonte completo dos setores sociais de ciência, educação, cultura, direitos humanos, é quando vêm à tona situações de violência material e física ditas exceções à regra (natural da violência simbólica) que é reaceso o debate público, mesmo momentâneo.

Em tempos obscuros, parece não se aplicar ao tipo de jornalismo que se apresenta aqui como instância mediadora estéril insistente em ser “cortina de fumaça” em nome de segundos interesses econômicos corporativos, mas quanto à reorganização das forças progressistas populares na resistência contra o autoritarismo, a esperança brechtiana no estado de exceção ainda nos impõe: “[..] pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.”

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REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção: [Homo Sacer, II, I]; Tradução Coleção Estado de Sítio. São Paulo, Boitempo Editorial, 2004.
ANDI-Comunicação e Direitos. Glossário: menor. Acesso em 15.set.2019.
BOM DIA ES. Deputado Lorenzo Pazolini comenta fala de Capital Assumção na Assembleia Legislativa. TV Gazeta, Exibição em 12.set.2019.
BRECHT, Bertolt. Antologia poética: nada é impossível de mudar. Alemanha: 1896-1956.
FENAJ. Código de Ética dos Jornalismos Brasileiros, 4 de agosto- 2007.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 9ed. Rio de Janeiro, DP & A, 2004.
KUCINSKI, A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 1998.
MERLIN, Nora. “O neoliberalismo é uma forma de totalitarismo”: a psicanalista Nora Merlin e o novo paradigma político. Por Oscar Ranzani, publicado originalmente no Página/12-Tradução de Victor Farinelli. Carta Maior: o portal da esquerda. Publicado em 09. ago.2019.
MIGNOLO, Walter. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais-RBCS, Vol 32, n°94, junho /2017 (Scielo).
MIGUEL, Luis Felipe. Dominação e resistência: desafios para uma política emancipatória. 1 ed.- São Paulo, Boitempo Editorial, 2018.
OLIVEIRA, Dennis. A violência estrutural na América Latina na lógica do sistema de necropolítica e da colonialidade do poder. Extraprensa, São Paulo, v.11, n°2, p.39-57, jan/jun, 2018.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2003.
TRIBUNA ONLINE. “Se aparecerem 100 bandidos mortos, vou soltar fogos”, diz deputado. Por Taynara Nascimento. Acesso em 13.set.2019.

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Priscila Bueker Sarmento é jornalista, mestranda em Comunicação e Territorialidades da Universidade Federal do Espírito Santo e Integrante do Núcleo de Pesquisa e Ação Observatório da Mídia: direitos humanos, políticas, sistemas e transparência (UFES/CNPq).