Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Um hospício chamado Brasil

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Suspeitar ter dado caruncho no cérebro do presidente Bolsonaro, como alguns têm deixado transparecer em suas críticas e comentários, talvez não seja a melhor maneira de se chegar a uma análise da realidade brasileira. É preciso ter coragem, ir mais longe, pois a crise parece ser mais ampla. O general De Gaulle, com aquele narigão de francês capaz de sentir muito mais além do cheiro, já teria chegado àquela conhecida conclusão, “o Brasil não é um país sério”. E se o mal for ainda pior?

E se os brasileiros, além de não serem sérios (e isso todos nós já sabemos desde a infância), estiverem sofrendo de uma degenerescência coletiva, não diagnosticada, mas grave e altamente transmissível, que deforma a realidade, dificulta a percepção das coisas e nos leva ao ridículo diante do mundo sem percebermos?

Alguns exemplos concretos? Vamos lá. A imprensa informou nestes dias ter havido um desmatamento recorde na Amazônia: 580 km2. Esse número é assustador e, com ligeiras variações, vem se acumulando mês a mês desde a chegada de Ricardo Salles ao posto de ministro do Meio-Ambiente.

Quem é Ricardo Salles? No site da Revista Fórum vem uma descrição nada abonadora — “ex-militante do DEM, incentivador do assassinato de sem terra e defensor dos latifundiários, o ministro do Meio Ambiente que mente no currículo, tenta se esquivar da responsabilidade pelo aumento exponencial das queimadas que estão destruindo a Amazônia”. Como o pastor Milton Ribeiro, ministro da Educação, Ricardo Salles também estudou na Universidade Presbiteriana Mackenzie, porém não frequentou e nem tem título de Mestre em Direito Público pela Universidade de Yale, como constava inicialmente de seu currículo. Ainda segundo a Revista Fórum, Ricardo Salles é uma espécie de ministro antiambientalista.

Haverá no mundo, um presidente de algum país que nomeie um conhecido antiambientalista para cuidar justamente da proteção ambiental? Não, só se tiver enlouquecido. Ora, indicar um antiambientalista para proteger as florestas da Amazônia é o mesmo que colocar um lobo para cuidar de um rebanho de ovelhas.

Podemos até imaginar Ricardo Salles com seu charuto de rico e óculos tartaruga saltitando de alegria diante da queimada das árvores amazonenses, como um Nero caboclo. E, no dia seguinte, com a maior cara-de-pau, pedir ao presidente Biden e à comunidade internacional um bilhão de dólares para arcar com os custos das medidas destinadas à proteção da Amazônia contra incêndios e comércio da madeira de árvores derrubadas.

Será que o ministro incendiário e desmatador pensa estar enganando trouxas? Não. O ministro Salles pirou. Está com arteriosclerose ou demência precoce. Deve ter jogado no lixo aquela ameaça dos quarenta mais importantes supermercados europeus de boicotarem suas importações do Brasil, se continuarem os incêndios e exploração madeireira nas áreas de proteção ambiental.

Quase no mesmo dia, o presidente Bolsonaro, enraivecido com a Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a averiguar sua irresponsabilidade criminosa na gestão sanitária da pandemia do coronavírus, já causadora de quase meio milhão de mortes, decidiu denunciar o país responsável. Seria a China! Uma acusação sem provas, mas capaz de provocar uma perigosa e onerosa reação, pois a China é um dos principais países importadores de quase tudo quanto o Brasil produz. Seria uma catástrofe ainda pior à do boicote programado pelos supermercados europeus. O homem não tem sequer ideia dos estragos causados por seus delírios verbais.

Foi um grave sintoma de desequilíbrio mental, agravado por ter feito uma delirante denúncia: a de que vivemos uma guerra química, bacteriológica e, se atrapalhando ao dizer, “radiológica”. Se estivesse perto de algum médico do manicômio do Juqueri, o diagnóstico seria imediato: o homem está doidinho, com sintomas de mania de perseguição pelos chineses, agravado com perda de memória, ao dizer radiológica quando talvez quisesse dizer nuclear. Alguns comentaristas ironizaram: seria a guerra entre as rádios, Jovem Pan contra Globo?

E como definir a aceitação pelo general Eduardo Pazuello, sem nenhuma formação médica ou sanitária, ao ser nomeado para comandar o Ministério da Saúde num momento de crise? Vaidade, interesse ou desejo de ajudar Bolsonaro? Nada disso: delírio total, agravado por ter sido o aplicador da “tática cloroquina” contra o inimigo coronavírus. Nem ele e nem Bolsonaro ganham comissões da indústria farmacêutica fabricante da cloroquina; a indicação do remédio preventivo enganação, no kit covid, é mais um sinal revelador do delírio mental. Loucura!

Há outros sintomas de loucura no governo, nos propagadores do gabinete do ódio, entre os evangélicos e na oposição? Sem dúvida, basta uma rápida busca. O que dizer da ministra Damares, que também divulgava currículo incorreto, ao falar de seu encontro com Jesus na goiabeira? E o pastor Silas Malafaia, sempre enfurecido, de dedo em riste com sintomas graves de delirium tremens, excitando os bolsonaristas, esquecendo-se do evangelho paz e amor?

Não é uma cena digna de um teatro de dementes, o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, dando piruetas para não responder às perguntas do relator da CPI, Renan Calheiros? Os bolsonaristas nas ruas, enrolados em bandeiras brasileiras, em infração às regras de uso da bandeira, gritando como histéricos chavões contra os esquerdopatas, sem saberem sequer o significado das palavras empregadas? Dispostos a fazerem “tudo que tiver de ser feito”, como dizem e escrevem até em suas faixas, num comportamento servil e canino, num tipo de adesão maluca no caso de uma tentativa de golpe armado pelo doido-chefe e presidente?

Enquanto prossegue a CPI, investigando a responsabilidade criminosa do presidente Bolsonaro, os prováveis candidatos à presidência ignoram a probabilidade ou possibilidade de um impeachment, mostrando preferir uma campanha eleitoral contra Bolsonaro e não contra o atual vice-presidente, Hamilton Mourão. Um sintoma de que vivem num mundo à parte, longe da realidade.

Em síntese, esses exemplos são suficientes para mostrar haver hoje no Brasil um clima geral de loucura coletiva. O Brasil se transformou num grande hospício. Se em 1917, o presidente Delfim Moreira era considerado “um louco passivo”, querendo mesmo criar galinhas no jardim do antigo Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, a demência hoje é coletiva. Com a diferença de haver alguns doidos ativos e perigosos no poder.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.