Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Battisti, culpado por confissão

Não acredito na espontaneidade da confissão de Cesare Battisti, assumindo a autoria dos atentados e mortes pelos quais foi condenado à prisão perpétua.

Não é preciso muita busca para se saber ter havido muitas confissões extraídas por ameaças ou torturas, não só na Idade Média, como em processos políticos, no século passado.

As próprias antigas delações de companheiros da época, responsabilizando Battisti pelos assassinatos cometidos, foram obtidas sob ameaças ou promessas de isenção de pena, levando-os a lançarem a culpa sobre alguém ausente e vivendo em segurança.

No caso da Itália, atualmente com governo de extrema direita, existe um fator importante na prisão de Cesare Battisti: a necessidade de se mostrar ao povo ter sido apanhado o responsável pelos crimes cometidos há 40 anos, pouco importando ser ou não ser ele o autor.

Se Battisti continuasse negando a autoria dos crimes, a vitória com sua prisão não teria o mesmo peso de um Battisti confessando-se culpado e mesmo pedindo perdão aos familiares das vítimas. Mas para se chegar a uma confissão plena, imagina-se ter sido aplicado inicialmente o método duro das ameaças, seguido do método persuasivo da negociação.

Para o governo italiano seria contraproducente colocar Battisti com os outros presos da penitenciária da Sardenha, onde acabaria sendo violentado e morto ou “justiçado”.

Porém, reduzir sua pena e garantir bom tratamento na prisão, em troca de uma confissão completa com pedido de perdão aos familiares pelos crimes cometidos, revalorizaria o êxito da operação de captura de Battisti com a cumplicidade do presidente boliviano Evo Morales.

Sem ter qualquer outro meio de troca nessa negociação, não funcionou em favor de Battisti nem a prescrição da pena por esses crimes que, na verdade, não teria cometido. Em contrapartida, se poderia dizer ter sido assassinada a Justiça brasileira, pois o caso Battisti já havia sido julgado, ele possuía papéis de um imigrante normal e é pai de filho brasileiro.

O presidente Temer (que pouco tempo depois também seria preso) e o STF ignoraram a prescrição dos crimes de que era acusado Battisti, reabriram um julgamento já concluído, num raro caso de retroatividade de pena, ignoraram a não periculosidade do italiano já vivendo normalmente integrado no Brasil, para satisfazer o desejo do governo de extrema direita italiano.

O caso Marina Petrella

Nada a ver com um caso semelhante ocorrido na França, quando a Itália pediu a extradição de Marina Petrella, ex-militante da Brigada Vermelha e condenada à prisão perpétua, na Itália, por participação no assassinato de um comissário de polícia.

Refugiada na França, Marina se beneficiou de um asilo criado pelo presidente Mitterrand, concedido aos italianos que tivessem abandonado o terrorismo.

Com a mudança de governo na França, a Itália pediu a extradição de todos os italianos envolvidos, no passado, em atentados. Marina Petrella, com 54 anos, que vivia e trabalhava na França há dez anos e era mãe de duas filhas, foi presa ao exibir seu documento, num simples controle de trânsito.

Seu processo de extradição durou um ano e, quando sua entrega à Itália parecia próxima, Marina fez uma greve de fome, seguida de uma profunda depressão, pois não queria ser obrigada a abandonar suas filhas ainda meninas.

Nessa altura, a atriz italiana Valeria Bruni-Tedeschi e sua irmã, Carla Bruni-Sarkozy, esposa do presidente francês Nicola Sarkozy, interferiram em favor de Marina Petrella, já internada num hospital em estado comatoso, junto ao presidente Sarkozy, que anulou a extradição por razão humanitária.

Com Cesare Battisti, nem Temer, nem Fux, nem o “socialista” Morales tiveram essa grandeza.

Culpado ou não culpado?

Três dias depois da prisão de Battisti no Rio de Janeiro, em março de 2007, lancei um dos primeiros apelos pela libertação do italiano, logo depois dos apelos feitos pelo deputado Fernando Gabeira e pelo senador Eduardo Suplicy.

Apelo publicado no Direto da Redação, naquela época sob a direção de Eliakim Araújo, já falecido. Era meu primeiro texto publicado nesse site.

Não dispondo de elementos para julgar se Cesare Battisti era culpado ou inocente dos crimes a ele atribuídos, meu apelo era em favor de um homem perseguido por cerca de 30 anos.

Meu apelo era em favor de um foragido, de um fugitivo. Seu longo tempo de fuga, seus sobressaltos constantes já equivaliam a uma dura punição, caso fosse culpado.

Ainda agora, lendo sua pretensa confissão de crimes cometidos há 40 anos, prefiro continuar vendo Cesare Battisti como um fugitivo, que acabou sendo apanhado e para quem o futuro já não existe.

Nos meus muitos textos publicados sobre Battisti, nunca procurei mostrá-lo como um herói ou um revolucionário, mas como um eterno perseguido, sem direito a uma vida normal. Também nunca me preocupei em saber se era ou é culpado dos assassinatos a ele atribuídos.

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Rui Martins, é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI.