Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

A relação do jornalismo com a política

Quanto se discute ética aplicada ao jornalismo, uma das primeiras questões levantadas é a importância da independência editorial. Está no alicerce da ética jornalística e dos códigos deontológicos da profissão a independência dos meios de comunicação e dos profissionais que trabalham com jornalismo. A maior parte dos veículos assume este valor, ao menos discursivamente, como essencial. No código de ética da Associação Nacional de Jornais (ANJ) do Brasil, por exemplo, entre os dez preceitos listados para serem cumpridos pelos jornais afiliados, o primeiro deles é: ‘Manter sua independência’.

Uma das formas que os profissionais de jornalismo encontraram para cultivar sua independência e buscar a objetividade – conceito muito discutido entre os estudiosos, pois muitos sustentam que é impossível ser objetivo – foi manter distanciamento em relação às suas fontes. Assim, como argumenta Antônio Fidalgo, ‘a virtude da distância constitui uma das principais virtudes de quem trabalha na comunicação. […] Distante e próximo designam aqui atitudes e não o local em que o jornalista se encontra relativamente ao acontecimento. É possível manter as distâncias em cima do acontecimento e ser-se demasiado próximo mesmo afastado do acontecimento, no tempo e no espaço’.

O ‘contra poder’

O jornalista Eugênio Bucci, em seu livro Sobre Ética e Imprensa, afirma, inclusive, que a independência editorial e a credibilidade conseguida com tal conduta não são apenas questões éticas, mas também exigências do mercado de comunicações, ou seja, as empresas éticas têm maior probabilidade de sucesso no sistema capitalista.

No Brasil, entretanto, a realidade é um pouco diferente da orientação ética de independência e distanciamento. O site Contas Abertas publicou, no último dia 26 de maio, uma matéria relatando a relação de políticos com a mídia no país. O texto, intitulado ‘271 políticos são sócios de empresas de comunicação’, mostra como é notável a representatividade da classe política na mídia, especificamente nas empresas de radiodifusão. Além das relações declaradas, a repórter lembra também que não é possível mensurar relações informais e indiretas como, por exemplo, por meio de parentes ou pessoas de confiança que ocupam o lugar sem revelarem a quem representam.

Os dados da reportagem, que traz também informações sobre os partidos que mais possuem filiados como proprietários de empresas e os estados recordistas em políticos sócios de mídias, relevam a necessidade da discussão ética que deve ser feita no Brasil. Bucci assinala dois pontos em seu livro que são bastante pertinentes ao tema. O primeiro deles se refere à função do jornalismo como ‘quarto poder’, ou ‘contra poder’. ‘Falar em jornalismo é falar em vigilância do poder’ (p. 18), afirma o pesquisador.

Sem escapatórias

Quando se pensa em jornalismo como vigilante do poder – ‘cão de guarda’ é a famosa expressão para definir este papel atribuído aos jornalistas – fica a pergunta sobre o caso dos políticos donos de empresas de radiodifusão: de que maneira podem estes veículos serem vigilantes de si mesmos?

Outra importante questão, que está diretamente ligada à pergunta acima, tem relação com a afirmação de Bucci: ‘Pretender que as redações possam ser ilhas de ética dentro de empresas que realizam operações escusas ou dentro de sociedades em que as instituições democráticas sejam precárias, é o mesmo que apostar em boa medicina dentro de um hospital que compra remédios falsificados’ (p.25). Como esperar, então, que os profissionais que trabalhem para empresas chefiadas por políticos mantenham o distanciamento necessário para realizar práticas éticas de jornalismo?

A realidade de muitas empresas brasileiras mostra como os veículos do país ainda necessitam evoluir muito em suas coberturas jornalísticas, principalmente quando se fala em jornalismo político. Embora os profissionais que trabalham nestas empresas possam argumentar que, mesmo trabalhando para políticos, conseguem manter sua independência editorial, há um terceiro debate colocado: não é preciso apenas ser ético, mas também parecer ético. ‘A independência do jornalista só é verdadeira quando é escancaradamente explícita’ (p.81), diz Bucci, e quando ela deixa de ser explícita, ‘surgem as aparências de que, não sendo explícita, ela talvez não seja tão autêntica’ (p.82).

Desta forma, no caso dos veículos em que donos ou sócios são políticos não há escapatórias para desculpar a falta de ética em virtude da falta de distanciamento e independência. Ou são condenados eticamente pela relação direta que possuem com a classe política, ou por não explicitarem que não existe influência por parte desta mesma classe.

Referências

BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

FIDALGO, Antonio. A distância como virtude. Considerações sobre ética da comunicação. Universidade de Beira Interior, 1997. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-distancia.pdf. Acessado em: 05/06/08

CONTAS ABERTAS. 271 políticos são sócios de empresas de comunicação. Disponível em: http://contasabertas.uol.com.br/noticias/detalhes_noticias.asp?auto=2252. Acessado em : 05/06/08.

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Estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina