Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornais simulam neutralidade no segundo turno

A primeira semana após a votação de 1º de outubro trouxe os jornais catarinenses levemente reticentes. Se pairava pelas redações a possibilidade de segundo turno tanto para a disputa presidencial quanto para a estadual, nem todos acreditavam que as coberturas iriam mais longe. O fato é que o eleitorado se dividiu bastante e os candidatos não atingiram 50% dos votos mais um para vencer num único turno as eleições. A primeira semana, portanto, foi um misto de ressaca eleitoral, cansaço e reorganização de forças para a segunda etapa. De forma geral, os jornais catarinenses tentaram projetar uma imagem de neutralidade em suas seções de opinião, mas isso caiu por terra quando o (e)leitor apurou o olhar. A imprensa catarinense não manifestou suas preferências, seja porque os candidatos sobreviventes não encarnam seus projetos, seja porque escolhê-los é expor-se demais e entrar em rota de colisão com a parcela do eleitorado que prefere os adversários. Desesperança ou receio impedem os jornais de Santa Catarina de serem mais transparentes com o seu público.

DC: nada a declarar

Tratando-se de opinião, o Diário Catarinense ficou devendo aos (e)leitores neste período. Não apresentou nem um artigo tratando de política, eleições ou voto. Os únicos espaços dedicados ao assunto foram os editoriais, que, sendo iguais em todos os jornais do Grupo RBS, pouco revelaram da opinião do periódico. Além disso, o Editorial do próprio DC não tratou de eleições na semana que se seguiu à votação do primeiro turno. O pequeno espaço, que manifesta as idéias do jornal na página três, não fez menção ao assunto.

As edições do DC não apresentaram matérias de denúncia política. O único caso foi a pequena nota ‘Milionários’ (06/10) que, com tom acusador, tratou dos 17 governantes eleitos no primeiro turno. Segundo o DC, eles têm, juntos, um patrimônio que soma cerca de R$ 78 milhões e sete deles podem ser considerados ‘milionários’. O jornal ainda menciona o maior patrimônio – o do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS): R$ 33,4 milhões.

Quanto ao segundo turno das eleições presidenciais, o DC destacou os candidatos, com matérias que apresentaram perfis e características dos futuros governantes. Com a matéria ‘Carisma é arma contra acusações’, o DC afirmou que Lula busca o segundo mandato em meio a denúncias de corrupção, mas, ainda conta com a simpatia do povo. A matéria destacou o ‘lado bom’ do presidente, mostrando uma trajetória heróica e sem se aprofundar quando o tema é escândalo. A reportagem valorizou os detalhes positivos do governo Lula, destacando os empregos gerados, os salários aumentados e os programas, como o bolsa-família.

Santa e a opinião unilateral

O Jornal de Santa Catarina, no período analisado, publicou inúmeros editoriais e artigos sobre as eleições. Tópicos habituais dos últimos tempos, como a importância do voto, corrupção e o uso da máquina pública foram constantemente abordados pelo periódico.

O jornal acertou ao publicar artigos que trataram da importância do voto, pois possibilitou a abertura de um notável precedente. A reflexão sobre o assunto é importante, uma vez que a democracia brasileira é bastante recente e principalmente pouco compreendida.

Entretanto, o Santa pecou ao publicar nos editoriais ‘Opinião RBS’ e ‘Opinião do Santa’ críticas sobre os escândalos de corrupção que assolaram o governo Lula citando inclusive o dossiê Vedoin. O problema não é citar os fatos, mas a abordagem deles, pois, dessa forma, ficou clara a posição do jornal contra a candidatura petista, o que vem de encontro ao principal discurso dos jornais que costuma basear-se na imparcialidade.

Jogada sutil de A Notícia

A Notícia, após o primeiro turno da eleição, dedicou mais espaço ao assunto em seu caderno especial ‘Eleições 2006’. O espaço, que antes contava com quatro páginas durante a semana, passou a ter oito páginas de assuntos políticos. Durante todos os dias analisados, o jornal destacou as alianças e acordos firmados pelos candidatos para o segundo turno.

Novamente descritivo e com matérias noticiosas, AN também acompanhou a apuração e a repercussão, tanto em escala estadual, como nacional, das eleições. Também todos os números relacionados com o pleito estiveram presentes nas páginas do AN. O jornal detalhou cada aspecto contábil, com porcentagem e mapas, tanto regionais, quanto nacionais.

A opinião do jornal, em várias edições, destacou a responsabilidade do ato de votar. Os editoriais, como ‘Passo Adiante’ (02/10), trataram das reais ‘reformas’ que os políticos, independente de quem governe, devem instituir no país. Outros, como ‘Baixa renovação no legislativo’ (04/10), analisaram os eleitos e o que representam para os (e)leitores.

O que também chamou a atenção foram os artigos publicados na página três, na seção ‘Opinião’. ‘Em quem votar para presidente’ (1º/10), por Antônio Ermírio, ‘Sexta-feira’ (02/10), por João Sayad, e ‘Opinião pública ainda existe’ (03/10), por Arnaldo Jabor, foram textos que discutiram a repercussão do primeiro turno, ao mesmo tempo que mostravam descontentamento com a situação atual do país.

A questão foi que estes artigos traziam uma crítica ao governo vigente, o de Lula. Não só na opinião, mas em pequenas notas direcionadas, como ‘Fracasso do PT em SC’ (03/10), marcaram uma sutil tendência contra o adversário de Geraldo Alckimin no segundo turno. Um fato sutil, mas, pelo espaço público em que estava inserido, pode ter um efeito subliminar nos (e)leitores.

Por outro lado, matérias de denúncia, como acusados da CPI das Sanguessugas e o Dossiê Vedoin, tiveram publicações discretas durante o período. Pequenas notas, como ‘PT pede cassação de Alckimin’ (1º/10) e ‘Liminar do STJ dá liberdade a Luiz Estevão’ (06/10), estavam dispostas fora de locais de destaque da página, com material de agência.

Consenso editorial

De forma geral, os editoriais dos periódicos catarinenses não apresentaram opiniões e idéias diretamente relacionadas aos candidatos à presidência que resistiram na primeira etapa e foram ao segundo turno. A Agência RBS e o jornal A Notícia se preocuparam em alertar os eleitores, como faziam há meses, para um voto consciente. A ‘Opinião RBS’, em ‘O país na ponta dos dedos’ (01/10), ‘Uma segunda chance’ (02/10) e ‘Voto ético’ (03/10), tiveram como objetivo lembrar a todos os (e)leitores que o futuro do Brasil está em suas mãos. O mesmo caso de ‘Dia de construir o futuro’ (01/10), do AN, que também tratou da responsabilidade do voto, com o habitual discurso do exercício da cidadania.

A seção opinativa, de todos os jornais, nada mais fez do que evidenciar os problemas sociais brasileiros. Sem tomar partidos, os periódicos preferiram firmar o papel de conselheiros e defensores da democracia. Demonstraram que zelam e têm esperanças por uma boa votação que auxilie a mudar o país.

Dia de posse em A Notícia

No domingo, 1º de outubro, o Grupo RBS declarou, oficialmente aos leitores de A Notícia, a assunção do jornal de Joinville. O editorial de capa ‘Compromisso com os leitores’ informava que a RBS assumia nesse dia as operações jornalísticas de A Notícia S/A Empresa Jornalística.

O texto de cunho institucional, através da relação da história dos dois grupos, garantiu aos leitores do AN o ‘mesmo jornalismo responsável, pluralista e democrático a que estavam habituados’. Uma declaração pública um tanto tardia, já que, na primeira nota oficial divulgada, a data da posse era prevista para o dia 21 de setembro.

Sem detalhes e com explicações genéricas do ‘compromisso com a informação’, o editorial não explicou o que acontecerá com quem já trabalha no periódico ou quaisquer outras eventuais mudanças, pela posse do novo grupo. Em resumo: o texto pontuou compromissos e ações, como nas promessas políticas apresentadas nas últimas edições.

Com A Notícia sob nova direção, resta agora aos leitores monitorarem a qualidade e o compromisso prometidos pela RBS, assim como os eleitores acompanharem os governantes eleitos neste pleito de 2006.

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