Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Folha de S. Paulo

GAZA
Pedro Dias Leite, Andrea Murta e Cíntia Cardoso

Jornais sobem tom de crítica a ação israelense

‘Em duas semanas de conflito, a operação militar israelense na faixa de Gaza assistiu a uma rápida queda de popularidade na imprensa internacional, especialmente depois do ataque, na terça-feira, a uma escola da ONU, onde morreram 43 pessoas.

Apesar de exceções como o ‘Times’, de Londres, cujo principal título para o assunto no dia seguinte foi apenas ‘Israel concorda em abrir corredor humanitário depois que escola da ONU é atingida’, o tom geral nos principais jornais do exterior é de que a reação israelense, embora baseada em interesses legítimos de segurança, é desproporcional.

O ‘Daily Telegraph’, também de direita, já tinha reconhecido essa desproporcionalidade, quando cerca de 400 palestinos haviam morrido, contra 4 israelenses. Ainda no Reino Unido, os jornais mais à esquerda, como o ‘Guardian’ e o ‘Independent’, foram críticos à ação desde o começo.

Nos EUA, o apoio ao direito israelense de reagir aos ataques do Hamas dividiu o espaço, em editoriais no ‘Washington Post’ e no ‘New York Times’, com a opinião de que as táticas usadas têm chances limitadas de sucesso a longo prazo.

Havia empatia com os israelenses, mas pouca simpatia com a ofensiva. Ficou clara ainda a impaciência com o poder do Hamas: ‘Não há justificativa para os ataques do Hamas e sua virulenta oposição [à existência de Israel]’ repetiu o ‘New York Times’ em dois editoriais.

Fogo amigo

No ‘Washington Post’, o foco foi o relato humanitário e nas vítimas. O Hamas foi chamado de ‘grupo islâmico’ (com pouca menção a terrorismo) e o lançamento de foguetes contra Israel costumava ficar na segunda metade da narrativa. A cobertura é dura: ‘Israel rejeitou apelos pelo cessar-fogo apesar de o número de mortos não parar de subir’.

Já os jornais franceses deram destaque à iniciativa do presidente Nicolas Sarkozy propondo a negociação para a paz. O ‘Libération’, crítico da gestão Sarkozy, afirmou em editorial: ‘É preciso saudar o dinamismo de nossa onipresença, que, certamente, contribuiu para avançar as negociações no Oriente Médio’. Para o ‘Libé’, a ofensiva israelense é ‘cruel’.

O ‘Le Figaro’, de centro-direita, culpou o Hamas pelo insucesso diplomático: ‘O Hamas é contra o plano franco-egípcio’.

Mais ponderado, o ‘Le Monde’ argumentou que não seria necessária uma ação militar tão brutal se houvesse sido dada ao grupo uma chance de diálogo.’

 

Andrea Murta

Pluralidade marca cobertura

‘São 2h nos EUA. A CNN reporta ao vivo de Israel. De Jerusalém, Christiane Amanpour, a principal correspondente da rede, fala sobre foguetes lançados do Líbano contra Israel. ‘Há muita solidariedade no Líbano ao sofrimento dos palestinos’, diz. As imagens preferidas -feitas por TVs árabes- são de palestinos feridos, crianças chorando e ambulâncias.

São 23h. Anderson Cooper, queridinho do canal, também está em Israel. Em Sderot, cidade que mais sofre com o lançamento de foguetes de Gaza, dá detalhes sobre essas armas. Um vídeo mostra israelenses fugindo para abrigos.

A CNN balança entre os dois lados do conflito -e é firme em ambos. O esforço não é pelo apartidarismo, mas pela pluralidade de vozes.’

 

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Para canal, Israel é ‘o lado certo’

‘‘A questão não é mostrar os dois lados, mas sim o lado certo’, diz na Fox News o comentarista Steve Emerson. A resposta do âncora noturno Sean Hannity deixa poucas dúvidas sobre o lado certo: ‘Quantos foguetes o Hamas precisa lançar contra Israel para que o mundo entenda quem é a vítima?’.

O programa de Hannity é abertamente opinativo, mas mesmo no noticiário o tom pró-Israel é mais carregado do que os momentos mais parciais das concorrentes MSNBC e CNN. Um exemplo veio na terça, quando ambas abraçaram o relato da ONU, negando a presença de militantes na escola onde 43 palestinos morreram. Já nos boletins da Fox News, nada de números ou perfis. ‘O ataque matou dezenas de palestinos, ‘inclusive’ civis’.’

 

Pedro Dias Leite

TV britânica prioriza política

‘Mais de dez dias depois do início da ofensiva militar israelense em Gaza e ainda bloqueada do lado de fora, a BBC se esforçava por manter o foco no conflito. Seus correspondentes se revezam na ‘fronteira Israel-Gaza’, relatando sempre ‘as colunas de fumaça’ e o ‘som dos bombardeios’.

As imagens mostram palestinas desesperadas, ambulâncias, feridos, mas pouco sangue. A BBC mira o noticiário na diplomacia e ataca o governo israelense. Jeremy Bowen, editor de Oriente Médio, lembra que a mídia está impedida por Israel de entrar em Gaza. Com o passar dos dias, o cansaço é visível: na quarta, Gaza dividia seu tempo com a saída do capitão e do técnico da seleção inglesa de críquete e com trens atrasados.’

 

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Rede explora imagens fortes

‘O corpo de uma criança, com o que parecem ser dois tiros no peito, toma a tela por alguns segundos, para o pai desesperado perguntar: ‘É assim que vocês ganham votos, matando crianças?’. Com quatro correspondentes fixos na faixa de Gaza desde antes da ofensiva militar israelense, a rede de TV árabe Al Jazeera tem mostrado ao mundo imagens que não chegam às telas das outras emissoras no Ocidente.

Ao contrário da versão em árabe da emissora, criticada por ser pró-Hamas, a versão em inglês se esforça pela imparcialidade: um âncora chegou a bater boca com um porta-voz do Hamas, que se esquivava da promessa de não lançar foguetes durante as três horas de cessar-fogo para a entrada de ajuda humanitária.’

 

TELEVISÃO
Carlos Calado

Maysa é a nossa versão de Amy Winehouse

‘Intensa, irreverente, contraditória, autodestrutiva, mas antes de tudo uma grande cantora. Assim era Maysa (1936-1977), nossa eterna diva da fossa e da dor de cotovelo, cuja história pessoal e, naturalmente, sua música, inspiraram a minissérie da Globo. Dirigida por Jayme Monjardim, filho da cantora, ‘Maysa -Quando Fala o Coração’ mostrou em seus primeiros capítulos um eficiente elenco, esmero na produção dos cenários e figurinos, além da bela fotografia de Affonso Beato, num padrão raro na TV brasileira.

A série revelou também a talentosa atriz gaúcha Larissa Maciel, que personifica a cantora de maneira bem convincente. Ainda que falte um pouco de intensidade em sua interpretação, justamente nas cenas em que dubla Maysa cantando, seus grandes e expressivos olhos verdes são capazes de hipnotizar o espectador.

Talvez a opção de Manoel Carlos, autor da série, por uma narrativa não-cronológica possa incomodar os espectadores acostumados ao formato mais convencional de grande parte das novelas e minisséries da emissora. Mas esse recurso permite equilibrar, por meio de flashbacks, as passagens mais pesadas e melodramáticas da história com outras mais descontraídas, incluindo os esperados números musicais.

Especialmente saborosa é a cena em que Maysa interpreta o samba-canção ‘Ouça’ (de sua autoria), um de seus maiores sucessos. Com o rosto em primeiro plano, enquadrado pela tela de um aparelho de TV, a cantora mandou um irônico recado para o ex-marido, o milionário André Matarazzo. E que outra cantora teria, como a impulsiva Maysa, a coragem de tirar o sapato e atirá-lo sobre espectadores desrespeitosos, que insistiam em falar alto durante uma de suas apresentações?

Cafajeste

Já as aparições do jornalista e compositor Ronaldo Bôscoli (bem interpretado pelo ator Mateus Solano) garantiram os momentos mais leves e divertidos. ‘Pela bossa nova, eu namoraria até o Trio Iraquitã’, dispara o autor da clássica ‘Lobo Bobo’, no melhor estilo cafajeste, antes de lançar seu charme sobre a cantora.

Ironicamente, outra cena exibida na última quarta nos remeteu a um fenômeno cultural bem característico dos dias de hoje: a indústria que se alimenta da vida pessoal dos artistas e celebridades. Flagrada por um paparazzo ao se despir para um banho de cachoeira com um grupo de amigos, Maysa viu sua intimidade exposta na capa de um tabloide bem semelhante aos atuais.

Quem sabe, se conhecesse o trágico final de Maysa, a cantora inglesa Amy Winehouse, que parece ser tão intensa e autodestrutiva quanto a diva brasileira da fossa, tivesse um insight sobre o que a próxima noite de excessos pode lhe reservar.

MAYSA – QUANDO FALA O CORAÇÃO

Quando: ter. e qui., às 23h05; sex., às 23h50, na Rede Globo

Classificação: não indicada a menores de 12 anos

Avaliação: bom’

 

Painel do Leitor

Lado hipócrita

‘‘Na novela ‘A Favorita’, a adúltera Dedina foi castigada com a morte. Estamos voltando no tempo?

Absolutamente, não.

Este sempre foi o tempo ‘moral’ de todas as novelas na TV: sugar ao máximo a sensualidade das personagens femininas e depois fazer um acerto de contas com o lado hipócrita da sociedade.’

WILSON GORDON PARKER (Nova Friburgo, RJ)’

 

CINEMA
Leonardo Cruz

Mais perto do Oscar

‘Ilustrada indica, sem medo de errar, os cinco favoritos à estatueta de melhor filme na cerimônia deste ano; prêmios paralelos já anunciados nos EUA permitem prever os finalistas

A saga de um homem que remoça a cada dia, um conto de fadas contemporâneo indiano, os bastidores de uma entrevista com um ex-presidente dos EUA, a cinebiografia de um político gay e a mais nova aventura de um homem-morcego. Esses são os temas dos longas que despontam como principais candidatos às cinco vagas de melhor filme do Oscar 2009.

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas anunciará seus indicados no dia 22, mas a temporada de prêmios paralelos nos EUA já ferve e permite apontar cinco favoritos para a categoria principal do Oscar: ‘O Curioso Caso de Benjamin Button’, ‘Slumdog Millionaire’, ‘Frost/Nixon’, ‘Milk – A Voz da Igualdade’ e ‘Batman -°O Cavaleiro das Trevas’.

O Globo de Ouro, peça importante dessa temporada paralela, será entregue em Los Angeles hoje, a partir das 23h, com exibição pelo canal pago TNT. É a cerimônia da Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood, que há 66 anos escolhe seus preferidos em 20 categorias de cinema e TV. Depois do Oscar, é o prêmio de maior prestígio na indústria do cinema dos EUA.

Dos cinco favoritos acima, três disputam o Globo de melhor filme dramático.

‘O Curioso Caso de Benjamin Button’ é a bela versão do cineasta David Fincher para um conto dos anos 1920 de F. Scott Fitzgerald. Essa fábula sobre o tempo tem Brad Pitt como o personagem do título, um homem de relógio biológico invertido, que nasce velho e vai rejuvenescendo. E Cate Blanchett como a mulher que acompanha as fases dessa regressão física e mental.

‘Slumdog Millionaire’ (milionário vira-lata) também mostra uma trajetória de vida incomum, mas por meio de um reality show. No filme, um adolescente indiano pobre tem a chance de ficar rico no ‘Show do Milhão’ local. Como que por encanto, todas as perguntas do programa estão ligadas à biografia do garoto -para contá-la, o diretor Danny Boyle (‘Trainspotting’) usa flashbacks e cenas do jogo televisivo.

Ao contrário desses dois, ‘Frost/Nixon’ não tem nada de fabular. O longa de Ron Howard (‘Uma Mente Brilhante’) reconta a famosa entrevista de 1977 do apresentador de TV David Frost com Richard Nixon -na primeira vez em que o ex-presidente dos EUA admitiu publicamente ter culpa pelo escândalo de Watergate.

Além do Globo de Ouro, ‘Button’, ‘Slumdog’ e ‘Frost/ Nixon’ já têm indicações nas categorias principais dos prêmios de quatro grandes sindicatos da indústria: dos atores (SAG), dos diretores (DGA), dos produtores (PGA) e dos roteiristas (WGA).

As festas dessas entidades, especialmente das três primeiras, são um termômetro muito mais preciso do que o Globo de Ouro para medir quem tem chances reais no Oscar de melhor filme, por uma razão simples: muitos de seus membros também votam na Academia, ao contrário dos quase 90 eleitores da associação de correspondentes estrangeiros.

Ou seja, dizer que o Globo de Ouro é a ‘prévia’ do Oscar, lugar-comum em mesas de bar, transmissões de TV e cadernos culturais, é uma tremenda bobagem; trata-se de grande vitrine para promoção e lobby dos longas que buscam a estatueta, mas as verdadeiras prévias estão com as entidades de classe.

Aritmética do sucesso

A análise histórica comprova o potencial profético, quiçá mediúnico, das premiações dos sindicatos. A melhor bola de cristal é da associação de diretores -desde 1990, 83% dos longas indicados no prêmio do DGA também ficaram entre os finalistas da Academia para melhor filme. E, por quatro anos seguidos, de 2002 a 2005, os cinco indicados do DGA se repetiram nas cinco vagas da principal categoria do Oscar.

O percentual continua alto na comparação entre o prêmio dos produtores e o Oscar: 76% de coincidência de indicados nos 19 anos de existência da cerimônia do PGA. No cruzamento com a festa dos atores, o número cai um pouco -respeitáveis 65% em 13 anos que o SAG oferece a um filme a honraria de melhor elenco.

Mas a matemática dos sonhos dos estúdios está na soma de êxitos nesses três sindicatos. Até hoje, só 34 filmes foram simultaneamente finalistas de DGA, PGA e SAG -31 deles, ou 91%, também foram indicados a melhor filme no Oscar.

E quem tem essa trinca de ouro neste ano? ‘O Curioso Caso de Benjamin Button’, ‘Slumdog Millionaire’, ‘Frost/Nixon’ e ‘Milk – A Voz da Igualdade’, favoritos absolutos, os números não mentem, a ficar com quatro das cinco vagas de melhor filme.

O quinto posto tende para ‘Batman’, indicado nos prêmios de diretores e produtores. Quem parece ter chance de derrubá-lo é ‘Dúvida’, drama sobre pedofilia numa paróquia americana, com Meryl Streep e Philip Seymour Hoffman -o longa já tomou o lugar do cavaleiro das trevas entre os finalistas do sindicato dos atores.

Ainda correndo por fora está ‘Wall-E’, um dos favoritos da crítica nos EUA, mas que tem contra si o fato de uma animação nunca ter sido indicada à categoria principal do Oscar.

91% dos filmes indicados aos prêmios dos sindicatos dos atores, dos diretores e dos produtores também foram apontados a melhor filme no Oscar. Até hoje, dos 34 longas com essa tripla indicação, só 3 foram esnobados pela categoria principal da Academia: ‘Dreamgirls’ (2006), ‘Quase Famosos’ (2000) e ‘Quero Ser John Malkovich’ (1999).’

 

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