Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Folha de S. Paulo


IMPRENSA E POLÍTICA
Ana Flor


Dilma ataca oposição ‘midiática’ e imprensa


‘A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) saiu em defesa ontem do presidente
Lula, atacando a imprensa e a oposição. Dilma afirmou que existe uma ‘oposição
quase midiática’ no país e acusou segmentos da imprensa de ‘partidarização’.


Na semana passada, o governo Lula foi alvo de críticas do ex-presidente
tucano Fernando Henrique Cardoso. O cantor Caetano Veloso foi também a público
dizer que Lula é ‘analfabeto e grosseiro’.


Ao falar a prefeitos e vice-prefeitos do PT ontem em São Paulo, Dilma disse
que as alianças que o PT está construindo devem ser ‘uma das explicações para o
crescente isolamento de setores políticos, basicamente a oposição, que se vê sem
projeto, sem discurso e cada vez mais sem base social’.


Dilma disse ainda que há a ‘substituição da oposição partidária pela oposição
quase midiática’. Ela voltou a classificar a oposição de ‘patética’, como fez no
dia anterior, além de chamá-la de ‘desconexa’ e vítima de um ‘excesso de
vaidade’.


Ao se referir ao PT, disse que ‘nós somos de fato os grandes democratas do
Brasil’.


Numa tentativa de municiar os prefeitos para defenderem o projeto petista na
campanha do próximo ano, Dilma falou que o governo tem derrubado ‘dogmas’ da
oposição. Como exemplo, falou da crença de que ‘o povo é politicamente atrasado
[e] precisa de formadores de opinião o orientando’ -uma resposta às críticas de
Caetano.


Dilma foi recebida por centenas de prefeitos e vice-prefeitos do PT em
Guarulhos. Além de gritos de ‘Urgente, Dilma presidente’ da plateia, os
palestrantes brincavam, ao começar suas falas, dizendo ‘bom Dilma’ -ao invés de
‘bom dia’.


A ministra subiu o tom dos ataques menos de uma semana depois de FHC
criticar, em artigos para jornais, o ‘lulismo’ que comandaria o grupo hoje no
poder no país.


Em seu discurso, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, chamou o ex-presidente
de ‘Fracassando Henrique Cardoso’.


Há poucas semanas, também em São Paulo, Lula criticou a imprensa, afirmando
que o povo pensa por si e ‘não precisa de intermediários’. A fala de Dilma,
muito aplaudida pela plateia petista, foi na mesma linha. Segundo ela, é
‘arrogância atribuir nossa popularidade como uma miopia’ do povo.


Ao falar das eleições presidenciais do próximo ano, Dilma disse que estarão
em jogo ‘dois brasis’: ‘O Brasil de 2002, que vocês lembram bem, e o Brasil de
2009-2010’, disse ela, fortalecendo a ideia que o PT tenta imprimir na disputa,
de que as eleições serão um plebiscito entre o projeto do atual governo e do
anterior, do PSDB, que comandou o país de 1995 a 2002.


Ao comparar as gestões, ela afirmou que o diferencial desse governo é a
‘competência’. ‘A eles pode ter faltado sorte, mas faltou competência.’


Dilma estava acompanhada dos ministros Alexandre Padilha (Relações
Institucionais), Luiz Barreto (Turismo), por senadores, deputados e outras
lideranças do partido. Depois do ato da manhã, ela participou de um almoço com
prefeitas, vice-prefeitas e mulheres do PT.’


 


INTERNET
Folha de S. Paulo


ANJ defende proteção a texto jornalístico reproduzido em sites


‘A Folha, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) e ‘O Globo’ aderiram ontem a
um documento internacional conhecido por ‘Declaração de Hamburgo’ e que defende
o respeito às leis de propriedade intelectual para textos jornalísticos
reproduzidos na internet.


A Declaração foi lançada em junho deste ano, após encontro do Conselho
Europeu de Publishers e da Associação Mundial de Jornais e ainda coleta
assinaturas e apoio de grupos de mídia em todo o mundo.


O apoio à declaração aconteceu em Buenos Aires, na Argentina, sede da 65ª
Assembleia da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), que começou na última
sexta e segue até a próxima terça, com cerca de 500 jornalistas e editores de
vários países inscritos.


O editor alemão Florian Nehm, representante do Conselho Europeu de Publishers
(EPC), apresentou ontem a ‘Declaração de Hamburgo’ para a diretoria da SIP e
falou do ‘alarme’ de empresas jornalísticas europeias diante do ‘perigo real’
que a ausência de legislação sobre propriedade intelectual na internet
representa para a ‘sobrevivência do jornalismo independente’.


‘As legislações da maioria dos países ainda não se adaptaram a necessidade de
proteger a propriedade intelectual na internet. Isso não significa querer fechar
a internet, mas é preciso distinguir acesso livre de conteúdo gratuito’,
declarou Nehm.


Segundo o jornalista, ‘obviamente todos os editores de jornais e revistas são
favoráveis a que todos tenham acesso a internet’. Mas, ‘oferecer gratuitamente o
conteúdo, significa doar algo que necessariamente precisa ser refinanciado’.


A ‘consequência imediata’ da ausência de ganhos pela distribuição do conteúdo
jornalístico na internet, segundo Nehm, é que ‘não podendo pagar os jornalistas,
as empresas terão de reduzir pessoal, o que é um perigo para a liberdade e a
independência da imprensa, já que as redações se tornam vulneráveis a usar
conteúdos produzidos por empresas e governos, sem a chance de checá-los crítica
e autonomamente’.


Para o representante do EPC, ‘a independência econômica é condição prévia
para o jornalismo independente’.


Com esse argumento, ele expressou à diretoria da SIP a ‘necessidade de uma
distribuição justa e equitativa dos ganhos gerados pela distribuição de conteúdo
de empresas jornalísticas por agregadores de notícias, como o Google News’. Ele
argumentou ainda que ‘simultaneamente, esses ganhos tem desaparecido da
publicidade nos jornais impressos, enquanto a publicidade dos agregadores só é
possível graças ao conteúdo desses jornais’.


‘A Folha notificou o Google para que não fizesse uso no Google News, o
indexador de notícias. Na prática, a gente já faz isso isoladamente e agora
vamos participar desse movimento coletivo’, afirmou Judith Brito, presidente da
ANJ e diretora-superintendente da Empresa Folha da Manhã S.A., que edita a
Folha.


Segundo Ricardo Trotti, diretor da SIP e organizador da assembleia, a
entidade ainda não tem ‘uma visão oficial’ a respeito dos direitos intelectuais
na internet e não prevê divulgar documento sobre o tema neste atual encontro em
Buenos Aires.’


 


CUBA
Folha de S. Paulo


Blogueira Yoani Sánchez diz ter sofrido agressão da polícia


‘A blogueira cubana Yoani Sánchez, 34, disse ter sido detida por cerca de 20
minutos e agredida por policiais em Cuba na última sexta-feira, quando se
dirigia a uma manifestação pela não violência no país. Ela afirmou que caminhava
por Havana com outros blogueiros quando eles foram abordados por agentes do
Estado cubano.


Ao resistirem à ordem para acompanharem os policiais, ela e os blogueiros
foram colocados à força em carros descaracterizados e espancados, afirma
Sánchez. O episódio foi confirmado por outros blogueiros.


O procedimento policial é similar ao aplicado a dissidentes políticos na
ilha.


Em nota, a Human Rights Watch condenou a agressão. ‘As autoridades cubanas
usam a força para tentar silenciar a única arma de Sánchez: suas ideias’, disse
José Vivanco, diretor da ONG.


No blog desdecuba.com/generaciony, em que critica a falta de liberdade no
país, Sánchez relata o episódio. Ganhadora do prêmio espanhol de jornalismo
digital Ortega y Gasset, ela é autora do livro ‘De Cuba, com Carinho’ (publicado
no Brasil pela ed. Contexto).’


 


JORNAL
Folha de S. Paulo


Folha lança amanhã a página semanal de educação Saber


‘A partir de amanhã, a Folha passa a publicar às segundas-feiras uma página
com reportagens que tratam de assuntos ligados à educação e à expansão do
conhecimento em diferentes fases da vida e faixas etárias. Com o nome Saber, ela
fará parte do caderno Cotidiano.


Do ensino infantil ao doutorado, do relacionamento entre crianças na escola
às habilidades necessárias para conseguir um bom emprego, todos os assuntos que
envolvam o saber deverão ser temas abordados na página.


Novas práticas pedagógicas e novidades no ensino dentro e fora da sala de
aula também poderão ser abordados nas reportagens. Mesmo quem já saiu da escola,
mas quer se especializar em algum assunto, encontrará temas de seu interesse na
nova página.


Haverá ainda uma seção que trará, a cada semana, dicas práticas para tornar o
aprendizado mais fácil e prazeroso, seja com melhorias no ambiente de estudo ou
com mudança nos hábitos do dia a dia.


Algumas edições ainda trarão um espaço para que os leitores tenham as suas
dúvidas sobre educação e conhecimento respondidas por um especialista
convidado.


Os leitores poderão mandar as suas perguntas para o e-mail da nova página,
que é saberfolha@uol.com.br. Na mensagem devem constar os seguintes dados: nome
completo, idade, cidade e profissão.


A página Saber também vai divulgar a abertura de cursos, principalmente
gratuitos, além de debates, seminários e outros eventos que possam interessar ao
leitor que tem sede por conhecimento.’


 


TELEVISÃO
Sílvia Corrêa


‘Cinquentinha’ junta comédia com milícias e tráfico no Rio


‘A governanta Janaína, 56 anos, deixa o emprego às pressas ao receber a
notícia de que um de seus netos foi morto no morro dos Prazeres. Quando chega à
favela, ela descobre que os criminosos estão ameaçando toda a família e se vê
obrigada a abandonar a comunidade.


O imprevisto faz com que Naná, como é conhecida, deixe sozinha a filha do
patrão, Vanessa, 15. Apaixonada por Olhão, 21, a jovem aproveita que o pai está
viajando e transforma a casa da família, em Santa Teresa, no quartel-general do
promissor negócio de drogas do namorado.


É pelas histórias de Naná (Zezé Motta) e Vanessa (Tatyanne Goulart) que a
violência no Rio volta ao horário nobre, a partir do dia 8, na minissérie da
Globo ‘Cinquentinha’, uma comédia de costumes centrada na disputa de quatro
mulheres pelos bens do ex-marido.


‘Não é possível fazer uma trama carioca e contemporânea ignorando as drogas.
Os palacetes de Santa Teresa estão fechados ou invadidos’, diz o autor,
Aguinaldo Silva.


Na esteira das drogas aparecerá um dos muitos conflitos de geração da
história. Vanessa é neta de Rejane Batista (Betty Lago), uma das ex-mulheres do
milionário morto. Ex-hippie, mística e egressa da geração ‘flower power’, a avó
se vê vítima da própria rebeldia, encarnada pela incontrolável neta.


‘Rejane vê a neta num barato ao qual ela ideologicamente nem se opõe, mas
que, hoje, traz inúmeros riscos’, diz Silva.


O autor escreveu uma cena na qual faria uma aparição, durante uma festa, como
em ‘Tieta’ e ‘Vale Tudo’. Mas a produção atrasou, e ele embarca hoje para
Portugal, sem gravar.


TELEJORNAL GIRATÓRIO


A redação-cenário chega a mais um telejornal. A partir do dia 13, o formato
será adotado no RedeTV! News, apresentado por Augusto Xavier e Rita Lisauskas.
Na abertura do programa, a bancada ocupada pelos dois será elevada a cerca de um
metro do chão e passará a girar 360º, completando uma volta a cada dez minutos.
‘Eles vão tomar Dramin’, brinca o presidente da emissora e autor do projeto,
Amilcare Dallevo. Ao fundo aparecerão a redação e dois estúdios nos quais haverá
gravações durante o jornal.


APRENDIZ NO EXTERIOR


Será gravado fora do Brasil o reality show que Roberto Justus comandará no
SBT no primeiro semestre do ano que vem. O formato é importado e o vencedor terá
a chance de trabalhar com o publicitário, como já acontecia em ‘O Aprendiz’. O
‘Um contra Cem’ fica no ar até o final de fevereiro.


PAZ IMPERFEITA


A Globo News exibe hoje, às 19h30, uma entrevista com o presidente de Israel,
Shimon Peres, que chega terça ao Brasil. ‘Fizemos uma paz imperfeita com o Egito
e a Jordânia, mas, assim, não damos aos árabes a chance de criar uma guerra
perfeita’, diz Peres.


NOVO AMOR


São Betty Faria, Carla Marins e Mônica Carvalho as protagonistas de ‘Uma Rosa
com Amor’ (SBT), adaptação de Tiago Santiago para trama de Vicente Sesso sobre
secretária pobre e romântica que se casa com o patrão. A personagem foi de
Marília Pera nos anos 70.


REMAKES


A onda dos remakes é o tema da palestra que Mauro Alencar, doutor em
teledramaturgia, levará ao 7º Congresso Mundial da Indústria da Telenovela e
Ficção, em Bogotá, a partir do dia 18. Alencar diz que as tramas acabam
influenciadas pelos novos tempos, dando ênfase a outros aspectos da
história.’


 


Rodrigo Russo


Todo mundo em pânico


‘Na guerra pela audiência dos domingos à noite, o diretor do ‘Pânico na TV’,
Alan Rapp, tem uma estratégia clara: perder no começo para ganhar no fim. ‘A
missão é fincar nossa bandeirinha no primeiro lugar, mesmo que a tirem depois’,
conta.


A tática vem surtindo efeito. Nas últimas sete semanas, o humorístico
conquistou por alguns minutos (24, no máximo) a liderança do horário em que é
exibido (aproximadamente, das 21h às 23h30 do domingo).


O ‘Pânico’ é também responsável pelas duas maiores audiências da RedeTV! -aos
domingos, com média de 11 pontos desde agosto, e nas reprises, às sextas, com
oito pontos (um ponto equivale a 1% do total aproximado de domicílios com TV na
Grande SP).


Essa tarefa, contudo, não é fácil. Além de competir pelo Ibope com o
‘Fantástico’, na Globo, o ‘Programa do Gugu’, na Record, e o ‘Programa Silvio
Santos’, no SBT, o ‘Pânico’ tem que alavancar a audiência de sua própria
emissora. O esportivo ‘Bola na Rede’, que o antecede na grade, terminou no
último domingo com três pontos no Ibope. Em menos de cinco minutos de ‘Pânico’,
a audiência já havia dobrado.


Ainda assim, o ‘Fantástico’ segue com média acima de 20 pontos em 2009,
confortável na liderança do Ibope. O ‘Pânico’ vem disputando o segundo lugar com
a Record e, aos poucos, cria vantagem sobre o SBT.


Mudanças


Sob a direção de Rapp desde maio de 2008, o programa passou por algumas
alterações. Novos quadros foram adicionados, como ‘Amaury Dumbo’ (interpretado
por Carioca) e ‘Dicas com Marcos Chiesa’ (similar ao ‘Jackass’). Outra mudança
está na forma de conduzir o programa.


Rapp agora concentra merchandising e intervalos no horário inicial, ficando
mais solto, quase sem comerciais, a partir das 22h. A metáfora que o diretor
escolhe para a explicação é a do cavalo de corrida: ‘Nosso cavalinho sempre
disputa o minuto a minuto. Para ir bem, precisa de cada vez mais matérias, é o
alimento dele’.


E o que come esse cavalo? ‘Nosso arroz com feijão são as matérias da dupla
Vesgo (Rodrigo Scarpa) e Silvio (Wellington Muniz), da Sabrina Sato e do
Christian Pior (Evandro Santo). A partir daí, vamos acrescentando mais coisas ao
prato’, revela Rapp.


Para Emílio Surita, apresentador do ‘Pânico’, a atração hoje é quase um
‘Fantástico’ de humor. ‘Nós acabamos cobrindo política, esportes, eventos’,
conta. Outro ponto que Surita considera favorável é o jeito espontâneo: ‘As
pessoas olham e dizem: ‘Eu poderia fazer isso’.’.


Mônica Pimentel, superintendente artística da Rede TV!, considera que o
programa -desde 1993 na rádio Jovem Pan FM, com estreia na TV em setembro de
2003- começou a se consolidar em 2004 com as ‘Sandálias da Humildade’, em que
Vesgo e Silvio perseguiam celebridades que os esnobavam, como Jô Soares e Luana
Piovani.


A diretora nacional de mídia da agência de publicidade F/ Nazca, Lica Bueno,
considera que a estratégia do ‘Pânico’ para alcançar o primeiro lugar pode ser
incômoda para os anunciantes. ‘O anunciante compra um ‘break’ com base na
audiência média do programa, mas tem sua campanha veiculada nos momentos em que
o ibope é mais baixo’. Bueno ressalta que anunciantes internacionais não gostam
desse método.


Mestre e aprendiz


Como nos filmes de ação, o domingo à noite vive uma disputa entre um mestre e
um aprendiz que tenta superá-lo. Rapp trabalhou com Homero Salles, atual diretor
de Gugu na Record, no ‘Domingo Legal’, do SBT, na década de 90.


‘Aprendi muito com o Homero na análise da audiência em tempo real. Quando era
assistente dele no SBT, estendíamos os números musicais conforme o ibope subia’,
diz Rapp.


Homero Salles, em seu Twitter, zomba das seguidas referências a cavalos
feitas por Rapp: ‘Quando o Alan trabalhava comigo, eu o chamava de cavalo. Acho
que traumatizou…’, escreveu.


Desrespeito ‘moleque’


Para Tania Montoro, professora da UnB, o ‘Pânico na TV’ não representa bem a
imagem feminina. Montoro diz que ‘o humor sempre serviu à naturalização de
estereótipos de classe, de sexo e de gênero, e não há nada mais antigo do que
juntar -para naturalizar- sexo, política e entretenimento’.


Eugênio Bucci, professor de jornalismo da USP, discorda: ‘O desrespeito
‘moleque’ do ‘Pânico’ é um traço comum aos humorísticos. Não dá para pensar em
um formato como esse que seja edificante, pois zomba de tudo e de todos’.


Bucci acredita que o diferencial da atual fase do ‘Pânico’ é a esculhambação
geral, a desmistificação do mundo das celebridades, sem que esse seja o objetivo
do programa. ‘Ao fazerem uso do escracho, do jeito zombeteiro e sem cerimônias,
mostram a baixaria, o ridículo que há nos outros.’


O professor da USP destaca: ‘O ‘Pânico’, com uma renovação estética e a
antecipação de tendências, está se credenciando para virar ‘mainstream’ -que
observa o entorno para incorporá-lo depois’. Contratados da Rede TV! até 2012,
resta saber se o programa passará -e sobreviverá com graça- por esse
processo.’


 


***


Diretor analisa Ibope em tempo real e compartilha mensagens pela
internet


‘São 17h do domingo, dia 1º de novembro. Alan Rapp, diretor do ‘Pânico na
TV’, chega à nova sede da Rede TV!. ‘Estou preocupado. Acho que hoje vai ser um
dia difícil para nós’, diz à reportagem da Folha, que acompanhou a rotina de
trabalho do dia em que o programa vai ao ar.


Os motivos para tanto? A polêmica detenção de Zina, o ex-guardador de carros
responsável pelo bordão ‘Ronaldo, brilha muito no Corinthians’, durante a semana
por porte de drogas é um deles. Os outros são o bom tempo, com poucas nuvens em
São Paulo, e o feriado de Finados no dia seguinte.


Daniel Peixoto, que trabalha na produção do programa e interpreta o
personagem Alfinete, tem opinião parecida: ‘Se nossa semana tivesse sido
difícil, estaria boa demais’.


Começa a atração. Rapp, que ri pouco, está sempre de olho no monitor com
medição em tempo real do Ibope. Além disso, posta frequentes comentários sobre a
audiência em seu Twitter, via celular. ‘Estamos em segundo, com 4 pontos atrás
da Globo, pocotó, pocotó…’, escreveu em uma das mensagens.


Pouco antes das 21h40, Rapp chama o último dos três intervalos que têm que
fazer. ‘Estou fazendo uma aposta. Eu poderia passar o Gugu agora, mas o que
quero mesmo é chegar ao primeiro lugar’, confessa.


O plano dá certo. Depois de alcançar a liderança, durante matéria especial
sobre Zina, perto das 23h, ele se solta: ‘Põe aquele recado para o Gugu’, pede a
um dos integrantes da equipe. Logo aparece na TV a mensagem: ‘Um salve para o
Gugu e o Homero da Xurupita!’, em referência aos rivais da Record, que chegam a
ter metade da audiência do ‘Pânico’ por alguns momentos.


Pouco depois, toca o seu telefone. É alguém da produção do ‘Programa do
Gugu’, em referência à provocação que fez. ‘Somos todos amigos, a gente se
conhece. Tem espaço para essa brincadeira, que é sadia’, diz Rapp, o último a
deixar a sala, com a sensação de mais uma missão cumprida.’


 


Laura Mattos


Supergêmeos, ativar!


‘Peraí! Esse bonitão que faz os gêmeos da novela das oito da Globo tem mesmo
um irmão idêntico na vida real? Às vezes, até parece que sim.


Jorge e Miguel, interpretados por Mateus Solano, 28, em ‘Viver a Vida’, vivem
aparecendo nas mesmas cenas. Eles se abraçam, dão as mãos, e um já deu até uma
chave de braço no outro, com o rosto dos dois mostrados pelas câmeras.


Os novos programas de computador são capazes de tantos truques que não se
fazem mais gêmeos de novela como antigamente. Foi um ‘evento nacional’ o único
momento em que Quinzinho e João Victor, os famosos gêmeos de Tony Ramos, 61, em
‘Baila Comigo’ (Globo, 1981), se encontraram (a cena pode ser vista no
Youtube).


Manoel Carlos, 77, um dos fundadores da TV brasileira e autor de ‘Baila
Comigo’ e ‘Viver a Vida’, se impressiona: ‘Hoje nada mais é impossível, a
criação está totalmente livre. Escrevo as cenas dos gêmeos e nem preciso ligar
para o Jayme [Monjardim, diretor de ‘Viver a Vida’] para ver se dá para gravar.
Em ‘Baila Comigo’ era tão complicado mostrar os dois juntos que eles só puderam
se encontrar no final’.


O autor diz não economizar em cenas com os irmãos em ‘Viver a Vida’. ‘Mas
também não abuso, porque há um custo e muitas horas de trabalho nas gravações e
para a equipe de computação gráfica.’


O diretor Alexandre Avancini, que já fez novelas com gêmeos na Globo e na
Record, conta que um dos equipamentos modernos para as cenas em que os irmãos
idênticos aparecem lado a lado e em movimento chama-se ‘motion control’.


‘É uma câmera que custa uns 600 mil, e o aluguel no Brasil varia de R$ 40 mil
a R$ 50 mil por dia. É programada pelo computador e anda em um trilho para fazer
o mesmo movimento ao gravar separadamente cada personagem. Assim, as imagens têm
o mesmo tempo e podem ser ‘coladas’.’ A colagem, feita digitalmente, chama-se
‘wipe’.


Nas novelas mais antigas, o jeito era abusar das cenas em que um dos gêmeos
aparecia de frente e o outro, um dublê com corpo e cabelo parecidos com o do
ator, ficava de costas -o que hoje também é usado, mas com menor frequência.


O processo era complicado para as raras cenas em que o rosto dos dois
personagens aparecia. ‘A gente gravava primeiro um personagem de um lado do
cenário, depois o outro, do outro lado, cortava as fitas com gilete e colava as
metades’, conta Nilton Travesso, 75, veterano diretor.


Com esse processo antigo, ele diz ter mostrado, pela primeira vez, uma pessoa
‘duplicada’ na TV brasileira. ‘Foi em 1964, no programa ‘Dia D’, da Record, em
que eu trabalhava também com o Manoel Carlos.


‘Resolvemos colocar a Hebe para cantar com ela mesma. Fizemos uma primeira
gravação e colocamos o vídeo para ela ver e ir complementando os trechos da
música, posicionada do outro lado do cenário. Ela não conseguia entender direito
o que queríamos fazer.’


Travesso lembra a ‘complicação’ de uma novela também de 1964, da Record, em
que Eva Wilma, 75, fazia trigêmeas (‘Prisioneiro de um Sonho’). ‘Se as três
‘contracenavam’, precisávamos gravar umas cinco vezes. Para colar as imagens, a
atriz não podia se movimentar muito para não invadir o campo da outra
personagem. Seus gestos tinham de ser sutis e sempre para frente.’


A atriz tem ainda na carreira as célebres gêmeas Ruth e Raquel, da primeira
versão de ‘Mulheres de Areia’ (Tupi, 1973/74), refeita na Globo, em 1993, com
Glória Pires, 46.


Se, para diretores e equipe técnica, gêmeos dão trabalho, para o ator a vida
também não é fácil. ‘É muito texto para decorar, muita troca de roupa e tem que
mudar de personalidade em segundos. Às vezes dou uns pulos antes de entrar em
cena’, conta Mateus Solano.’


 


***


‘O dublê é meu verdadeiro irmão’, diz ator


‘Mateus Solano, que conquistou o autor Manoel Carlos, o diretor Jayme
Monjardim e o público ao interpretar Ronaldo Bôscoli na minissérie ‘Maysa’, fala
abaixo sobre seu trabalho como os gêmeos Jorge e Miguel, de ‘Viver a Vida’.


FOLHA – Quanto trabalho dá interpretar gêmeos em uma novela?


MATEUS SOLANO – Antes de começar a gravar, por um mês fiz uma preparação para
achar as energias de cada um dos personagens. Depois, o trabalho é na hora de
gravar e assistir para ver os acertos e erros. E a gravação não tem moleza.
Quando eu contraceno comigo mesmo, faço um, troco de roupa, faço o outro, às
vezes tem que trocar de roupa de novo para refazer em outro plano. É bem
complicado e exige que não tenha dúvida quanto aos personagens.


FOLHA – Tem uma chave para trocar de um para outro em segundos?


SOLANO – É uma chave mesmo, entre aspas. Mas muita coisa ajuda. A história de
cada um, os textos, que são completamente diferentes. O Jorge fala com mais
formalidade, o Miguel faz sempre uma brincadeira, e a diferença de figurino é
importantíssima. Mudo a roupa, olho no espelho e digo: ‘Vâmo lá’.


FOLHA – Que cena foi mais difícil?


SOLANO – A da luta, em que o Jorge dá uma chave de braço no Miguel. Para ter
noção do ritmo dos movimentos de cada um, costumo colocar um ponto eletrônico no
ouvido com uma contagem. Se um está perseguindo o outro, corro contando e gravo
essa contagem. Troco de roupa, ponho o ponto eletrônico para fugir no ritmo
certo.


FOLHA – É estressante?


SOLANO – É esquizofrênico (risos). A sorte é que me preparei. É importante
também o trabalho do meu dublê, o Gabriel Delfino, que é um ator. Sempre que os
gêmeos contracenam, eu gravo com ele. É importante que seja um ator para dar o
clima da cena. E ele tem que fazer os dois também, tem me ajudado muito. Costumo
dizer que ele é meu verdadeiro irmão.’


 


Bia Abramo


Crimes e pecados


‘FOI A PRIMEIRA do que provavelmente será uma série. Está aberta a temporada
de mulheres agredidas em ‘Viver a Vida’ (Globo, de seg. a sáb., às 21h; 12
anos). Dizem que o autor, Manuel Carlos, entende da alma feminina. Pode até ser,
desde que se considere apenas aquela parte da alma feminina capaz de provocar
ódio, em homens e mulheres.


Em suas novelas, as personagens femininas acabam por revelar uma face odiosa.
Em vez de uma vilã ardilosa, diferentes aspectos da vilania e da maldade são
divididos entre as várias mulheres -e, por isso, a qualquer momento, qualquer
uma corre o risco de apanhar.


Desta vez, ele não poupou nem a protagonista. A bofetada estala na cara de
Luciana. Luciana é uma jovem rica, mimada e aspirante a modelo. A agressora é
Helena, modelo de sucesso e casada com o pai da agredida. Luciana tem inveja e
ciúme de Helena.


Numa discussão banal, Luciana acusa Helena de ter feito um aborto para não
atrapalhar a carreira. Helena se defende como pode, mas Luciana prossegue em tom
indignado e acaba por classificar o aborto como um ‘crimezinho’… Até que
Helena perde a paciência e senta a mão na cara de Luciana.


Ora, Luciana é tudo o que há de detestável: competitiva, arrogante, mimada,
injusta. Helena, seu espelho invertido: doce, batalhadora, equilibrada, veio de
baixo. Mas, na cena, por mais que Luciana esteja mostrando suas garras, o
espectador é levado a desconfiar e a condenar Helena: ela fez um aborto e não
contou isso ao marido. Com um agravante: foi ela quem bateu primeiro.


Um crime, de acordo com a lei brasileira, com o conservadorismo religioso e,
provavelmente, com as convicções de vários espectadores.


Mas, neste caso, é ainda pior, pois não passa de um ‘crimezinho’, uma vez
que, movido por razões comezinhas, como a ambição de subir na vida. E não para
por aí: essa briga, de certa forma, será responsável pelo acidente que deixará a
bela Luciana tetraplégica.


Então, temos duas mulheres, uma coberta de razão por estar do lado da moral e
dos sentimentos de muitos dos espectadores, mesmo que sua razão venha
acompanhada de antipatia; outra tão terrivelmente culpada que sua doçura e
retidão vão parecer, daqui por diante, hipócritas.


Provavelmente, ao longo da novela, ambas irão purgar os seus pecados, não sem
antes sofrer de maneira atroz. E de levar umas boas, por que merecidas,
lambadas.’


 


CINEMA
Folha de S. Paulo


Anselmo Duarte, cineasta e ator, morre aos 89


‘Único brasileiro a ganhar a Palma de Ouro em Cannes como diretor, o ator e
cineasta Anselmo Duarte morreu na madrugada de ontem em decorrência de um
acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico. Ele tinha 89 anos.


Duarte estava internado desde o último dia 27 na UTI do centro cirúrgico
neurológico do hospital. O cineasta sofria de mal de Alzheimer e morava há cinco
anos com o filho Ricardo em São Paulo.


‘Nesses últimos anos ele recebeu inúmeras homenagens. Recebi gente de todo o
Brasil filmando documentários sobre ele’, disse Ricardo à Folha.


O corpo de Duarte seria velado durante a tarde e a noite de ontem no saguão
principal da Assembleia Legislativa de São Paulo. Será sepultado às 11h30 de
hoje no cemitério municipal de Salto (interior de SP), cidade onde nasceu em
abril de 1920.


Carreira


Após fazer algumas pontas em cinema, Duarte estreou como ator em ‘Querida
Suzana’, filme de 1946 que contava com Nicete Bruno e Tônia Carrero.


A atuação lhe rendeu um contrato com a Atlântida, para a qual protagonizou
longas como ‘Terras do Sem-Fim’ e ‘Não me Digas Adeus’.


Concorrente da Atlântida, a produtora Vera Cruz contratou Duarte em 1952 para
estrelar ‘Tico-Tico no Fubá’.


Já um ator reconhecido, Duarte passou, em meados dos anos 1950, a dedicar-se
ao sonho de dirigir um filme. Em 1956, dirigiu e produziu um pequeno
documentário, ‘Arara Vermelha’. Sua estreia em longas aconteceu no ano seguinte,
com ‘Absolutamente Certo’.


Estudou no Instituto de Altos Estudos Cinematográficos, em Paris, em 1958, e
participou de produções estrangeiras, como a portuguesa ‘As Pupilas do Senhor
Reitor’ e a espanhola ‘Un Rayo de Luz’.


Palma de Ouro


Sua consagração como diretor veio em 1962. Naquele ano, ganhou a Palma de
Ouro do Festival de Cannes pelo filme ‘O Pagador de Promessas’. Competiu com
cineastas como Antonioni e Buñuel. Até hoje, nenhum outro diretor brasileiro
repetiu tal feito.


Com uma trajetória à parte do cinema novo, nos anos 1960 dirigiu o elogiado
‘Vereda da Salvação’ (1964), e longas como ‘Quelé do Pajeú’ (1969).


Nos anos 1970, seu trabalho tornou-se menos representativo. Em 1971, foi
membro do júri do Festival de Cannes. O último trabalho como diretor foi ‘Os
Trombadinhas’, em 1979, cujo protagonista era Pelé.


Homenagens


Nas décadas de 1980, e de 1990, viu seus trabalhos sendo pesquisados e
analisados por diretores mais jovens. Foi tema de dezenas de documentários –
entre eles ‘Cinema Pagador’, que ganhou o prêmio de melhor curta-metragem no
Festival de Gramado em 2003.


O governo federal lançou em 1982 um selo comemorativo aos 20 anos da Palma de
Ouro de ‘O Pagador de Promessas’. Dois anos depois, Duarte apresentou programa
da TV Cultura que resgatava as produções da Vera Cruz. Em 1986, atuou pela
última vez, em ‘Brasa Adormecida’, de Djalma Limongi Batista.


Depois de receber o prêmio Oscarito, em 1992, e de lançar ‘Adeus Cinema’, sua
autobiografia -com ataques ao cinema novo, em 1993-, voltou para Salto em
1995.


Em 1997, foi convidado especial e homenageado junto com os diretores
premiados vivos no 50º aniversário do Festival de Cannes.’


 


MURO DE BERLIM
Grit Eggerichs


A cidade luz


‘Berlim Ocidental tinha cheiro de ‘frutas exóticas’, lembra a jornalista
Jutta Voigt, que nasceu em 1941 na então capital da Alemanha e vivenciou os dois
lados da cidade antes de o muro começar a ser erguido, 20 anos depois.


Ganhadora, em 2000, do prêmio Theodor-Wolff, um dos mais respeitados da
Alemanha em sua área, Voigt lembra que ficou feliz com a construção do muro.
Para ela, então, os ocidentais se aproveitavam da fronteira aberta para se valer
do câmbio mais forte e comprar tudo mais barato do lado oriental -’iam até ao
cabeleireiro’.


Voigt trabalhava como repórter e crítica de cinema no ‘Sonntag’, jornal
semanal editado pelo Kulturbund, associação cultural da Alemanha Oriental
[RDA].


Depois da unificação, foi redatora do ‘Freitag’, do ‘Wochenpost’ e colunista
do diário ‘Die Zeit’. Acaba de lançar ‘Im Osten Geht die Sonne auf – Berichte
aus Anderen Zeiten’ (O Sol Nasce no Leste -Relatos de Outros Tempos, Be.Bra
Verlag, 224 págs., °16,90, R$°44), com artigos e reportagens sobre a Alemanha
dividida.


Na entrevista abaixo, ela também fala da diferença entre os jornalismos que
se praticavam dos dois lados do muro.


FOLHA – Antes de 13 de agosto de 1961, a fronteira entre as Alemanhas era
permeável. Como a sra. viveu essa experiência?


JUTTA VOIGT – De minha casa, descendo uma rua, eu já estava em Berlim
Ocidental. Achava muito chique ir ao cinema e aos clubes de jazz de lá. Os
funcionários da área de cultura na RDA não gostavam de jazz, por isso não era
tocado no leste.


O oeste cheirava diferente, a frutas exóticas -laranjas, por exemplo, que não
tínhamos.


Nas excursões para lá, não podíamos comprar muito, porque cinco marcos do
leste só valiam um marco do oeste.


O que comprava lá, quando era garota, eram caramelos em máquinas, por dois
centavos. Mas as ‘seduções’ do capitalismo não me punham em perigo, pois minha
família acreditava no socialismo -e eu também.


FOLHA – Em 1961 a sra. tinha 20 anos e estudava filosofia. Sentiu-se infeliz
quando o muro começou a ser construído?


VOIGT – Pelo contrário! Como muitos intelectuais e artistas, vibrei com a
construção do muro. Hoje quase ninguém admite que fez isso naquele tempo.


Mas é verdade! Pensava que o muro afastaria os berlinenses ocidentais que
vinham aqui, para trocar um marco ocidental por cinco orientais. Compravam tudo
mais barato e iam até ao cabeleireiro daqui.


A propaganda [do regime alemão oriental] nos falava de enroladores e agiotas
que entravam aqui para tirar proveito da fronteira aberta. Eu e meus colegas
achávamos que somente sem essas interferências seria possível montar um
socialismo de verdade. E achávamos que, cinco anos após a construção, ele seria
dispensável.


FOLHA – O que mudou nas cabeças dos alemães orientais quando ficaram isolados
do oeste?


VOIGT – Eles criaram um oeste na imaginação, um mundo de coisas maravilhosas
que não tinham preço. Ainda que assistissem à TV alemã ocidental, não queriam
perceber. Só tinham olhos para o paraíso de uma imaginação infantil.


FOLHA – O que aconteceu com o paraíso quando o muro caiu?


VOIGT – No início era euforia pura. O que aconteceu em 9 de novembro de 1989
já foi descrito como ‘loucura!’. A longo prazo, o paraíso estava perdido, mas os
orientais, ingênuos, ficaram zangados por isso.


Mas até hoje os orientais estão corrigindo e redesenhando a imagem do oeste.
Tiveram que aprender que as coisas maravilhosas tinham preços. E muitos não
conseguiam pagar.


FOLHA – Hoje o paraíso se deslocou do oeste para o leste e da imaginação para
o passado? A RDA, vista hoje, tem algo de paradisíaco?


VOIGT – Quando foi a pique, a RDA ainda não era totalmente podre, de modo que
hoje podemos enfeitá-la, na memória. Mas os ocidentais também têm nostalgia, e
pensam que tudo era melhor antes da unificação.


Mas não é da RDA real que os orientais têm saudade. As pessoas sabem que esse
tipo de socialismo era do gênero diletante. Mas, hoje, quem não tem trabalho,
quem não sabe como ganhar a vida, tem saudade da segurança social da RDA.


FOLHA – A sra. era crítica de cinema na RDA…


VOIGT – Sim, mas no fundo sou jornalista. Trabalhava no ‘Sonntag’ [Domingo],
um jornal não partidário, editado por uma associação de cultura e bastante
liberal.


Porém não deveríamos descrever a realidade como ela era, mas, sim, como
deveria ser. E isso, para uma repórter, é impossível. Então me refugiava na
crítica de cinema.


FOLHA – Após a queda do muro, o ‘Sonntag’ virou ‘Freitag’ [Sexta-Feira], em
que predominavam notícias do dia a dia e análises da sociedade. Essa combinação
era típica do jornalismo da Alemanha Oriental?


VOIGT – Sim, cultivávamos isso na RDA. Era necessário descrever as coisas sem
os funcionários da censura perceberem que se tratava de uma crítica ao sistema.
Por isso desenvolvemos uma forma suave de crítica, um jornalismo literário.


FOLHA – Na redação do ‘Freitag’ colaboravam ocidentais e orientais. Quais
eram as diferenças entre eles?


VOIGT – Para fundar o ‘Freitag’, o ‘Sonntag’ fundiu-se com um jornal
ocidental de esquerda. Mas os redatores de lá eram ideólogos-chefes! Tinham mais
ideologia do que capacidade de redação. Tínhamos que ensiná-los a escrever. Era
uma situação excepcional, pois em geral eram os ocidentais que ensinavam os
orientais.


FOLHA – Quais eram as maiores diferenças entre jornalistas de um lado e de
outro do muro?


VOIGT – No leste, os editores eram funcionários do partido, sem formação ou
talento jornalístico. Eu admirava os editores do oeste por nunca terem dúvidas
sobre a própria capacidade.


Eram rápidos e eficientes -e digo isso num sentido positivo.’


 


OBITUÁRIO
Manuela Carneiro da Cunha


Grande homem, grande pensador


‘Há pelo menos 20 anos me pedem para deixar escrito e preparado um obituário
de Claude Lévi-Strauss e há 20 anos tenho recusado.


Hoje [quarta-feira, 4/11] li o obituário dele publicado no ‘New York Times’ e
fiquei indignada com sua lista de inanidades: quase todas as leituras
equivocadas de sua obra estão lá, quase todas as distorções do seu pensamento e
do seu estilo também, quase todos os preconceitos de quem não se deu ao prazer
de o ler.


Achei que pelo menos no Brasil, se não nos EUA, tínhamos o dever de assinalar
a grandeza desse homem.


Lévi-Strauss não foi só um antropólogo -o maior dos antropólogos, como bem
disse Steve Hugh Jones, professor na Universidade de Cambridge, no ano passado-,
ele foi um pensador originalíssimo e um escritor admirável.


Um homem sintonizado com a ciência e a arte, cujos interesses iam da
matemática à cosmologia, às ciências da vida, à filosofia, à música.


Descrito como cerebral por quem não vê mais longe do que o próprio nariz, ao
contrário Lévi-Strauss tinha uma sensibilidade rara para o mundo material.


As descrições que faz em ‘Tristes Trópicos’ [Cia. das Letras], a minúcia com
que conhece bichos, plantas e constelações e os faz figurar nas suas análises de
mitologia, sua recuperação da lógica do sensível no livro ‘O Pensamento
Selvagem’ [Papirus], tudo isso atesta, para quem o sabe ler, a convergência rara
da inteligência e da sensibilidade.


Respeito imediato


Lévi-Strauss, contrariamente ao que estupidamente se publicou no ‘New York
Times’, era tudo menos pedante.


Tinha um pensamento límpido, sintético, e plena consciência das implicações
do que estava afirmando.


Tinha também o dom extraordinário de falar exatamente como escrevia. Era como
se sua prosa elegante fosse o fruto espontâneo de seu pensamento. Impunha um
respeito imediato.


Por mais que ele sempre tivesse sido amigável comigo, por mais que me tivesse
apoiado, escrito e encorajado, nunca deixei de ficar intimidada na sua
presença.


Ainda no ‘New York Times’, se faz referência à famosa frase que abre ‘Tristes
Trópicos’ -’Odeio viagens e exploradores’- para apoiar as críticas absurdas de
que Lévi-Strauss não tinha apreço pela etnografia e pelo trabalho de campo.


Difícil ter maior apreço do que ele, que, contrariamente a Edmund Leach, que
o difundiu na Inglaterra (sem jamais o ter bem compreendido), nunca autorizou a
análise de mitos sem o conhecimento profundo da etnografia e do ambiente.


Era, sem dúvida, e confessadamente, um cientista que gostava de seu gabinete
-gabinete [em Paris] que aliás conservou e frequentou quase até o fim e que,
após a mudança de endereço do Laboratório de Antropologia Social para a antiga
Escola Politécnica, tinha-se tornado um ninho de águia dominando o
Laboratório.


Mas as viagens que fez no Brasil dos anos 1930 foram excepcionais não somente
pela sua dificuldade e extensão mas também pelas análises que geraram.
Recolocando a frase de ‘Tristes Trópicos’ em seu contexto, e vendo o uso que ele
faz dos cronistas do Brasil do século 16, entende-se do que ele está falando.
Basta ler.


A voga do estruturalismo nos anos 1960 foi um desserviço para
Lévi-Strauss.


Se por um lado o tornou mundialmente famoso, também o assimilou de modo
espúrio a outros autores como Althusser e Lacan- com quem não tinha, na
realidade, afinidade intelectual.


De Lacan, seu amigo pessoal, ele dizia que nunca o tinha entendido. E não há
nada mais diferente de Lévi-Strauss do que Althusser. E, sobretudo, exatamente
porque foi moda, foi substituída por outras modas que lhe sucederam.


Ambientalismo


Talvez por isso, Lévi-Strauss dizia que tinha vivido demais, que tinha
presenciado seu próprio esquecimento. Mas viveu afinal o bastante para perceber
que seu pensamento estava sendo redescoberto, dessa vez por filósofos ainda mais
do que por antropólogos.


Reparem que escrever, no auge de sua glória, os quatro volumes das (grandes)
‘Mitológicas’ [Cosac Naify] foi uma empresa espantosa.


Ele já tinha dado o programa e os alicerces da obra em artigos e um livro.
Mas resolveu empreender sozinho e com meios artesanais a análise detalhada de
centenas de mitos das Américas, reconstituir -usando a própria prodigiosa
intuição- as lógicas que presidem esse conjunto e usar declaradamente seu
próprio pensamento como revelador do pensamento ameríndio e do pensamento mítico
em geral.


Um grande homem.


Um homem também à frente de seu tempo, precursor do ambientalismo e da defesa
dos direitos dos animais.


Defesa dos animais


Lévi-Strauss não proclamou só a unidade dos mecanismos do pensamento na
espécie humana, ele também denunciou a crueldade absurda de um mundo ordenado
para servir a humanidade e destruído a seu bel-prazer.


Dito claramente: Lévi-Strauss foi um grande homem e um grande pensador, e as
futuras gerações terão ainda o prazer de o descobrir.


MANUELA CARNEIRO DA CUNHA é antropóloga, professora aposentada da
Universidade de Chicago (EUA) e autora de ‘Cultura com Aspas’ (ed. Cosac Naify),
entre outros livros.’


 


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