Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornalismo, otimismo e ingenuidade

Estou chegando aos 30 anos como jornalista. Nem sei como cheguei até aqui. Às vezes acho que me faltam algumas das qualidades fundamentais para um bom profissional do setor. O profissional da imprensa tem que ser cético. Ter a dúvida como princípio. Compreender a declaração da fonte como possibilidade, e não como fato. Deve manter uma postura de “desconfiança saudável”, investigando outras versões e diferentes interpretações antes de transformar indícios em “verdades”. E é justamente nesse campo, o do ceticismo, que deveria ser um terreno bem sólido para o fazer profissional, é que às vezes sinto como se estivesse pisando em área movediça.

Antes de continuar, um adendo: eu pratico tudo o que está descrito no primeiro parágrafo. Nunca fiz grandes melecas conceituais nem éticas nos meus textos. Tanto que os únicos processos que enfrentei foram por ações coletivas do sindicato da categoria durante uma greve, no período em que dei minha contribuição sindical.

Mas, voltando à crise existencial, devo dizer que tenho um sério problema: mesmo estando perto de me tornar um sexagenário, sou um incorrigível otimista, tanto que o sentimento por vezes beira a ingenuidade.

Esclareço o leitor que deve estar questionando: “Mas otimista e ingênuo de que forma? Em quê?” O problema é o seguinte: Acredito na existência do empresário (a) que não sonega, mesmo enfrentando administrações com apetite voraz para cobrar impostos e hábitos dietéticos na hora de devolvê-los em serviços. Creio piamente na existência de policiais que tratam as pessoas com respeito em suas rondas nas ruas. Acredito na existência de casais em que nem o marido ou a esposa pularam a cerca, mesmo que o casamento venha do milênio passado.

Acredito que tem milionário que faz generosas doações

E devo garantir que estou falando sério. Não se trata de um recurso redacional em que tudo é desmentido depois, com uma piadinha no final do texto. Continuando, devo dizer que acredito na existência do jogador de futebol que se esforça em campo pelo amor à camisa. Também na existência do pastor(a) que está sinceramente interessado em salvar a alma de quem o procura e não apenas resgatar o que está no bolso e na conta deste. Creio ainda na existência de jovens que se casam virgens.

Creio no servidor público que trabalha com gosto e na existência do médico(a) do SUS que atende bem o usuário. Creio existirem profissionais de televisão mais preocupados com a qualidade do que com a audiência. Acredito na existência do aluno que vai à escola interessado em aprender (o conteúdo da aula). Acredito na existência de brasileiros (as) que não se pautam pela Lei de Gerson (levar vantagem em tudo) e que, por exemplo, devolvem o troco recebido a mais. Creio haver motoristas que não atendem o celular quando estão no trânsito e que não fecham os cruzamentos. Acredito que tem milionário brasileiro que faz generosas doações.

Só estive em hospital psiquiátrico a serviço

Finalmente, para encerrar esta lista de credos, devo confessar que acredito até na existência do político honesto. Aquele interessado realmente em fazer algo pelo bem da população e não em mamar nas generosas tetas governamentais ou abastecer seu partido com dinheiro de caixa 2 ou “não contabilizado”.

Pode isso, Arnaldo? Jornalista que tanto confia?

Algumas pessoas podem alegar que isso é resquício do longo tempo em que atuei como assessor de imprensa. Sabe como é, por dever profissional, o assessor costuma confiar em (quase) tudo o que o assessorado diz. Tem colega que vai até defender que o tempo em que atuei em assessorias deve ser descontado destes 30 anos de profissão, pois, para muitos na categoria, o assessor não deve ser considerado como jornalista.

E aí? Freud explica? Devo acrescentar que só estive em hospital psiquiátrico a serviço ou como acompanhante.

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[Sergio Luiz Fernandes é jornalista, Cuiabá]