Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Gastos com as rádios de Aécio’

Estava no site da Folha, no último dia 14: “Governo de Minas não divulga gastos com rádios de Aécio”. Estou tão “vacinado” contra títulos que têm duplo sentido ou que invertem o sentido pretendido pelo redator, que logo pensei que esse poderia ser mais um dos tantos casos análogos.

Tradução: a “vacina” e o fato de eu não saber que Aécio e família possuem emissoras de rádio me levaram logo a pensar que a mensagem poderia ser outra, traduzida por este título: “Governo de Minas não divulga gastos de Aécio com rádios”. Passei para a leitura do texto e… E a possibilidade de interpretação que eu levantara não se confirmou. O título era perfeito, já que o texto tratava mesmo dos gastos de Minas para veicular publicidade oficial nas emissoras de rádio de Aécio e família.

Esse caso parece confirmar o que já afirmei muitas vezes sobre a redação vacilante que se vê com frequência nos títulos jornalísticos. No papel, existe sempre a velha máxima, segundo a qual “Título bom é título que cabe”, mas nos sites qual é a desculpa?

Na versão impressa, o título tinha um “truque” que impedia qualquer “suspeita” de redação equivocada. Veja: “Governo de Minas não divulga seus gastos com rádios de Aécio”. Como se vê, o “truque” está no possessivo “seu”, que, embora muitas vezes seja causador de ambiguidades insolúveis, resolveu o problema. Havia espaço na versão on-line para esse “seu”? De sobra, caro leitor.

Relembro uma frase que vi numa faixa exposta numa cidade paulista (“Participe da campanha contra os ratos da prefeitura”). A faixa era assinada pela própria prefeitura. Ato falho? Sabe Deus! O fato é que a mensagem pretendida impunha outra ordem: “Participe da campanha da prefeitura contra os ratos”. Ligue esse exemplo ao primeiro e veja se faz sentido a tal da “vacina” que mencionei.

Mensagens distintas

Agora veja um título publicado no último dia 8 por um conhecido site de notícias: “Gatas mostram que são boas de rebolado em quadra de samba”. A que se refere a expressão “em quadra de samba”? As tais “gatas” mostraram, numa quadra de samba, que são boas de rebolado? Ou mostraram que, numa quadra de samba, são boas de rebolado? Percebeu?

A ordem dos termos e das orações nem sempre é livre. Compare os quatro casos a seguir: “Durante o almoço ele disse que não gosta de conversar”; “Ele disse, durante o almoço, que não gosta de conversar”; “Ele disse que, durante o almoço, não gosta de conversar”; “Ele disse que não gosta de conversar durante o almoço”.

Comparou? Notou que as palavras são exatamente as mesmas e que só se muda a posição de algumas delas? Agora eu pergunto: as quatro frases têm o mesmo sentido? Não. Alguma das quatro tem mais de um sentido? Sim. A primeira e a última têm um sentido dominante, mas não se pode garantir que não há um segundo sentido subjacente. Na primeira predomina o sentido de que ele disse o que disse durante o almoço; na última, predomina o sentido de que ele não gosta de conversar enquanto almoça (mas não é absurdo afirmar que a primeira tem um pouco do sentido da última e vice-versa).

E as outras? São inequivocamente claras e transmitem mensagens diferentes. Releia-as, por favor. Na segunda, informa-se quando ele disse o que disse; na terceira, informa-se quando ele não gosta de conversar.

Sugiro-lhe que se divirta com a tentativa de “pegar” os duplos sentidos de títulos jornalísticos que há aqui e ali. É um belo exercício. É isso.

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Pasquale Cipro Neto é colunista da Folha de S.Paulo