Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As rosas não falam

As águas de março fechavam o verão e a promessa de vida no coração pertencia à Ciata, Ambrósia, Ricardina, Secundina, Marilena, Gertrudes, Marlene… As águas de março fecham o verão e a promessa de vida no coração pertence à Suellen, Jennifer, Katty, Stefanny… Primeiro me dei conta que em março se comemora o Dia Internacional da Mulher, é o mês do final do verão. Visito a memória e encontro com Alana, menina de treze anos, vítima da bala perdida entre polícia e ladrão no Morro dos Macacos em março de 2007. Um mundo novo, repetição dos lugares universais e generalizantes.

Será que Alana conseguiu se descobrir mocinha, Edna Ezequiel, mulher negra de vinte e nove ou trinta e um anos, mãe da menina chegou a fazê-la usar novas peças de roupa assim como a mãe do conto de Lispector? Agora Alana sem vento, privada do paladar da paixão, e mais adiante, quem sabe, da dança dos corpos. ‘O amor é `rápido´, a vida é `líquida´, rápida e fluída.’

Cinco milhões de crianças morrem por ano na África, setenta e quatro mil crianças morrem no Brasil antes do quinto aniversário. A matéria nos jornais sobre a morte da menina na época não anunciou presença de pai. Edna Ezequiel possuía outras quatro crianças que perderam o convívio com a irmã. Faz dois anos que o tempo nada mais diz a Alana.

Fato não serve como notícia

O assunto em pauta nos noticiários é quase um incidente diplomático, a história de um menino desamparado, possuidor de pai biológico, afetivo, social, pai gringo, latino, brasileiro, filho do maior e do meio, pai pauta do Fantástico, com direito a passeata no estrangeiro, manifestação popular na zona sul do Rio de Janeiro. Um caso presente nos debates nas rádios populares, nos programas da tarde com opinião dos intelectuais, cientistas sociais e psicólogos, todos preocupados com o bem-estar da criança que não é de menor.

Dia vinte e pouco as águas de março fecham o verão, viva o Dia Internacional da Mulher, nenhuma informação de rodapé dada sobre o aniversário de morte de Alana, o fato não serve como notícia. Edna Ezequiel fecha mais um verão, dois anos sem a filha, sua dor é íntima, anônima e sem alardes, sua única certeza é que as rosas não falam.

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Professora, Rio de Janeiro, RJ