Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Jornalismo desinformativo

Na segunda e terça-feiras (28 e 29/9), o Jornal Nacional se esforçou bastante para demonizar o presidente do Irã. Eu não sei exatamente por que tanta intolerância jornalística, mas penso que isto já está comprometendo a credibilidade dos subordinados do diretor Ali Kamel.

Os testes militares feitos pelo Irã e os discursos de Mahmoud Ahmadinejad contra o Holocausto foram considerados inadmissíveis. Penso que os jornalistas da Globo precisam urgentemente consultar um dicionário e estudar um pouco de Direito Internacional. Inadmissível é aquilo que não pode ou não deve ser admitido (Novo Dicionário Básico da Língua Portuguesa Folha/Aurélio, 1994/95).

Gostemos ou não, o Irã é um Estado soberano. Dentre suas prerrogativas – que são amplamente admitidas pelos costumes e leis internacionais – está a de manter forças militares para defender seu território em caso de ataque estrangeiro. Todo Estado tem o direito de modernizar suas Forças Armadas e de realizar as manobras e testes que considerar necessários.

Desde o início do governo Bush, o Irã tem sido constantemente ameaçado pela Casa Branca. Não bastasse isto, os EUA têm um longo histórico de intervenções dolorosas e desastradas naquele país (os americanos ajudaram a derrubar Mossadegh, estimularam o Iraque a atacar o Irã após a Revolução Islâmica e, há bem pouco tempo, derrubaram um avião de passageiros lotado de civis iranianos).

A militarização política de Israel

A retórica agressiva de Bush foi mantida por Obama. Portanto, é admissível concluir que o Irã tem razões para se sentir ameaçado. E um Estado ameaçado faz o que é necessário para se prevenir e, eventualmente, se defender. Tem o direito de fazê-lo. Portanto, ao contrário do que disseram os âncoras do Jornal Nacional, a conduta do Irã é perfeitamente compreensível.

Muito embora os jornalistas da Globo não gostem, a ONU, que criou o Estado de Israel, está obrigada a garantir o direito de liberdade de consciência e de expressão a Mahmoud Ahmadinejad. As bobagens que o presidente do Irã tem falado sobre o Holocausto são rigorosamente admissíveis. Gostemos ou não, o senhor Mahmoud Ahmadinejad não pode ser obrigado a acreditar naquilo que nós acreditamos ou gostaríamos que ele acreditasse.

E, por falar em Holocausto, não são poucos os judeus que criticam a obsessão quase demoníaca que este episódio tem adquirido. Norman G. Finkelstein escreveu um livro para criticar a exploração comercial do Holocausto pela elite judaica americana (ver aqui). E até os pacifistas israelenses criticam a utilização do Holocausto como um verdadeiro escudo para disfarçar a militarização da política em Israel e a prática de crimes de guerra contra palestinos dentro e fora dos territórios ocupados.

Política externa é com o Itamaraty

Mesmo que Mahmoud Ahmadinejad tenha feito ameaças a Israel isto não deveria ser motivo de susto. Todos sabem que isto é pura bazófia. Ahmadinejad não assusta nem mesmo os israelenses, que estão bem seguros de seu poder de retaliação nuclear (ao contrário do Irã, Israel tem centenas de bombas nucleares).

Tudo que disse aqui é truísmo. Eu sou apenas um amador e me curvo à expertise dos profissionais da Globo. Mas não entendo o por que desta implicância persistente com Mahmoud Ahmadinejad. Fica parecendo que a Rede Globo pretende interferir na política externa brasileira.

Se for este o caso, nunca é demais lembrar que nosso país tem Constituição e instituições. A política externa do Brasil é da competência do Itamaraty. Assim, os jornalistas da Globo deveriam deixar os diplomatas brasileiros fazerem seu trabalho. Isto eles têm feito melhor do que o Departamento de Jornalismo da Globo tem feito jornalismo.

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Advogado, Osasco, SP