Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O recado dos nossos nomes

Aqui escreve Deonísio. Quem edita este texto é Luiz, que trabalha no Observatório com o Alberto.

O escritor começa a semana com esses dois. Luiz ou Luís é nome de origem germânica. Já nasceu soando como apelido, vindo do latim Ludovicus, que latinizou o alemão Ludwig, juntando dois étimos; hlod, glória, e wig, guerra. Alberto veio do latim Albertus, adaptando o alemão Albrecht e o francês Albert. Já é resumo do germânico adal (nobre) e berht (brilhante).

Alberto não era nome no português até o século 15. Foi entrando devagarinho e popularizou-se a partir de 1840 com o casamento da rainha Vitória, inglesa, com o príncipe alemão Albert de Saxe-Coburgo-Gota. Foi ela quem o pediu em casamento, já que sendo rainha ninguém estava autorizado a aproximar-se dela com tal propósito. Mas, no palácio, era conhecida como Drina, corruptela de Alexadrina, seu outro nome.

Se perguntarem ao Google, o ‘pitoniso’ da internet, ele informará, numa fração de segundo, que há 173.000 registros de Deonísio. A maioria desses informes, cujo cabeçalho aparece na citação, diz respeito a este que lhes escreve, graças à providência de seu pai que, contrariando o titular do Cartório de Registros de Siderópolis, Manfredo Fontanella, esclareceu que era Deonísio, sim, e não Dionísio.

Se digitarem ‘Dionísio’ no Google, aparecerão 6.650.000 referências ao rapaz. Meu pai cuidou de um detalhe providencial no nome do filho, pois sendo ‘da Silva’ o sobrenome, excluída a ascendência italiana da mãe, o menino ia ficar quase sem identificação se se chamasse Dionísio.

José e Maria já eram

Cecílio, meu pai; Leobertina, minha mãe. Manfredo, o do cartório. Agenor, o padre que me batizou. A parteira, que atendia em casa, chamava-se Balbina. Cecília, a primeira catequista, de lindos olhos verdes, xará de meu pai. Como a santa de mesmo nome, também cantava bem e tocava harmônio. Edite, a primeira professora, de profundos olhos azuis que, concursada, veio trabalhar em Jacinto Machado, onde se apaixonou por Quintino, com quem casou e com quem vive até hoje. Priscila, a segunda; Alzira, a terceira; Alda, a quarta.

Herval foi o primeiro reitor, no pré-seminário. Germano, Antônio, Bertilo, César e Ângelo eram professores de tudo, mas Germano e Antônio sabiam latim, grego e português mais do que todos.

Os nomes designavam pessoas que o menino jamais esqueceria. José, Wilson, Solange, Jaime, Tomás e outros 238 meninos estavam ali porque os pais de muitos deles, como os meus, tinham tido vocação para sermos padres.

Nós ainda não podíamos fazer escolha de tamanha gravidade, que requeria, de cara, o celibato. José passou a ser chamado Patrício, seu sobrenome, pois eram muitos Josés. Solange tinha dez anos, a idade média de quem entrava para o pré-seminário. À sorrelfa, à noite, o menino dormindo, o padre abre o pijama para certificar-se de que Solange não era menina. Mas não fez o mesmo com Darcy: o menino, ao contrário de Solange, já tinha se diferenciado. Mas por que não apalpou também Semenrique, em quem cresciam uns peitinhos, coisa que acontece na vida de alguns adolescentes, para pavor deles, mas que depois vão embora?

A Folha de S.Paulo de segunda-feira (11/1) trouxe matéria muito pertinente sobre o tema do nome. E uma novidade: Júlia e Gabriel são os nomes de bebês mais comuns no Brasil. Portanto, José e Maria já eram! Ao lado de João, aparecem, porém, em nomes compostos.

Fazemos poucas escolhas

Eis os dez nomes mais comuns de meninas: Júlia (ou Giulia), Sofia (ou Sophia), Maria Eduarda, Giovanna (ou Giovana); Isabela (ou Isabella); Beatriz; Manuela (ou Manoela ou Manuella), Yasmin (ou Iasmin), Maria Clara, Ana Clara.

Os dez mais dos meninos: Gabriel, Arthur (ou Artur), Matheus (ou Mateus), Davi (ou David), Lucas; Guilherme, Pedro, Miguel, Enzo, Gustavo.

Tayná, Jennifer, Derek, Eric, Olivia e Jessica estão entre os cem mais. Roberta, Michele, Claudia e Aline, antes muito frequentes, saíram da preferência. Wilson foi embora, mas ficou o William. Jaime, José e Patrício deram adeus, substituídos por Henry, Yuri e Igor. Benício permanece.

Há um recado no nome. João Guimarães Rosa escreveu um conto intitulado O Recado do Morro, no qual os personagens e os lugares que percorrem têm nomes que remetem a significados precisos, coerentes com o que é narrado. Entre outros, Ana Maria Machado, da ABL, em Recado do Nome: Leitura de Guimarães Rosa à luz de seus personagens, e Daniela Severo de Souza Scheifler, da UFRGS, em Recado Astrológico: o baile de João Guimarães Rosa, realizaram belas leituras do tema e de suas criativas vinculações.

Há também um destino para cada um deles, mas é assunto para outro artigo, dadas as sutis, longas e controversas complexidades e perplexidades que envolvem a tese. De todo modo, cada um tem um nome que não escolheu. Foi a primeira coisa que nos foi imposta, entre muitas outras.

Todos são iguais perante a lei, rezam as democracias, sempre utópicas. Perante a lei, sim. Perante a vida, não! Nós fazemos poucas escolhas. Se você escolheu ler este artigo, releve o pouco que ele disse, pois há muitas coisas sob um nome. Segundo o Google, milhões! Mas o Google também diz pouco, muito pouco! E sabemos que ‘a vida é breve’, como disse justamente Hipócrates, o primeiro médico!

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P.S. Para quem quiser mais, clique aqui e aqui.

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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é coordenador de Letras e de teleaulas de Língua Portuguesa; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e A Língua Nossa de Cada Dia (ambos da Editora Novo Século)