Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A batalha da comunicação, na guerra contra o coronavírus

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

A polêmica entre bolsonaristas e anti-bolsonaristas está se deslocando para o campo da informação e da comunicação, conforme evidenciaram os debates da semana passada (7 a 11 de junho) na CPI da Covid e as primeiras páginas de jornais do eixo Rio-São Paulo. Isto coloca o jornalismo no centro de um debate, em que há um lado promissor, porque a gestão da informação assumiu uma relevância inédita na história da comunicação social, e um lado obscuro, que é o da politização e manipulação do fluxo de notícias, investigações e opiniões.

A Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a pandemia colocou na agenda de debates a inexistência de uma campanha de informação pública do governo Bolsonaro para orientar a população sobre como lidar com a pandemia de coronavírus. Até agora o debate se limitava a acusações de desvio de recursos e explicações canhestras do governo, deixando em segundo plano a preocupação com a efetividade de ações daquilo que os anglo-saxões chamam de advocacy (promoção de causas).

Coube ao médico sanitarista Claudio Maierovitch e à microbiologista Natalia Pasternak, no depoimento de ambos, dado dia 11 na CPI, a iniciativa de colocar num outro patamar a discussão sobre o papel da informação no combate a uma pandemia. A doutora Pasternak é uma das raras pesquisadoras da relação entre ciência e comunicação, um campo que até agora era quase uma exclusividade do marketing e que, na era digital, passou a ter uma importância central no debate público sobre questões complexas como uma pandemia.

Maierovitch destacou que nenhuma campanha de saúde pública pode ter sucesso em seus objetivos sem que a estratégia global da iniciativa inclua uma campanha de comunicação para esclarecimento e orientação do público-alvo.

O professor norte-americano Edward Maibach, da Universidade George Mason (Virginia, EUA), antecipou já em 1994, em seu livro Designing Health Messages (Produzindo Mensagens sobre Saúde), que a comunicação é um componente estrutural em qualquer campanha que tenha como objetivo introduzir novos comportamentos, regras e valores no enfrentamento de um problema coletivo de saúde pública.

O Ministério da Saúde e a Secretaria de Comunicação se limitaram a transpor de forma mecânica as técnicas do marketing eleitoral para o terreno da saúde pública, porque o objetivo do governo sempre foi o de minimizar a pandemia para que ações preventivas como o confinamento, lockdown e distanciamento não afetassem a economia. A grande preocupação era fazer com que as mensagens criassem uma imagem positiva do governo em vez de buscar o envolvimento das pessoas na prevenção da doença.

Como ficou claro nos debates na CPI e nas mensagens de bolsonaristas em redes sociais, as referências à ausência de comunicação pública no combate à pandemia procuraram desviar o debate para um confronto ideológico e eleitoral, acusando a oposição de tentar criar o medo na população. A estratégia governamental deliberadamente incidiu naquilo que os especialistas como Maibach afirmam ser o maior erro de uma campanha de persuasão, ao gerar no público-alvo a percepção de que ele está sendo obrigado a assumir hábitos novos a contragosto.

O desafio da cura coletiva

É o caso do uso de máscaras e do distanciamento social. Ambos estão associados a atitudes desconfortáveis e que não estão na rotina habitual das pessoas. Acontece que o combate ao coronavírus implica mudar alguns comportamentos e isto só acontece quando as pessoas são levadas a perceber as vantagens desta mudança de hábitos. Esta mudança precisa tomar como base os hábitos correntes e a partir deles usar informações para mostrar a necessidade da mudança, o que no caso da Covid, significa mostrar o ganho com a participação coletiva no bloqueio à circulação do vírus.

A Covid é uma pandemia social, pois suas causas e consequências vão muito além da questão médica. Por isto, para ser enfrentada, ela precisa de uma abordagem ampliada, que não se limita apenas a criar mais UTIs e comprar mais vacinas. Isto é fundamental, mas a doença tem repercussões econômicas que mal começamos a sentir. Por isto, a mudança de comportamentos, regras e valores associados à luta pela saúde coletiva precisa envolver obrigatoriamente a comunicação e a informação, áreas onde o jornalismo detém uma vasta expertise.

O combate à pandemia enfrenta um desafio enorme. A chamada imunidade coletiva, quando o vírus deixa de circular por falta de organismos receptivos, exige que tomemos consciência de que o fim da Covid depende de todos nós, ao contrário do que ocorre com quase todos as demais doenças em que a cura é individual. Isto implica a aceitação de uma preocupação maior com os outros, porque o vírus só deixará de circular quando ele não encontrar mais humanos contamináveis.

A pandemia da varíola, uma doença causada por vírus que matou 300 milhões de pessoas no século XX, foi extinta em 1980 depois que a vacinação obrigatória e em massa criou o número suficiente de pessoas imunes para impedir a contaminação.

Estamos diante de uma situação muito parecida e só conseguiremos limitar drasticamente a circulação do coronavírus quando hábitos, que muitos acham irritantes, como o uso de máscaras e o distanciamento social, forem incorporados ao nosso quotidiano.

Estas mudanças de comportamento, no entanto, não acontecem espontaneamente. Elas precisam ser incentivadas por campanhas de comunicação pensadas e desenvolvidas com foco nas pessoas e não no ego governamental. Negar a realidade da pandemia em nome de uma estratégia de governo é um crime contra a saúde da população.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.