Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A história de uma super-empresa

Petrobras e Odebrecht confirmaram na sexta-feira (22/1) a formação de uma gigante petroquímica, a maior fabricante de resinas das Américas e oitava do mundo. Foi um teste de agilidade para a imprensa, mas também de preparação, porque o negócio havia sido anunciado algumas semanas antes. Todos os grandes jornais publicaram longas matérias sobre o assunto, nas edições de sábado. A cobertura do Estado de S.Paulo, distribuída em sete páginas, foi de longe a mais ampla e detalhada, com manchete na primeira página.

A nova empresa, constituída com a compra da Quattor, terá o monopólio da produção nacional de resinas termoplásticas. Todos os jornais descreveram a nova situação do mercado, com riscos e vantagens potenciais para a economia brasileira. O Estado de S.Paulo e o Globo deram destaque aos aspectos políticos do negócio. A volta da Petrobras à petroquímica e a formação de um conglomerado capaz de competir internacionalmente são objetivos estratégicos do atual governo, lembraram os dois jornais.

Maioria absoluta

A matéria do Estado chamou a atenção para a tendência de formação de grandes grupos, lembrando a fusão da Oi/Brasil Telecom, no campo de telecomunicações, a associação da Aracruz com a Votorantim, no setor de celulose, e na área de frigoríficos a formação do JBS Friboi. O Globo realçou diretamente o aspecto político mais controvertido: ‘Governo Lula aumenta a presença estatal em vários setores estratégicos’ foi a manchete da página 2 do caderno de Economia. Subtítulo: ‘Petróleo, mineração, telecomunicações, energia, portos e ferrovias estão no foco’.

No domingo (24/1), os jornais continuaram a cobertura, mas com alvos diferentes. O Globo ressaltou a preocupação dos empresários compradores de matérias-primas diante da nova situação do mercado, o Estado publicou um artigo analítico de um especialista na economia da petroquímica.

A Folha continuou tentando esclarecer como funcionará a nova empresa: o regime será de cogestão, embora a Petrobras seja minoritária. Todas as decisões importantes serão tomadas por maioria absoluta, informou numa entrevista o diretor de Abastecimento da estatal, Roberto Costa. A Petrobras terá direito de veto e isso já foi estabelecido no acordo de acionistas, segundo o executivo. Detalhes desse tipo fazem uma enorme diferença em qualquer cobertura.

Que recorde?

Um detalhe pouco significativo parece haver fascinado os editores de Economia no dia 21/1, quarta-feira. Em dezembro, o déficit em transações correntes do balanço de pagamentos, US$ 5,94 bilhões, foi o maior contabilizado a partir de 1947. Os três maiores jornais do eixo Rio-São Paulo destacaram esse ponto. O leitor poderia muito bem perguntar: e daí?

Esse déficit é grande, sem dúvida, mas qual a sua importância diante do tamanho da economia brasileira, hoje? É este o ponto relevante, não o fato de ter sido o maior resultado negativo, medido em dólares correntes, em mais de 60 anos.

A propósito, em 1947 o Brasil não tinha um banco central. Os autores de alguns textos parecem esquecer esse detalhe, de vez em quando. Até a reforma financeira realizada no regime militar, as funções de autoridade monetária eram divididas entre o Ministério da Fazenda e o Banco do Brasil.

Outro ponto: a série de contas nacionais iniciada em 1947 foi elaborada nos primeiros tempos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) só assumiria essa tarefa bem mais tarde. As informações mais velhas incorporadas nas séries hoje conhecidas provêm daquele trabalho pioneiro da FGV.

Voltando ao déficit: o resultado de dezembro poderia ter sido – e em parte foi – produzido por fatores ocasionais. Dois outros dados são muito mais importantes para se avaliar a situação e as perspectivas das contas externas: 1) o resultado anual – déficit de US$ 24,3 bilhões em transações correntes; 2) a tendência dessa conta.

Em 2009, o déficit foi menor que o de 2008 (US$ 28,2 bilhões), mas no ano passado a economia brasileira ficou estagnada. Um crescimento de 3% ou 4% num quadro de recessão internacional teria produzido um rombo muito maior, porque as importações teriam aumentado bem mais que as exportações, como vinha ocorrendo nos meses anteriores à crise.

Um detalhe

As transações correntes, vale a pena lembrar, são formadas por três componentes: 1) a balança comercial de mercadorias; 2) a balança de serviços (viagens, fretes, juros, lucros, assistência técnica e royalties); 3) as transferências unilaterais (onde aparece com destaque o dinheiro remetido pelos trabalhadores brasileiros no exterior). A primeira e a terceira dessas contas são tradicionalmente superavitárias. A segunda é estruturalmente deficitária. A soma das três tornou-se deficitária em 2008, depois de cinco anos com sinal positivo.

Um déficit em transações correntes pode favorecer o crescimento econômico, se for financiado com poupança externa de longo prazo (de preferência, investimentos diretos no setor produtivo). O resultado será positivo se esse financiamento servir para complementar o investimento em máquinas, equipamentos, instalações e infraestrutura. Se for para compensar o excesso de consumo, o resultado será ruim a médio prazo, porque recursos importantes serão desviados do crescimento.

Além disso, é bom evitar uma expansão excessiva desse déficit. Quando o país se torna muito dependente da poupança externa, fica vulnerável a choques provocados por turbulências internacionais. Todos esses pontos estão em qualquer manual decente e não devem ser novidade para ninguém. O ponto relevante, portanto, devia ser outro, desde o começo: qual a tendência desse déficit? Haverá condições de se expandir a exportação em ritmo suficiente para garantir certa segurança ao balanço de pagamentos? Como tem sido coberto o buraco das transações correntes e como será nos próximos anos?

Os jornais acabaram enfrentando essas questões, nos dias seguintes, mas a cobertura foi obviamente ofuscada, no momento inicial, por um detalhe pouco relevante.

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Jornalista