Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Eleição de São Paulo revela a face do antipetismo midiático

(Foto: Filipe Araujo/Fotos Públicas)

Na semana passada, neste Observatório da Imprensa, escrevi um artigo que analisa como a grande mídia, principalmente a Folha de S.Paulo, tem concedido grande visibilidade ao psolista Guilherme Boulos, com objetivo de isolar o PT na campanha eleitoral para a prefeitura de São Paulo.

Nesse pequeno ínterim, os veículos midiáticos intensificaram essa linha editorial; agora “sugerem” que o PT, humilhantemente, abra mão de sua própria candidatura e passe a aderir a chapa Boulos-Erundina.

Primeiramente, é fundamental frisar que não se trata de destacar aqui qual candidatura de esquerda é a mais viável; ou se supostamente estaríamos apoiando um determinado nome em detrimento de outro.

Essas questões são absolutamente irrelevantes para este debate. O que realmente nos interessa é desvelar porque é tão importante para os veículos de imprensa tirar o PT do jogo eleitoral paulistano e, posteriormente, nacional.

Não se trata de uma mera posição pragmática, de desistência de uma candidatura em prol de outra com maiores possibilidades eleitorais no mesmo campo ideológico.

Se formos levar em conta os dados indicados pelas pesquisas de intenção de voto, no âmbito da extrema direita, Joice Hasselmann e Arthur Moledo do Val (conhecido como “Mamãe Falei”), assim como Jilmar Tatto, também possuem percentuais baixos.

Porém, não vemos matérias e editoriais que “sugerem” que a deputada federal e o youtuber retirem suas candidaturas e apoiem um nome com maiores chances de vitória eleitoral dentro de seu espectro político.

Um exemplo emblemático do antipetismo midiático pôde ser constatado na (bastante repercutida) matéria “PT já impõe prazos a Tatto e debate possibilidade de apoio a Boulos em São Paulo”, publicada na edição virtual da Folha, na quarta-feira (14/10), e atualizada no dia seguinte.

Logo em suas primeiras frases, o texto produzido pela publicação da família Frias aponta que “dirigentes petistas discutem a possibilidade de adesão à candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) caso o candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, Jilmar Tatto, não atinja dois dígitos nas pesquisas de intenção de voto até o fim deste mês”.

Uma leitura minimamente crítica é suficiente para constatar que a citação “dirigentes petistas” é muito vaga: quem são eles? Isso nos leva facilmente a entender que a adesão do PT à candidatura Boulos é mais um desejo da família Frias do que propriamente uma “ameaça” feita pela cúpula do partido.

Segundo “apurado” pela Folha, “no PT, até mesmo a hipótese de retirada da candidatura de Tatto em favor de Boulos chegou a ser debatida durante reunião entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro Gilberto Carvalho”.

Novamente uma colocação evasiva. A Folha apurou junto a quais fontes? Além do mais, a afirmação é desmentida no próprio texto, pois Carvalho, ao ser questionado pela Folha sobre suas reuniões com o ex-presidente, disse que não comentaria o teor das conversas com Lula.

Ele também asseverou que “Jilmar tem potencial de crescimento” (o que, realmente, foi corroborado pela última pesquisa Ibope, pois, de acordo com a margem de erro, o petista, inclusive, já se aproxima de Boulos). Dentro dessa lógica, que motivos teria Carvalho para levantar a hipótese da desistência da candidatura Tatto?

Ainda nessa linha conspiratória, a matéria também cita, sem dar maiores detalhes, um suposto “acordo pelo qual Lula estaria liberado para pedir votos para Boulos”.

No entanto, a própria aparição do ex-presidente no programa eleitoral de Tatto já desmente esse hipotético acordo.

Desse modo, insinuações, frases soltas, e especulações sem nenhum tipo de comprovação — que mais parecem ser originárias de alcoviteiros de plantão do que propriamente de jornalistas profissionais —, fazem parte do repertório discursivo da Folha (e da grande mídia, de maneira geral) em sua empreitada para que o PT perca seu protagonismo na esquerda brasileira em prol de um partido político mais palatável aos interesses do grande capital.

Trata-se de um típico exemplo da síntese feita pelo saudoso Alberto Dines, sobre a mídia brasileira transformar notícias (que, teoricamente, deveriam se limitar à apresentação dos fatos) em verdadeiros editoriais (tentando impor seus valores sobre a realidade).

Um desempenho pífio do petismo em São Paulo neste ano poderá ser um fator importante para que o partido chegue enfraquecido nas próximas eleições presidenciais, sobretudo se Lula for impedido de participar do pleito (seja como candidato, ou seja apoiando outro nome).

Portanto, o aceno positivo da mídia à chapa Boulos-Erundina e sua insistente campanha de desestabilizar a candidatura Jilmar Tatto fazem parte de uma estratégia discursiva já pensando em 2022.

Nesse sentido, uma questão temos que admitir: os grandes grupos de comunicação brasileiros sabem como poucos manipular uma determinada realidade visando resultados a médio-longo prazo.

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Francisco Fernandes Ladeira é mestre em Geografia pela UFSJ. Coordena a área de Geografia da Vicenza Acadêmica. Professor de Ciências Humanas da APAE de Santa Rita do Sapucaí (MG). Autor do livro 10 anos de Observatório da Imprensa: a segunda década do século XXI sob o ponto de vista de um crítico midiático (Editora CRV).