Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ministra chama o ‘Alfredo’ em comercial de papel higiênico


Leia abaixo a seleção de sexta-feira para a seção Entre Aspas.


 


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Folha de S. Paulo


Sexta-feira, 27 de novembro de 2009


 


PROPAGANDA


Fernando de Barros e Silva


Governo no trono


‘SÃO PAULO – As imagens do presidente da República e da ministra da Casa Civil nunca antes na história deste país haviam sido usadas para vender papel higiênico. Alguém poderá dizer que a primeira vez a gente nunca esquece…


Parte dos leitores já deve ter conhecimento do enredo da propaganda que começou a ser veiculada pelo rádio: uma voz que imita Lula se põe a elogiar aspectos do PAC.


Ele passa a palavra a Dilma e estranha sua ausência. A voz dela então ecoa lá do fundo: ‘Alfreeeeeedo!!!!’. Lula retoma a cena e faz o resto do serviço: ‘Nunca antes na história deste país o povo teve tanta maciez’, diz o locutor, entre batatadas.


O bordão já é bem conhecido. Na versão original, a peça publicitária tinha a intenção de reforçar o exclusivismo social do consumo: era macio porque era para poucos. Agora, o papel higiênico da madame está ao alcance do povo -é essa a nova mensagem, suave como lixa. Alfredo virou o mordomo da classe C.


Tudo isso, porém, acaba ficando em segundo plano, ofuscado pela escatologia a que são arrastadas as autoridades da República. A percepção de que há algo ofensivo em relação aos personagens se impõe: Dilma está -vamos dizer assim- ‘se lixando’ para o PAC. Como deixar de fazer associações desse tipo?


É improvável, no entanto, que a propaganda tenha a mão de algum gênio tucano mal intencionado. A explicação aqui parece ser outra. O jornalista Marcio Aith mostrou na segunda-feira que grandes empresas e bancos transformaram o governo e o presidente em garotos-propaganda. Há uma onda ufano-lulista na publicidade brasileira.


Se o PAC foi parar no banheiro e Dilma virou atriz-camelô de produtos delicados para as massas, não é só porque o governo é muito popular. Fazendo piadas, revelando intimidades, dizendo impropriedades, Lula criou um ambiente público que acolhe e estimula esse tipo de abuso vulgar. A avacalhação costuma jogar a seu favor. Desta vez, a liturgia do cargo foi pela privada.’


 


 


Ana Flor


Papel higiênico recorre a paródia de ‘Lula’ e ‘Dilma’ em propaganda de rádio


‘Uma publicidade de papel higiênico que começou a ser veiculada ontem explora o momento político de pré-campanha ao brincar com o presidente Lula e sua candidata ao Planalto, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). No spot, uma voz semelhante à de Lula, inclusive com bordões como ‘nunca antes na história desse país’, chama ‘a ministra’ para apresentar o ‘pack’ que vai trazer mais economia para os brasileiros’.


A ‘ministra’ grita: ‘Alfredo’ -nome de um mordomo, personagem que se tornou célebre em propagandas da marca de papel higiênico (Neve). A voz vem de longe, indicando que ‘Dilma’ está no banheiro.


O falso Lula, então, brinca, ao afirmar que ‘a ministra está em conferência com o Alfredo’, e apresenta sozinho o produto: uma embalagem (pack, em inglês) econômica, com 16 rolos. Criado pela DPZ, o comercial explora a semelhança entre a palavra inglesa para embalagem e o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), um dos carros-chefes para a disputa eleitoral. Como a Kimberly, fabricante do papel Neve, outras empresas têm aproveitado a popularidade de Lula e o momento econômico favorável em suas propagandas.


O diretor de criação responsável pela peça, Fernando Rodrigues, disse que não houve motivação política no trabalho. A ideia foi fazer uma brincadeira com Lula, ‘um presidente simpático e bem-humorado’.


Segundo Rodrigues, também não houve intenção de ofender autoridades. ‘Fizemos uma ilação bastante provável, de que ela [Dilma] vai ao banheiro, um fenômeno humano.’ A Casa Civil e o Planalto não comentaram a peça.


Ouça o comercial


www.folha.com.br/093301′


 


 


O FILHO DO BRASIL


Rubens Valente


Filme omite episódios da vida de Lula


‘Em trechos de ‘Lula, O Filho do Brasil’, imagens de cinejornais e de reportagens de TV da época se misturam à ficção. Cenas gravadas para o filme foram digitalmente retocadas para parecer antigas. Principalmente no terço final, centrado na fase sindical do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o espectador é convidado a ver ‘a realidade’ tal qual ela ocorreu.


Contudo, a comparação entre o filme e o livro homônimo que o baseou revela o sumiço de episódios que poderiam empanar o brilho do personagem heroico construído pelo roteiro.


Por outro lado, fatos que poderiam tornar Lula mais simpático aos olhos da plateia também foram retirados. Os realizadores do filme dizem que não queriam ser acusados de ‘exagerar a realidade’.


Sindicalismo


O livro conta uma ameaça de Lula de cortar a assistência médica dos operários que não aparecessem para votar numa assembleia, a revelação de que quem escrevia os discursos dos líderes sindicais, incluindo o da posse de Lula no sindicato em 1975, era o advogado Maurício Soares e a informação de que ele já lançara a ideia de um partido político em 1978, logo após as primeiras greves -o que indica suas ambições político-partidárias dois anos antes da criação do PT.


Em outro episódio, mais prosaico, Lula poderia ser acusado de abuso no desempenho de sua função no sindicato. No livro, Marisa reconhece que, a princípio, teve ‘muita bronca’ de Lula, pois ele, interessado em namorá-la, segurou um documento sem o qual ela não conseguia receber o dinheiro de sua pensão de viúva.


A liberação da pensão, que em outro sindicato já havia sido feita sem entraves, demorou de três a quatro dias nas mãos de Lula. No filme, Lula aparece ajudando Marisa a resolver o problema no mesmo dia.


A perseguição a Lula pela ditadura também é narrada -ele foi preso, cassado da presidência do sindicato e teve seu irmão torturado- sem a informação de que ele se reuniu com o general Dilermando Monteiro, então comandante do 2º Exército, logo após as greves de 1978. A reunião é narrada por Lula no livro: ‘Ele [general] me tratou muito bem, foram quase três horas de conversa. Foi uma coisa muito interessante’.


Para o sindicalista Paulo Vidal (retratado no filme de forma caricatural e com outro nome, ‘Feitosa’), que presidiu o sindicato entre 1969 e 1975, Lula foi ‘pedir a bênção’ do regime na reunião com o general, quando teria explicado que não queria se aliar aos comunistas para derrubar a ditadura.


A intensa tortura, com choques elétricos e pau-de-arara, sofrida por Frei Chico na prisão do Exército, por exemplo, não é mostrada -na fita ele é preso e reaparece com problemas de movimentação nos braços, num almoço em família.


Filho hostilizado


Os efeitos da ditadura sobre um filho do primeiro casamento de Marisa, um dos pontos mais fortes do relato que ela prestou para o livro, também sumiram do filme. Marisa contou que quando Lula foi preso pela ditadura, em 1980, o filho Marcos, então com 9 anos, foi hostilizado, ofendido e perseguido até mesmo por sua professora primária, que era contrária aos operários.


‘Ele foi muito torturado. Quando eu descobri, o tirei da escola’, narrou Marisa.


O diretor do filme, Fábio Barreto, e a corroteirista, Denise Paraná -jornalista autora do livro-, disseram que, caso filmassem lacunas apontadas pela Folha, que assistiu ao filme no último dia 19, em Recife (PE), a fita ficaria muito longa.


O filme tem duas horas e oito minutos. Para eles, os episódios mais importantes foram abordados. Barreto disse que a versão do filme em DVD deverá ter duas horas e 50 minutos de duração, e que ‘na montagem definitiva e integral, teria 3 horas e dez minutos’. ‘Minha vontade era ter uma mídia que me permitisse colocar mais coisa da vida não só dele [Lula], como do movimento sindical, do operariado do ABC’, disse.


O livro foi escrito por Denise nos anos 90 e relançado em 2002 pela Editora Fundação Perseu Abramo, entidade criada e mantida pelo PT. Denise foi assessora de Lula por dois anos e se declara amiga dele e de sua família.


Na linha da ‘história oral’, o cerne do livro é a transcrição literal de depoimentos prestados nos anos 90 por Lula, seus irmãos, um amigo e Marisa.


Embora não contraponha as versões nem verifique a exatidão dos relatos, o livro trouxe à tona episódios da vida do presidente que formam um rico painel do que as pessoas mais próximas de Lula, e ele próprio, viveram ou julgaram ter vivido entre 1945 e 1980.’


 


 


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‘É um filme para o povo’, diz escritora


‘A escritora Denise Paraná, autora de ‘Lula, O Filho do Brasil’ e corroteirista do filme homônimo, disse que o foco da produção ‘é o drama familiar’, e não o sindicalismo. A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.


FOLHA – Há um momento no seu livro em que Lula tem dificuldades para reunir pessoas no sindicato. Então ele ameaça cortar a assistência médica dos sindicalizados, o que dá resultado. Por que o filme não mostrou isso, que indicaria o pragmatismo do personagem?


DENISE PARANÁ – Acho que o [sindicalista] Paulo Vidal já tinha modernizado o sindicato, e o Lula entrou nesse esquema de modernização. Eu não lembro exatamente de detalhes disso, mas acho que foi, você está falando aí, uma estratégia de chamar os operários, junto com os boletins de história em quadrinhos e tal. Agora, a gente não aprofundou a questão sindical porque o foco do filme era mesmo a relação entre mãe e filho. A gente queria contar uma história universal que interessasse a todo mundo. (…) A gente sabia que essas questões viriam. Se a gente fosse esmiuçar o sindicalismo, teria que ser um filme sobre essa questão.


FOLHA – Em julho de 78 ele fala em PT. Mostra que a atuação dele no sindicato já tinha olhar político-partidário. Isso o filme não mostra.


DENISE – Pelo mesmo motivo, o foco é outro. Mas ele tinha muitas dúvidas em 78 e 79. Em uma das primeiras entrevistas dele, para o [programa de TV] ‘Roda Viva’, ele fala que trabalhador tem que trabalhar, estudante tem que estudar. Ele é muito conservador. Pediu para o general Dilermando, do 2º Exército, ajudar a tirar os infiltrados no sindicato.


FOLHA – Este é outro ponto. Embora tenha sido preso e o irmão, torturado, teve esse contato com o general. Por que isso não foi retratado?


DENISE – De todas essas questões sindicais nós tivemos que fazer uma síntese. Mas acho que o essencial está ali. Quando Lula fala, ‘trabalhador não é de esquerda nem de direita’, que é um resumo do discurso que o Maurício Soares ajudou a redigir, é isso que ele lê. O filme tem esse mérito de dizer que o Lula não é um revolucionário. Não é um militante de esquerda. Primeiro, ele entra no sindicato porque foi o Frei Chico que o levou. Ele preferia ver novela. Aí ele acha legal o sindicato porque aquilo parece um jogo de futebol. Foi a imagem que ele fez, mesmo, de verdade. Ele vai indo porque os trabalhadores estão exigindo, mas não tem nenhuma exigência na formação, ao contrário do Frei Chico. E ele ganha pontos com isso. Acho que não tem nenhum heroísmo aí. É um cara que estava no sertão, de repente a mãe vem [para SP], ele vem junto, e ele vai se adaptando à vida. Não tem nenhuma predestinação, pelo contrário.


FOLHA – Como você qualifica o diálogo que ele teve com os militares?


DENISE – Que não entrou [no filme]? Ele teve uma diferença em relação aos outros sindicalistas. Mediante a ameaça de greve, os empresários foram falar com o governo. Ele disse: ‘Ah, se os empresários vão falar, por que os trabalhadores não podem?’. Esse que é o sangue novo. É uma cabeça [diferente]. Se fosse qualquer militante de esquerda, ia falar: ‘claro que não, eles estão do lado dos empresários, é um governo militar, vamos falar com ele?’


Mas o Lula tinha essa espécie de olhos virgens. (…) O Lula cresce por quê? Ele era muito bem visto porque tinha um carisma brutal, uma capacidade enorme de liderança dos trabalhadores, e ele é muito conservador. Por isso ele teve o espaço que ele teve na imprensa, alguns órgãos de comunicação conservadores começaram a dar espaço, capa para ele.


‘Olha, a ditadura já não nos agrada mais, a crise do petróleo, classe média insatisfeita, a gente está tendo que caminhar para o fim desse regime, precisa de um interlocutor na classe trabalhadora, esse é o melhor cara’. Conservador e que não era comunista. (…) Mas todo mundo sabe que aquilo é cinema. Não estamos enganando ninguém, dizendo que aquilo é um documentário fiel e exato. Acho que o Fábio fez um grande filme, que vai ser um sucesso enorme. Esse é um filme pro povo, não para intelectuais.’


 


 


César Benjamin


Os filhos do Brasil


‘A PRISÃO na Polícia do Exército da Vila Militar, em setembro de 1971, era especialmente ruim: eu ficava nu em uma cela tão pequena que só conseguia me recostar no chão de ladrilhos usando a diagonal. A cela era nua também, sem nada, a menos de um buraco no chão que os militares chamavam de ‘boi’; a única água disponível era a da descarga do ‘boi’. Permanecia em pé durante as noites, em inúteis tentativas de espantar o frio. Comia com as mãos. Tinha 17 anos de idade.


Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, passando a usá-lo nos dias seguintes como uma toga troncha de senador romano.


Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que ‘estavam pedidos’ pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas interpretações. Repetia uma ideia, pensando alto: ‘O Brasil não dá mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o Senegal. Vou ser rei do Senegal’.


Voltei para a solitária alguns dias depois. Ainda não sabia que começava então um longo período que me levou ao limite.


Vegetei em silêncio, sem contato humano, vendo só quatro paredes -’sobrevivendo a mim mesmo como um fósforo frio’, para lembrar Fernando Pessoa- durante três anos e meio, em diferentes quartéis, sem saber o que acontecia fora das celas. Até que, num fim de tarde, abriram a porta e colocaram-me em um camburão. Eu estava sendo transferido para fora da Vila Militar. A caçamba do carro era dividida ao meio por uma chapa de ferro, de modo que duas pessoas podiam ser conduzidas sem que conseguissem se ver. A vedação, porém, não era completa. Por uma fresta de alguns centímetros, no canto inferior à minha direita, apareceram dedos que, pelo tato, percebi serem femininos.


Fiquei muito perturbado (preso vive de coisas pequenas). Há anos eu não via, muito menos tocava, uma mulher. Fui desembarcado em um dos presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e colocado na galeria F, ‘de alta periculosia’, como se dizia por lá. Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, mas, mais uma vez, nada ocorreu. Era Carnaval, e a direção do presídio, excepcionalmente, permitira a entrada de uma televisão para que os detentos pudessem assistir ao desfile.


Estavam todos ocupados, torcendo por suas escolas. Pude então, nessa noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de ‘provas de fogo’, situações armadas para testar a firmeza de cada novato.


Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar. Aos poucos, aprendi a ‘língua de congo’, o dialeto que os presos usam entre si para não serem entendidos pelos estranhos ao grupo.


Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas junto com eles.


Passei assim a maior parte dos quase dois anos que fiquei em Bangu. Nos intervalos das aulas, traduzia livros para mim mesmo, para aprender línguas, e escrevia petições para advogados dos presos ou cartas de amor que eles enviavam para namoradas reais, supostas ou apenas desejadas, algumas das quais presas no Talavera Bruce, ali ao lado. Quanto mais melosas, melhor.


Como não havia sido levado a julgamento, por causa da menoridade na época da prisão, não cumpria nenhuma pena específica. Por isso era mantido nesse confinamento semiclandestino, segregado dos demais presos políticos. Ignorava quanto tempo ainda permaneceria nessa situação.


Lembro-me com emoção -toda essa trajetória me emociona, a ponto de eu nunca tê-la compartilhado- do dia em que circulou a notícia de que eu seria transferido. Recebi dezenas de catataus, de todas as galerias, trazidos pelos próprios guardas. Catatau, em língua de congo, é uma espécie de bilhete de apresentação em que o signatário afiança a seus conhecidos que o portador é ‘sujeito-homem’ e deve ser ajudado nos outros presídios por onde passar.


Alguns presos propuseram-se a organizar uma rebelião, temendo que a transferência fosse parte de um plano contra a minha vida. A essa altura, já haviam compreendido há muito quem eu era e o que era uma ditadura.


Eu os tranquilizei: na Frei Caneca, para onde iria, estavam os meus antigos companheiros de militância, que reencontraria tantos anos depois. Descumprindo o regulamento, os guardas permitiram que eu entrasse em todas as galerias para me despedir afetuosamente de alunos e amigos. O Devagar ia embora.


São Paulo, 1994. Eu estava na casa que servia para a produção dos programas de televisão da campanha de Lula. Com o Plano Real, Fernando Henrique passara à frente, dificultando e confundindo a nossa campanha.


Nesse contexto, deixei trabalho e família no Rio e me instalei na produtora de TV, dormindo em um sofá, para tentar ajudar. Lá pelas tantas, recebi um presente de grego: um grupo de apoiadores trouxe dos Estados Unidos um renomado marqueteiro, cujo nome esqueci. Lula gravava os programas, mais ou menos, duas vezes por semana, de modo que convivi com o americano durante alguns dias sem que ele houvesse ainda visto o candidato.


Dizia-me da importância do primeiro encontro, em que tentaria formatar a psicologia de Lula, saber o que lhe passava na alma, quem era ele, conhecer suas opiniões sobre o Brasil e o momento da campanha, para então propor uma estratégia. Para mim, nada disso fazia sentido, mas eu não queria tratá-lo mal. O primeiro encontro foi no refeitório, durante um almoço.


Na mesa, estávamos eu, o americano ao meu lado, Lula e o publicitário Paulo de Tarso em frente e, nas cabeceiras, Espinoza (segurança de Lula) e outro publicitário brasileiro que trabalhava conosco, cujo nome também esqueci. Lula puxou conversa: ‘Você esteve preso, não é Cesinha?’ ‘Estive.’ ‘Quanto tempo?’ ‘Alguns anos…’, desconversei (raramente falo nesse assunto). Lula continuou: ‘Eu não aguentaria. Não vivo sem boceta’.


Para comprovar essa afirmação, passou a narrar com fluência como havia tentado subjugar outro preso nos 30 dias em que ficara detido. Chamava-o de ‘menino do MEP’, em referência a uma organização de esquerda que já deixou de existir. Ficara surpreso com a resistência do ‘menino’, que frustrara a investida com cotoveladas e socos.


Foi um dos momentos mais kafkianos que vivi. Enquanto ouvia a narrativa do nosso candidato, eu relembrava as vezes em que poderia ter sido, digamos assim, o ‘menino do MEP’ nas mãos de criminosos comuns considerados perigosos, condenados a penas longas, que, não obstante essas condições, sempre me respeitaram.


O marqueteiro americano me cutucava, impaciente, para que eu traduzisse o que Lula falava, dada a importância do primeiro encontro. Eu não sabia o que fazer. Não podia lhe dizer o que estava ouvindo. Depois do almoço, desconversei: Lula só havia dito generalidades sem importância. O americano achou que eu estava boicotando o seu trabalho. Ficou bravo e, felizmente, desapareceu.


Dias depois de ter retornado para a solitária, ainda na PE da Vila Militar, alguém empurrou por baixo da porta um exemplar do jornal ‘O Dia’. A matéria da primeira página, com direito a manchete principal, anunciava que Caveirinha e Português haviam sido localizados no bairro do Rio Comprido por uma equipe do delegado Fleury e mortos depois de intensa perseguição e tiroteio. Consumara-se o assassinato que eles haviam antevisto.


Nelson, que amava os Beatles, não conseguiu ser o rei do Senegal: transferido para o presídio de Água Santa, liderou uma greve de fome contra os espancamentos de presos e perseverou nela até morrer de inanição, cerca de 60 dias depois. Seu pai, guarda penitenciário, servia naquela unidade.


Neguinho Dois também morreu na prisão. Sapo Lee foi transferido para a Ilha Grande; perdi sua pista quando o presídio de lá foi desativado. Chinês foi solto e conseguiu ser contratado por uma empreiteira que o enviaria para trabalhar em uma obra na Arábia, mas a empresa mudou os planos e o mandou para o Alasca. Na última vez que falei com ele, há mais de 20 anos, estava animado com a perspectiva do embarque: ‘Arábia ou Alasca, Devagar, é tudo as mesmas Alemanhas!’ Ele quis ir embora para escapar do destino de seu melhor amigo, o Sabichão, que também havia sido solto, novamente preso e dessa vez assassinado. Não sei o que aconteceu com o Formigão e o Ari Navalhada.


A todos, autênticos filhos do Brasil, tão castigados, presto homenagem, estejam onde estiverem, mortos ou vivos, pela maneira como trataram um jovem branco de classe média, na casa dos 20 anos, que lhes esteve ao alcance das mãos. Eu nunca soube quem é o ‘menino do MEP’. Suponho que esteja vivo, pois a organização era formada por gente com o meu perfil. Nossa sobrevida, em geral, é bem maior do que a dos pobres e pretos.


O homem que me disse que o atacou é hoje presidente da República. É conciliador e, dizem, faz um bom governo. Ganhou projeção internacional. Afastei-me dele depois daquela conversa na produtora de televisão, mas desejo-lhe sorte, pelo bem do nosso país. Espero que tenha melhorado com o passar dos anos.


Mesmo assim, não pretendo assistir a ‘O Filho do Brasil’, que exala o mau cheiro das mistificações. Li nos jornais que o filme mostra cenas dos 30 dias em que Lula esteve detido e lembrei das passagens que registrei neste texto, que está além da política. Não pretende acusar, rotular ou julgar, mas refletir sobre a complexidade da condição humana, justamente o que um filme assim, a serviço do culto à personalidade, tenta esconder.


CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha.’


 


 


TODA MÍDIA


Nelson de Sá


China voluntária


‘No estatal ‘China Daily’, a ‘China vai reduzir as emissões de dióxido de carbono em 40%-45% por unidade de PIB até 2020’. Imediatamente abaixo, ‘esta é uma ação voluntária e uma contribuição maior ao esforço global de lidar com a mudança no clima’. Fechando o texto, ‘países em desenvolvimento como a China não precisam apresentar metas de emissão’, daí a expressão ‘ação voluntária’.


Pelas agências, de todo modo, ‘a China revelou sua primeira meta firme de contenção das emissões de gases com efeito estufa’, que ‘vem depois de grandes emissores como Brasil e Indonésia anunciarem duras metas de redução para 2020’. No ‘New York Times’ e no ‘Jornal Nacional’, ‘depois dos EUA’.


Jim O’Neill, dos Brics, relatou ao G1 ter gasto ‘o dia todo analisando a decisão surpreendente’. E alerta que, ‘se acreditarmos no que eles estão dizendo, isso pode mudar o padrão da demanda de longo prazo de petróleo e combustíveis fósseis’.


‘NI URIBE NI CHÁVEZ’


No longo enunciado do colombiano ‘El Tiempo’, ‘Nem Uribe nem Chávez participam de encontro em Manaus e frustram a ideia de Lula de propiciar uma aproximação’. O primeiro disse estar doente, o segundo citou reunião com o presidente da Autoridade Palestina.


E assim o encontro dos países da região para ‘salvar a Amazônia’, no dizer da BBC, se restringiu a chanceleres e discursos de Lula e Nicholas Sarkozy.


NATGEO


Em dois longos posts no site da National Geographic, o editor e um professor da universidade Duke saúdam a ‘vitória maior do Brasil no corte de emissões’, com o gráfico, e avaliam que, com sua meta, ‘o Brasil mostra o caminho para outros’


‘SHENANIGANS’


No topo das buscas por Yahoo News, com AP, ‘Brasil e EUA discutem diferenças’. O chanceler Celso Amorim e a secretária de Estado, Hillary Clinton, ficaram ‘mais de uma hora no telefone’. Na manchete da BBC Brasil, por outra parte, ‘Amorim diz que reconhecer o pleito em Honduras seria legitimar golpe’.


E seguem nos EUA as manifestações de acadêmicos e diplomatas contra a eleição sob regime golpista. Ontem foi o site da ‘Foreign Policy’ que postou no alto da home ‘A eleição fingida em Honduras’, de George Vickers, da Open Society. Diz que ‘Obama não deve fechar os olhos à maracutaias antidemocráticas’ do pleito ‘num ambiente contaminado por repressão e medo’.


TRANQUILO


Com a capa ‘The Quiet American’, o americano tranquilo ou quieto, a nova ‘Economist’ se pergunta, em suma: ‘Barack Obama é sutil e estratégico ou fraco e ingênuo?’.


Afirma que ‘o mundo está para descobrir’ e sublinha que ‘Deus nos salve sempre dos inocentes e dos bons’, citação célebre do livro do qual a revista tirou sua manchete, de Graham Greene. Sobretudo, cobra que vá além das palavras e apresente resultados, levando o Irã a negociar, ‘forçando’ Israel e palestinos a conversar etc.


NO QUINTAL


Na mesma edição, sob o título ‘Aiatolás no quintal’, a revista relata a controvérsia com a visita de Mahmoud Ahmadinejad à América do Sul, em especial ao Brasil, que ‘vale dez vezes mais do que a Venezuela’.


Cita o artigo do candidato ‘não declarado’ José Serra na Folha, contra receber ditadores, e avisa sobre os riscos para o Brasil. No fim, ‘um Brasil engajado nos problemas mundiais é certamente melhor’ e, para os EUA, ‘pelo menos agora tem uma linha de comunicação, via Brasília, com Teerã’.


TEMER & JIA


A mídia estatal chinesa seguia ontem os passos do Jia Qinglin, ‘alto assessor político da China’, por Brasília. Com Michel Temer, da Câmara, defendeu cooperação e ‘confiança mútua’


EM CHOQUE


Com o sobretítulo ‘Crise em Dubai’, o ‘Financial Times’ postou ontem manchete e duas dezenas de textos sobre ‘temores de moratória’. Num deles, ‘Emirado tem muito a explicar’.


No ‘Wall Street Journal’, manchete para ‘notícia abala confiança’, mais uma dezena de posts, inclusive ‘Choque de Dubai pode não ser o último’ e ‘Caem ações europeias’. Nos EUA não caíram pois Wall Street fechou para Ação de Graças.’


 


 


TELEVISÃO


Sílvia Corrêa


BH e Porto Alegre terão medição de audiência em tempo real


‘O Ibope fornecerá às emissoras de TV os índices de audiência em tempo real de Porto Alegre e Belo Horizonte. Hoje, essas prévias só existem para as medições de São Paulo (desde 1989) e do Rio (desde 2007).


Soa burocrático, mas é estratégico. O índice -minuto a minuto- é uma arma de emergência para as emissoras tentarem reverter quedas acentuadas de audiência dos programas ao vivo ou bombar o que cai no gosto do público -sobretudo na linha de shows e nos jornalísticos populares. A regra é esticar o que vai bem e encolher o que derruba o ibope.


É graças aos índices em tempo real que Alan Rapp (diretor do ‘Pânico’) e Homero Salles (diretor do Gugu) se alfinetam no Twitter enquanto os programas estão no ar. Sob o comando de Salles, ainda no SBT, o quadro ‘Construindo um Sonho’ chegou a ficar duas horas no ar quando dava picos de 20 pontos, passando o ‘Fantástico’.


‘Mas as mudanças não podem desrespeitar o telespectador, sob o risco de terem o efeito contrário’, alerta Dora Câmara, diretora do Ibope.


BH e Porto Alegre foram escolhidas pelo volume de produções locais ao vivo -para as quais o índice é útil. A Globo e a Band fazem até seis programas diários desse tipo nas cidades. A Record, quatro. O SBT, dois.


Os dados estarão disponíveis em dezembro em BH (medidos em 300 residências) e em janeiro no Sul (250 domicílios).


PAI DA MATÉRIA


É Eike Batista o sonho dourado da Record para apresentar ‘Who Wants to Be a Millionaire’ em 2010 -o reality comprado para Roberto Justus e engavetado. Emissários já iniciaram os contatos com ele. A opção interna é Britto Jr., se não coincidir com ‘A Fazenda 3’.


DETALHES


A repórter Sandra Coutinho entrevistou o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan para o ‘Globo News Documento’ de amanhã. ‘Ele tem tanta certeza de que será ouvido, que fala muito baixo. E tanta preocupação em ser compreendido, que a fala é pausada’, resume ela.


REI DA BOLA


Pelé é quem vai escolher no ‘Fantástico’, no domingo, os seis finalistas aos títulos de Bola Cheia e Bola Murcha do ano.


RUMO À ÁFRICA


O cargo está definido: José Emílio Ambrósio, ex-RedeTV!, será diretor-geral de Esportes da Band. Ele embarca na quarta para a África, onde acompanhará o sorteio dos grupos da Copa do Mundo (no dia 4), que será transmitido pela Band. Voltará no dia 8, mas só assume oficialmente depois do dia 16.


NO HABLO


Por falar em Copa, a ESPN Deportes (EUA) vai narrar em português mais de 40 jogos do Mundial. A ESPN tem o direito sobre os eventos da Fifa em todos os idiomas, exceto espanhol para os EUA até 2014.


SUBIU NO TELHADO


Há enormes chance de a entrevista de Adriane Galisteu com Roberto Carlos não ir ao ar hoje à noite, na Band. A Globo ainda não liberou a exibição.’


 


 


Laura Mattos


Cartoon estreia filme da nova fase do fenômeno infantil Ben 10


‘Quem tem filho pequeno ou precisa comprar um presente para um menino neste Natal já deve ter ouvido falar de Ben 10. O herói, do Cartoon Network, é uma das principais febres da garotada, com uma lista incontável de produtos licenciados em vários países. Para esses garotos, uma boa notícia: estreia hoje, às 20h, no canal, o novo filme da série, ‘Ben 10: Invasão Alienígena’.


O fenômeno começou com uma série de desenho animado, nos Estados Unidos, em 2005. O sucesso se deve, em parte, ao fato de o herói ser um menino de dez anos, o que gera identificação com o público-alvo. Ele tem um relógio mágico, o Omnitrix, que transforma o menino em poderosos alienígenas.


Ben usa a arma, na maior parte do tempo, para salvar o mundo, mas não deixa de aproveitá-la de vez em quando para provocar coleguinhas chatos da escola. Ou seja, sonho de consumo para a molecada…


A primeira fase da série animada teve um filme com atores reais, ‘Ben 10: Corrida contra o Tempo’, exibido em 2008 no Cartoon. Agora, a sensação é a nova fase do seriado, em que Ben tem 15 anos. E o novo longa adapta para um elenco real histórias desta temporada. A produção não é uma maravilha, longe disso. E Ben, apesar de ter só 15 anos, dirige uma moto. Mas os pequenos vão amar.


BEN 10: INVASÃO ALIENÍGENA


Quando: hoje, às 20h, no Cartoon Network


Classificação: livre’


 


 


 


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O Estado de S. Paulo


Sexta-feira, 27 de novembro de 2009


 


PROPAGANDA


Som do PAC vende papel higiênico


‘Valendo-se dos altos índices de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a agência de publicidade DPZ começou ontem a usar um imitador do petista para promover, no rádio, uma marca de papel higiênico.


A peça de propaganda aproveita a semelhança entre a pronúncia de PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e pack – embalagem econômica lançada pelo papel higiênico Neve.


Sem citar nomes, a agência também fez referências à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, responsável pelo PAC e ungida por Lula para disputar a Presidência da República pelo PT em 2010.


‘Companheiros e companheiras: para falar do pack que vai trazer mais economia aos brasileiros eu quero chamar aqui a maior responsável por esse sucesso. Com vocês a ministra… ué, cadê a ministra?’, diz o locutor, imitando a voz de Lula.


Nesse momento, a ‘ministra’ grita, ao fundo: ‘Alfreeedooo’ – referência ao mordomo que aparecia em comerciais de TV do produto. O imitador de Lula prossegue: ‘Vamos aproveitar que a ministra está em conferência com o Alfredo para falar do pack econômico de Neve com 16 rolos’.


O Estado procurou ontem as assessorias da Presidência e da ministra Dilma, mas recebeu a informação de que o Palácio do Planalto não comentaria o comercial.’


 


 


LIBERDADE DE IMPRENSA


Moacir Assunção


Supremo vai derrubar censura, diz advogado


‘O advogado e conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Jorge Eluf Neto afirmou não ter dúvidas de que o plenário do Supremo Tribunal Federal vai corrigir a censura sofrida pelo Estado desde 31 de julho. A mordaça foi imposta a partir de liminar obtida no Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) pelo empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).


‘Acredito que o STF vai se utilizar de uma prerrogativa aprovada recentemente na reforma do Judiciário e editar uma súmula vinculante para impedir que tribunais inferiores decretem a censura prévia, como neste caso’, previu.


Eluf disse que desde o início comentou o processo contra o Estado com o presidente do Conselho Federal da OAB, Cezar Britto, e com o presidente estadual da Ordem, Luiz Flávio Borges D’Urso. E manifestou inconformismo com a decisão do desembargador Dácio Vieira, do TJ-DF, depois afastado do caso e declarado suspeito por seus pares.


Na visão do conselheiro, os dois preceitos fundamentais presentes no caso – o direito à livre informação e opinião e o direito à intimidade – são importantes e não se chocam. ‘A Constituição prevê punições para eventuais abusos cometidos pela imprensa, que vão desde o direito de resposta ao pagamento de indenizações. O que não pode haver é a censura prévia.’ O advogado lembrou que a Constituição prevê a plena liberdade de imprensa.


‘A imprensa exerce um papel fundamental de informar à população e fiscalizar eventuais abusos nos órgãos públicos e não pode ter seu trabalho cerceado por quem quer que seja’, observou. Para ele, a própria imprensa pode estabelecer um princípio de autorregulamentação para casos semelhantes.


DEMOCRACIA


Apesar da censura contra o Estado e de outros casos de perseguição a jornais e jornalistas listados pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) no País, a democracia não corre riscos, na opinião do conselheiro da OAB. ‘Nossas instituições são sólidas.’ Fernando Sarney foi investigado por vários crimes e indiciado pela Polícia Federal.’


 


 


POLÊMICA


Roberta Pennafort


Ministro da Cultura afirma que jornalistas são pagos para mentir


‘O ministro da Cultura, Juca Ferreira, atacou a imprensa, dizendo que os jornalistas ‘são pagos para mentir’. A reação ocorreu durante o anúncio do Programa BNDES para o Desenvolvimento da Economia da Cultura (Procult), pelo qual será destinado R$ 1 bilhão para projetos culturais, até 2012.


Os representantes do setor que foram à sede do BNDES na manhã de quarta-feira prestigiar a iniciativa se depararam com outra discussão: a impressão, pelo Ministério da Cultura, de um panfleto dirigido a eleitores, com uma lista de mais de 300 parlamentares que votam favoravelmente às iniciativas da pasta.


Logo depois do anúncio, feito pelo diretor de Inclusão Social e Crédito do BNDES, Elvio Gaspar, o ministro foi questionado sobre o folheto, mas respondeu que preferia falar sobre o Procult. Quando os repórteres insistiram, Ferreira, que no dia anterior havia negado que o panfleto houvesse sido impresso pelo ministério, esclareceu que se trata de uma lista com nomes de vários partidos, e não só da base aliada. A listagem tem deputados de todo o País, de partidos como PT, PSDB, PP, PV, PMDB, DEM e PDT.


Irritado com as perguntas, o ministro disse que foi desrespeitado pela imprensa na cobertura do caso do panfleto, ressaltando que sua reação foi normal. ‘Meu pinto, meu coração, meu estômago e meu cérebro é uma linha só. Não sou um cara fragmentado, entendeu? Fui desrespeitado pela imprensa, que reverberou sem investigar, e por dois ou três parlamentares. É um trabalho suprapartidário. Não trabalho com esse critério, a cultura é muito mais ampla do que a política.’


Ontem, o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) declarou ser ‘inaceitável’ a forma como o ministro falou da imprensa e de parlamentares, reclamando dos termos ‘chulos’.


A reportagem do Estado procurou o ministro da Cultura, mas sua assessoria informou que, por causa de compromissos assumidos em Ilhéus (BA), na abertura da 3ª Conferência Nacional de Cultura, ele não poderia falar com a imprensa no dia.


O prefeito do Rio, Eduardo Paes, considerou o episódio do folder como caso de ‘pressão legítima’ da sociedade sobre o Congresso. ‘E é assim que se faz no Brasil. O Congresso funciona sob pressão, uma pressão saudável, as pessoas se mobilizando’, afirmou. ‘Portanto, ministro Juca, eu quero, como prefeito da cidade mais cultural do Brasil, me unir a vossa excelência nessa pressão legítima que se faz sobre os parlamentares para que nós possamos ter aprovadas nossas iniciativas culturais.’


CONOTAÇÃO


O presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio, Eduardo Barata, assim como a presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livro, Sônia Machado Jardim, concordam que é importante para o eleitor interessado na área cultural saber a posição dos parlamentares sobre a questão.


Como não viram o folheto, não quiseram falar especificamente sobre seu conteúdo. Barata, no entanto, ressalvou que é preciso ter cuidado para que eleitores ingênuos não sejam manipulados. ‘Mas não acredito que tenha tido conotação eleitoral’, disse.


‘Não sei se era propaganda política. Estou num setor que tem tão pouco recurso, que a gente deve buscar quem tenha uma plataforma que possa ajudar’, afirmou Sônia, vice-presidente de operações da editora Record. ‘Os deputados, senadores e vereadores em quem eu voto devem ter alguma coerência com meu pensamento.’


Além do setor teatral e editorial, o cinematográfico também estava representado no BNDES. O Procult vai aceitar propostas também nas áreas de patrimônio histórico, música, jogos eletrônicos e dança.


Colaborou Jotabê Medeiros’


 


 


Moacir Assunção


ANJ e Fenaj rebatem declaração de Juca Ferreira


‘Associações que representam jornais e jornalistas reagiram duramente à declaração do ministro da Cultura, Juca Ferreira, segundo a qual ‘os jornalistas são pagos para mentir’. O diretor executivo da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira, rebateu: ‘Repórteres são remunerados para apurar e investigar notícias, em busca de informações, a serviço da sociedade. Nos surpreende a declaração de uma autoridade que está à frente da pasta da Cultura.’


Por sua vez, o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo, se declarou indignado e exigiu que o ministro pedisse desculpas aos jornalistas e à imprensa enquanto instituição. ‘Acredito que a frase, absolutamente infeliz, é fruto de um momento de tensão, mas ofende a toda uma categoria. Acho que uma retratação do ministro colocaria a questão na dimensão que ela realmente tem’, comentou.


A polêmica declaração de Ferreira foi feita anteontem no Rio, quando ele participava do lançamento do novo formato do programa de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à cultura. Questionado pelos jornalistas por que o ministério publicou um folder com os nomes de mais de 300 deputados que, supostamente, defendem a cultura, Ferreira atribuiu a reação da oposição à ministra Dilma Rousseff, pré-candidata do PT ao Planalto.’


 


 


DEPRESSÃO


Antonio Gonçalves Filho


O retrato da América dos deserdados


‘Concebida como uma trilogia, a saga de três famílias de colonos norte-americanos durante a Grande Depressão acabou reduzida a um único volume que, 68 anos após seu lançamento nos EUA, chega hoje à livrarias brasileiras, Elogiemos os Homens Ilustres (Companhia das Letras, tradução de Caetano Waldrigues Galindo, 456 págs., R$ 62), de James Rufus Agee (1909-1955), precedido de um debate no Masp (veja ficha técnica abaixo). Participam da conversa Matinas Suzuki Jr., coordenador da coleção Jornalismo Literário da Companhia das Letras, o fotógrafo João Musa e o crítico literário Samuel Titan Jr. No mesmo Masp estão expostas as fotos de Walker Evans (1903-1975), parceiro de Agee nesse projeto que documentou o cotidiano de meeiros pobres do Alabama, em 1936, a serviço do New Deal, programa desenvolvido durante o governo do presidente Franklin Delano Roosevelt para ajudar os menos favorecidos e recuperar a economia americana, abalada com a quebra da Bolsa em 1929.


O título da obra de Agee e Evans, Elogiemos os Homens Ilustres, inspirado numa passagem do livro bíblico Eclesiastes, evoca a lembrança de homens que ganharam nome por seus feitos e exerceram autoridade real na comunidade em que viveram. Não é por ironia que Agee cita a passagem do livro sapencial, mas por acreditar que essas três famílias de despossuídos, apresentadas com nomes trocados em seu livro, seriam lembradas no futuro por terem enfrentado a pior crise da história americana. São elas a família Woods (pseudônimo do clã Tengles), que vivia com U$ 150 por ano durante a Depressão, os Gudgers (ou Burroughs), que ganhavam ainda menos, e os Ricketts (Fields, na vida real), que chegaram a ter dez vacas e as perderam para pagar dívidas e custear as doenças e os enterros da família.


O relato da convivência de James Agee e Walker Evans com essas três famílias, durante oito semanas do verão de 1936, extrapola os limites do jornalismo convencional. Agee sentia falta de poesia e alucinação nas páginas dos jornais. Considerava os jornalistas da época convencionais, reféns de clichês e incapazes de incorporar os ensinamentos da literatura em seus textos. Agee, que foi para o Alabama como repórter da Fortune, não conseguiu convencer os editores da revista com seus argumentos. Amargou a recusa de sua reportagem e, ao tentar publicá-la em livro, em 1939, não teve melhor sorte, cedendo, finalmente, aos editores em 1941, ao aceitar o corte de alguns palavrões. Vendeu apenas 600 exemplares.


O livro, apesar disso, foi ganhando leitores desde a segunda edição americana, em 1961, tornando-se um clássico do jornalismo literário. A edição brasileira conserva as mesmas características do original americano. Abre com uma sequência de 62 fotos de Walker Evans, retratando as famílias de colonos e o meio em que viveram. Detalhe: não trazem legendas. Evans acreditava que suas imagens dispensavam maiores explicações, justificando a edição das fotos separadas do texto de Agee e a ausência de identificação – os rostos marcados dos colonos representavam, afinal, o de todos os deserdados da América, especialmente do sul dos EUA.


Evans chama a atenção, no prefácio, para a cristandade de Agee – ainda que fosse o ‘resíduo deteriorado’ de um sentimento piedoso pelos humilhados e ofendidos. Muitas das passagens cortadas por Agee, segundo ele, eram hilárias, mas não cabiam no ambicioso projeto do jornalista, disposto a criar algo épico, capaz de rivalizar com Pastagens do Céu (1932), de Steinbeck, um dos possíveis modelos do repórter, que depois viria a se tornar um influente crítico e roteirista de cinema (é dele o roteiro de Uma Aventura na África, de John Huston, e O Mensageiro do Diabo, de Charles Laughton).


Elogiemos os Homens Ilustres antecipa algumas das suas soluções cinematográficas, como os cortes abruptos num livro híbrido que mistura ensaio sociológico com estudo antropológico e prosa poética, ao descrever minuciosamente o ambiente das casas dos colonos Alabama, os odores rançosos em seus cômodos e a relação panteísta dos agricultores com o mundo que os cerca. Em certos momentos, Agee confronta o leitor e o força a seguir um roteiro crítico em que sobram adjetivos pouco confortáveis para ele e o parceiro Evans. Para o leitor, porque está diante de famílias que inspiram pena e posavam cheias de fúria. Para Evans, porque obrigou essas pessoas a se expor diante de uma câmera fria, incapaz de absorver o longo e interminável drama da miséria.


Serviço


Elogiemos os Homens Ilustres – Hoje, 18 h, debate sobre o livro de James Agee no Masp. Av. Paulista, 1.578. Grátis’


 


 


TELEVISÃO


Keila Jimenez


Marcas confinadas


‘Cremes, panelas, xampu, comida para cachorro: para onde se olha em A Fazenda, da Record, há uma marca de plantão. Tanto é que a segunda edição do confinamento de famosos praticamente dobrou o número de merchandisings do programa, em relação à primeira edição.


Segundo levantamento da Controle da Concorrência, empresa que monitora inserções comerciais para o mercado publicitário, em sua primeira semana no ar (de 15 a 21 de novembro), A Fazenda 2 teve um total de 59 inserções de merchandising, ante 39 inserções na primeira edição do reality, que estreou em 31 de maio.


A maioria dessas ações (31) foi por estímulo visual, em que o produto aparece dentro da casa sem qualquer citação da marca.


Somadas, as ações com testemunhal – em que uma pessoa fala sobre o produto, deram 21, a maioria delas, de produtos da Record. Nesse período, os merchandisings de ação integrada, como as provas do programa que envolvem de alguma forma o anunciante, foram apenas sete, mas tendem a aumentar, pois esse tipo de merchandising tem grande exposição e interessa aos anunciantes de realities.’


 


 


 


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