Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As teles vão às compras

A compra, nos últimos dias, de duas operadoras de TV por assinatura por empresas de telefonia fixa inicia uma revolução no mercado de televisão paga, que envolve com seus tentáculos a televisão aberta. Além disso, instala um processo reverso no quadro da convergência de tecnologias: até agora foram as operadoras de TV por assinatura que se meteram no negócio da telefonia; a inevitável inversão desse panorama gera uma perplexidade anunciada e abre uma crise que já se antecipava há algum tempo.


Os negócios efetuados foram a compra da Way TV pela Telemar e a compra da TVA, pela Telefonica.


A Way TV é uma pequena operadora de TV por assinatura em Minas Gerais, que tem 26% do mercado em Belo Horizonte e apenas 1% do mercado nacional. Passará a se chamar Oi TV e marca o início não apenas da entrada de telefônicas no negócio de TV por assinatura, mas da oferta de uma gama de serviços diferenciada pelas operadoras. A empresa optou pela tecnologia IPTV (análoga à web TV, mas distribuída numa banda muito larga), com a qual pode deixar com que o usuário personalize sua grade de programação, assista a qualquer programa na hora que quiser, compre filmes instantaneamente, interrompa e recomece o programa a qualquer momento e navegue na internet enquanto assiste televisão.


A Telemar quer, no primeiro momento, levar a Oi TV para toda a área atendida pela operadora em Belo Horizonte (cerca de 1,3 milhão de residências). A ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura) reagiu. Seu diretor-executivo, Alexandre Annemberg, considerou que ‘a entrada de uma tele no serviço de TV paga coloca em risco o equilíbrio competitivo do setor’. O ministro Helio Costa, no entanto, disse que o negócio é viável, pois não entra em conflito com a Lei Geral de Telecomunicações.


Tecnologia emergente


No domingo (29/10), enquanto se apurava os votos das eleições, a Telefonica confirmou a compra da TVA, num negócio bem maior, numa operação mais complexa, de implicações imediatas mais extensas, mas com idêntico significado. A Telefonica vai ficar com 100% das operações via microondas de rádio (MMDS), as quais não enfrentam restrição ao capital estrangeiro. No que diz respeito às operações por cabo, o grupo vai assumir os 49% permitidos pela lei, ficando com 19,9% das operações em São Paulo em função das restrições do seu próprio contrato de concessão.


A ABTA considerou ilegal a concessionária explorar o serviço no estado de São Paulo, onde detém concessão para a telefonia fixa. No seu comunicado, a associação afirma que ‘a entrada de um monopolista local com uma rede capilarizada e um potencial bem maior do que todo o setor de TV por assinatura coloca em risco o equilíbrio competitivo do mercado e o poder de escolha que sempre foi ofertado ao consumidor final’.


A TVA se disse ‘estarrecida’ com essa reação e ameaçou deixar a entidade. Esse é apenas o início da polêmica. O presidente da NET, Francisco Valim, disparou que a compra ‘é um ato de concentração que chega a ser ofensivo’, o que provocou a reação do presidente da Abril, Roberto Civita: ‘Isso é conversa de concorrente irritado’. Não se deve esquecer que a mexicana Telmex, dona da Embratel, participa do controle da NET (ao lado das organizações Globo), que há menos de um mês comprou a Vivax, uma operadora de médio porte, e é uma das principais concorrentes internacionais da Telefonica no mercado de telefonia.


A compra da TVA é estimada pelo mercado em 1 bilhão de reais. Com isso, a Telefonica estará habilitada a fazer o triple-play (oferta integrada de serviços de voz, dados e vídeo), que já é feito pela NET (NET TV, Virtua, NET Fone). Muitos setores do mercado acreditam ainda que uma das estratégias mais importantes é utilizar a faixa de 2,5 GHz alocada para serviços de MMDS (e utilizada pela TVA) para prover todos esses serviços por uma tecnologia emergente, o WiMax, que deverá estar operacional em 2008.


O WiMax (que para simples efeito de analogia pode ser visto como um WiFi com alcance de 30 quilômetros), e em especial o WiMax móvel, é uma tecnologia em rápido crescimento, na qual empresas como a Intel e a News Corp (de Rupert Murdoch) estão investindo cada uma mais de 2 bilhões de dólares.


Jogo pesado


Movimentos como os que estão acontecendo agora mostram que a televisão dos próximos anos estará irremediavelmente sendo distribuída também em forma de IPTV, WiMax e tecnologias estranhas às formas tradicionais de distribuição (cabo, MMDS, satélite, VHF/UHF/ISDB-digital terrestre).


Isso implica uma nova lógica de construção e distribuição de conteúdo. Não se deve minimizar o fato de que a mais valiosa TV via internet do planeta, a YouTube, que acaba de ser vendida para a Google por 1,6 bilhão de dólares, simplesmente não produz um só frame. Todo o seu conteúdo é produzido pelo usuário, o que acontece também com alguns dos mais valiosos sites existentes na rede – como o Orkut e a Wikipedia, entre outros.


Produção de conteúdo, distribuição de entretenimento, serviços. O business da televisão agora é tudo, menos monolítico. A entrada das teles no negócio de televisão é irreversível, como é inevitável a modernização de legislações que foram feitas antes da internet, muito antes de bits e bytes, muitíssimo antes que telecomunicações e radiodifusão, e que telefonia, transmissão de voz e dados se tornassem uma coisa só.


O que temos pela frente não é apenas uma grande mexida nos modelos de exploração e nos players do negócio televisão. O que nos espera antes da próxima Copa do Mundo são várias televisões que se complementam. Televisão feita para receptores móveis, portáteis, televisão personalizada, interativa e certamente desmassificada. Televisão cujo conteúdo será uma decorrência direta da tecnologia de distribuição.


Cada parte vê na concorrente uma ameaça concentracionista. É um jogo pesado, cujos vencedores serão os grandes conglomerados – mas cujo desenrolar já começa a modificar visceralmente o que hoje se conhece por televisão.

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Jornalista