Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Desinformação e jogo de interesses

Mais uma vez a grande mídia conservadora utiliza a velha estratégia da mentira divulgada várias vezes até finalmente virar uma verdade. No caso mais recente em termos de política internacional, bastou a secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice passar dois dias em Brasília, fazendo críticas contra o presidente constitucional e democrático da Venezuela, Hugo Chávez Frias, para que jornais, rádios e TVs seguissem a trilha da infâmia.

Até mesmo a Tribuna da Imprensa teve uma recaída, que remonta os tempos do lacerdismo pró-Estados Unidos, com a manchete ‘Chávez provoca Estados Unidos e faz acordo com Fidel’. A editoria Internacional reproduziu mecanicamente o que as agências de notícias, nacionais ou internacionais, reproduziram ao longo dos dias.

O jornal da rua do Lavradio adotou a mesma linha da revista Veja, sabidamente pautada pela CIA e Departamento de Estado. Na edição que teve como capa o presidente Chávez, a Veja deu o maior espaço para Condoleezza, na base do convescote – ou seja, com perguntas formuladas de forma a favorecer a secretária de Estado. Esta é a costumeira técnica da revista Veja: aos amigos tudo, aos inimigos a mentira e a manipulação, de forma a favorecer os amigos da casa.

A TV Globo não mudou a rotina dos seus 40 anos de existência, manipulando informação, mentindo e tentando formar opinião de acordo com os interesses econômicos que defende, que podem ser tanto os de Washington como os do grande capital nacional associado.

A longa tradição de manipulação da Globo, golpista por excelência, repete o que tem feito nos últimos anos em relação à Venezuela. Quem não se lembra de abril de 2002, quando a âncora Renato Machado, no Bom dia Brasil, bateu o recorde em matéria de jornalismo parcial (e isso numa emissora que destaca, a todo o momento, a sua imparcialidade), chegando até a saudar a queda de Hugo Chávez. Mas acabou tendo de se curvar, naturalmente a contragosto, à realidade da volta do presidente venezuelano nos braços do povo.

Assim funciona, vale assinalar, tal ‘fábrica de realidade’, para usar uma expressão do todo-poderoso sucessor Roberto Irineu Marinho. Esta mesma ‘fábrica’ usa o único panfletário a favor existente no mundo, Arnaldo Jabor, para desancar, a todo o momento, contra Chávez e, de quebra, contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Contra este último, Jabor chega a se superar, como tem feito nos últimos dias em suas críticas em função da marcha de 12 mil brasileiros, de Goiânia a Brasília, para cobrar promessas feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Jabor, a serviço pode-se imaginar de quem, não perdoa o movimento social que luta por seus direitos atrasados há pelo menos 150 anos.

Os veículos que desinformam

O brasileiro médio informando-se pela TV Globo, lendo semanalmente a Veja ou diariamente O Globo, terá a seu dispor meias verdades, informações mentirosas e deturpadas. Nesse sentido, desta vez o recorde em termos de desinformação e manipulação fica por conta da jornalista Miriam Leitão, com uma coluna diária de economia, que visivelmente defende poderosos interesses econômicos.

Da mesma forma que o esquema Veja, a colunista, demonstrando fidelidade extrema à pauta de Condoleezza, mentiu de forma primária, contando com a memória curta dos leitores ou mesmo a desinformação, ao afirmar, entre outras coisas, que ‘Chávez dissolveu o Congresso’ etc e tal. A partir desta e de outras informações, também mentirosas, a colunista prosseguiu em suas ‘análises’ sobre o governo da Venezuela, partindo, como foi visto, de premissas falsas.

Em outro trecho de suas observações, para enganar os desavisados, Miriam Leitão acusava Chávez de usar a técnica das ‘ditaduras populistas, enfraquecendo partidos e estabelecendo relação direta com as massas’. Foram apresentadas ainda outras mentiras deslavadas, que não resistem à menor análise, como, por exemplo, a de que ‘Chávez dividiu o seu país de uma forma dramática e talvez irreversível’. A jornalista não poupou o presidente venezuelano pelo fato de que em ‘um raro bom momento econômico, [Chávez] distribuiu dinheiro da estatal de petróleo em campanhas populistas e assim venceu o plebiscito’.

Ora, seguindo a catilinária neoliberal do senso comum, Miriam Leitão, como outros colunistas da mesma linha, entende que distribuir renda significa fazer ‘campanhas populistas’.

Desconhecimento da realidade venezuelana

Revelando profundo desconhecimento da realidade venezuelana, a colunista do Globo acusa Chávez de ter enfraquecido os partidos de oposição, esquecendo-se – ou, na verdade, omitindo – o fato de a Ação Democrática, o partido social democrata venezuelano, e os social-cristãos, agrupados no Copei, se esgotaram por si sós – isso depois de governarem o país, em sistema de revezamento, por 40 anos.

Miriam Leitão preferiu omitir o fato de ambos os partidos terem sido os responsáveis por um sistema corrupto e que manteve o povo alijado de qualquer iniciativa que levasse a combater as desigualdades sociais. Pelo visto, democracia para a colunista é o que acontecia antes de Chávez na Venezuela.

Miriam Leitão, apesar de ser considerada uma especialista em questões econômicas, omitiu o fato de que as divisas do petróleo antes de 1998, isto é, antes da eleição de Chávez, iam para o bolso de poucos privilegiados, que usufruíam os benefícios da venda da matéria-prima.

Dois dos baluartes do sistema anterior foram os ex-presidentes Carlos Andrés Pérez e Jaime Lusinchi, social-democratas. Ambos estão foragidos da Justiça venezuelana e se voltarem ao país terão de responder por desvios do erário público. É esta a democracia, na verdade entre aspas, que as senhoras Condoleezza Rice e Miriam Leitão querem para o continente latino-americano. Se, porventura, algum governante não aceitar esses preceitos, será pressionado e desestabilizado, ou mesmo condenado à morte, como aconteceu em alguns casos.

Se a colunista do Globo não sabe, Chávez nunca dissolveu Congresso algum, muito pelo contrário. Uma de suas promessas de campanha, que o elegeu em 1998, foi em favor de uma Assembléia Constituinte. Tudo o que foi feito em matéria de mudanças recebeu o aval do povo, através de referendos. A Venezuela, isto sim, aprofundou o processo de democracia participativa e estabeleceu que o ocupante de qualquer cargo eletivo, inclusive o presidente da República, ficasse sujeito à perda do mandato, bastando para tanto que um número determinado de eleitores (20% dos votantes) firmasse uma petição nesse sentido.

Qual a Constituição no mundo que estabelece essa norma? Será que Miriam Leitão responde a essa pergunta? É possível que já tenha respondido, pois uma consagrada colunista de economia que se empenhou em ser repórter de rua da TV Globo, sob um sol escaldante, no centro de Caracas, para fazer o jogo dos golpistas que arrancaram Chávez do poder por 47 horas, já disse, clara e sinceramente, a que veio.

Por essas e muitas outras, tanto em matérias nacionais como nas internacionais, que a opinião pública brasileira está cada vez mais sujeita a ‘fábricas de realidades’ ao estilo Globo – que levam os telespectadores, ouvintes e leitores a serem enganados diariamente com meias verdades ou mentiras deslavadas.

Para combater essa desonestidade jornalística a serviço de interesses espúrios, está na hora de o movimento social e popular criar um ombudsman (ouvidor) da mídia, que agiria como fiscal da opinião pública para mostrar como colunistas colonizados repetem mentiras com o visível intuito de que virem verdades. Se esse mecanismo funcionar de fato, esses escribas talvez pensem duas vezes antes de fazer mau jornalismo, isto é, passar informações erradas para a sociedade.

Temor da concorrência

Ah, sim: Miriam Leitão & Condoleezza Rice e outros colunistas ou chefetes do gênero não aceitam a adoção na Venezuela, ou onde quer que seja, da Lei de Responsabilidade Social da Mídia, aprovada pelo Legislativo que, entre outras coisas, regula os horários de programações para crianças. Preferem que a mídia conservadora, que substituiu os partidos políticos ultrapassados pelos acontecimentos, desinforme ou chegue ao ponto de, impunemente, por exemplo, elaborar horóscopos do tipo ‘hoje é um bom dia para derrubar o presidente Chávez’, como acontecia na Venezuela.

Não informam que na Venezuela, agora, a imprensa alternativa, as rádios e televisões comunitárias são uma realidade que se contrapõe ao esquema tradicional dos barões da mídia, como Gustavo Cisneros, que sempre teve o poder absoluto da informação com publicações do gênero Veja ou canais de rádio e televisão que, como a Globo, ‘fabricam realidades’.

O fortalecimento da imprensa alternativa venezuelana, como não poderia deixar de ser, desagrada os grandes proprietários de órgãos da imprensa, os mesmos que, em todo a América Latina, defendem interesses poderosos, mas se enfurecem ao se sentirem ameaçados pela concorrência – como acontece no país governado por Hugo Chávez – com a consolidação e crescimento de canais informativos fora do padrão dos barões da mídia.

Esses grandes proprietários de veículos de comunicação ignoram os preceitos de Umberto Eco, um pensador italiano contemporâneo que dispensa apresentação, que entende que um país só pode ser considerado democrático quando todos os setores sociais têm vez e voz em pé de igualdade.

Em que país da América Latina isso acontece? Com a palavra os senhores comunicólogos.

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Jornalista