Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Transparência da própria imprensa

Por trás do debate sobre a criação – ou não, como casualmente querem todos os donos da mídia no país – do Conselho Federal de Jornalismo esconde-se outra luta. Mais básica, mais ampla e mais importante. Trata-se, na verdade, de um novo capítulo na luta para fechar toda e qualquer possibilidade de regulamentação e normatização de atividades empresariais do país, não permitindo qualquer interdito ou crítica à liberadérrima ação do capital, em qualquer setor. É também uma frente na batalha para desregulamentar o que há décadas tem sua própria legislação (e correspondentes conquistas trabalhistas). Tudo agravado pelo fato de tratar-se, agora, da todo-poderosa indústria de informação e entretenimento.

É o que se vê, por sinal, no ataque sistemático da grande mídia, capitaneado pela Folha de S.Paulo, contra a exigência do diploma de Jornalismo/Comunicação Social para o exercício profissional.

Na mesma levada insere-se o bombardeio de críticas contra o projeto – ou anteprojeto – de criação da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual). A argumentação é a mesma de sempre: ‘Volta da censura’, ‘controle sobre a criação’, ‘afronta à liberdade’ etc. Mas quando se sabe que alguns dos setores que mais batem nesta tecla foram precisamente os que muitíssimo lucraram durante a longa ditadura militar brasileira (então convivendo com real censura), fica-se em dúvida. Deve-se rir?

Mas não: eles realmente não estão para brincadeira, e apostam na ignorância das novas gerações sobre a era ditatorial e no avassalador poder da mídia para formar opiniões e consensos, de tanto repetir a mesma ladainha.

Vejamos quem – da classe artística do audiovisual – mostra radical oposição até mesmo à discussão detalhada do projeto. O clã Barreto, Cacá Diegues, Hector Babenco… Nomes importantes, sem dúvida, que há décadas vêm ficando com a maior parte das verbas destinadas ao setor, num sistema que hoje tem seu parâmetro na Globofilmes… Portanto, aqui, é mais fácil identificar o objetivo primeiro desta oposição: desqualificar a idéia de mexer em ‘time que está ganhando’ (o time deles – enquanto os demais produtores e diretores brasileiros ficam do lado de fora do estádio, jogando e fazendo seus filmes na várzea da pobreza).

Chega de ‘caixa-preta’

E o Conselho Federal de Jornalismo? Pois uma série de episódios recentes – como a notícia do caso Ibsen-VejaIstoÉ, para ficar só num exemplo – mostra o quanto se manipula a informação neste país, e como a ética mais comezinha da profissão é jogada quotidianamente na lata do lixo. O presidente Lula errou aos chamar os jornalistas brasileiros de ‘covardes’, por não defenderem o projeto do CFJ. Os covardes são poucos, a maioria é simplesmente alienada a respeito da própria profissão – e termina papagaiando o discurso dos colunistas bem-remunerados que defendem o status quo da concentradíssima mídia brasileira.

Sobram exemplos mostrando que o Conselho é importante, necessário e vai ajudar a melhoria das relações entre mídia e sociedade no Brasil, no sentido de haver regras mais claras e honestas. Se o anteprojeto têm cláusulas equivocadas ou de viés autoritário, que sejam discutidas, corrigidas ou mesmo eliminadas (elas, não o Conselho).

E já aproveito para sugerir uma pauta ao futuro CFJ: investigue e responda por que os problemas dos profissionais do jornalismo – como baixos salários, más condições de trabalho, excesso de carga horária, exploração etc. – não chegam ao conhecimento da população, através da própria mídia? Afinal, os jornalistas noticiam as demandas de todos os setores sociais, mas – como numa canção de Chico Buarque – pode-se dizer que ‘a dor da gente não sai no jornal’.

Está na hora de começar a sair. Chega de ‘caixa-preta’ no mundo da imprensa, que costuma exigir ‘transparência’ de todos os demais setores sociais. Mas não para si mesma.

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Jornalista e escritor em Porto Alegre