Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Acesso à mídia e contexto social influenciam momento em que o câncer de mama é diagnosticado

(Foto: marijana1 – Pixabay)

Uma inquietude acompanha o jornalista preocupado em exercer o seu ofício com correção e seriedade. Aquilo que levamos à sociedade está, de fato, impactando positivamente a vida das pessoas? Essa pergunta ganha um tom especial quando a missão é difundir informação de qualidade sobre o câncer de mama, que, depois do câncer de pele não-melanoma, é o mais comum entre as mulheres, com quase 60 mil novos casos anuais, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA).

Com o objetivo de responder a essa indagação, que me intrigava enquanto assessor de imprensa do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, ingressei em 2013 no programa de pós-graduação desta instituição, que é uma importante referência em oncologia. Quase dois anos depois, a minha dissertação mostrava que faltava evidência científica na cobertura jornalística, que havia um excesso de discurso otimista, que a ocorrência de câncer em uma celebridade altera a agenda jornalística sobre a doença e que o câncer de mama é, não apenas durante o Outubro Rosa, o tipo de câncer mais abordado pela mídia.

Essa última conclusão me motivou a definir o câncer de mama como objeto de estudo no doutorado, iniciado em 2016, sendo que o título da tese foi definido como “Influência da mídia no diagnóstico de câncer de mama por estádio clínico”. Uma pergunta que visava respostas que aliviassem a inquietude descrita no primeiro parágrafo.

E as respostas vieram. Uma delas mostra que a chance de descobrir a doença em fase mais inicial é cerca de duas vezes maior entre as pacientes que assistem a programas de televisão que dedicam boa parte da programação aos temas de saúde e médicos. Por sua vez, o maior exemplo deste gênero, que é o Bem Estar, da TV Globo, perdeu o status de programa fixo/diário para se tornar um quadro de programas matutinos da emissora, como o Encontro com Fátima Bernardes e o É de Casa, deixando o núcleo de jornalismo e passando a figurar no entretenimento.

Como foi feita a pesquisa

A estratégia definida foi elaborar um questionário que perguntasse a mulheres diagnosticadas com câncer de mama qual era a relação delas com os meios de comunicação, assim como se transcorria o acesso às campanhas de conscientização sobre câncer de mama. Entre 2017 e 2019, foram entrevistadas 607 mulheres portadoras de câncer de mama com idade de 30 a 74 anos, sem história prévia pessoal ou familiar de primeiro grau de câncer. O questionário foi aplicado exclusivamente com pacientes do A.C.Camargo, e, portanto, não reflete a realidade do país, mas traz o cenário de uma instituição relevante.

Houve a preocupação em não atribuir à mídia todo o peso do resultado que a pesquisa traria. Para tanto, o questionário trouxe questões que avaliaram o contexto social em que as pacientes da amostra estão inseridas. Levantamos os dados sobre escolaridade, etnia autoatribuída e acesso ao serviço por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) ou pelo sistema privado. Dois terços das pacientes entrevistadas estavam em tratamento pelo sistema privado e um terço eram pacientes do SUS. Foram avaliados também, de acordo com o perfil de acesso à informação e o nível socioeconômico, os gargalos relacionados com o acesso à mamografia, que é o exame capaz de identificar lesões bem iniciais, quando ainda não são palpáveis.

Estamos no sentido certo

O estudo mostrou que a mídia e as campanhas de conscientização sobre câncer de mama aumentam a chance de a doença ser diagnosticada em estágio mais inicial, quando é maior a chance de sucesso do tratamento. Quando beneficiada pelo diagnóstico precoce, a paciente com câncer de mama tem mais de 90% de chance de cura.

Na amostra de 607 pacientes, observamos, após análise por regressão logística (técnica estatística que separa variáveis para analisá-las isoladamente), que as pacientes diagnosticadas com câncer de mama até os 40 anos têm 2,7% mais riscos de descobrir a doença em fase mais avançada (tumores T3 e T4). Também vimos que o risco de tumor avançado é 1,6 vezes maior para as pacientes do SUS e 1,8 vezes maior entre as pacientes que não conseguiram realizar a mamografia todas as vezes que o exame foi solicitado pelo médico.

Esses são alguns dos dados que nos permitiram concluir que o melhor acesso à informação qualificada pela mídia e pelas campanhas de conscientização sobre câncer e mama, como o Outubro Rosa, reflete em mais oportunidades de se chegar ao diagnóstico precoce. São números que demandam uma reflexão sobre o quão urgente é proporcionar maior grau de escolaridade, acesso à informação qualificada e outros elementos necessários para otimizar o entendimento sobre o câncer de mama de tal forma que impulsione a prevenção e o acesso ao diagnóstico precoce.

Há muito a caminhar

Embora estejamos no caminho certo, há muito a caminhar. O abismo social do país está refletido também no combate ao câncer de mama. O estudo mostrou que o perfil de acesso às fontes de informação das mulheres com câncer de mama varia de acordo com a faixa etária e nível de instrução e contexto cultural e socioeconômico. Com isso, dentro desta amostra com pacientes do A.C.Camargo, temos dois perfis bem estabelecidos.

De um lado, as pacientes do SUS que, predominantemente, são solteiras, pardas, com grau de instrução entre o primário e o ensino médio e maior risco de tumor mais avançado, T3/T4. Do outro lado, o perfil predominante entre as pacientes de convênio/particular é ser casada, branca, grau de instrução superior (graduação e pós-graduação) e maior chance de tumor T1/T2.

A discrepância quanto ao acesso pelo SUS e sistema privado foi demonstrada também em outros aspectos. Vimos que as pacientes da amostra que acessaram o serviço pelo convênio tiveram mais facilidade em realizar o exame de mamografia em todas as vezes que o médico solicitou, assim como maior conhecimento sobre outubro ser o mês de conscientização mundial sobre o câncer de mama e maior acesso a todos os meios de comunicação analisados (televisão, rádio, jornal impresso, revista impressa, internet, redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas).

A mídia que as pacientes consomem

O estudo mostrou que a internet é o veículo mais frequentemente consumido diariamente. Uma taxa de 83,9% das pacientes entrevistadas acessa a internet todos os dias. Na sequência, vêm televisão e rádio, meios que são consumidos diariamente por 81,2% e 38,4% da amostra. O jornal impresso é lido diariamente por 20,9% das pacientes e a taxa que nunca lê é de 60,8%. A revista impressa é lida diariamente por 5,6% das pacientes e 58,8% da amostra disseram que nunca leem.

A principal forma de acesso à internet entre as pacientes entrevistadas é pelo celular/smartphone. Isso ocorre em 89,6% dos casos. Entre as pacientes de convênio/particular, o acesso mobile ocorre em 92,6% da amostra e em 83,8% das pacientes do SUS. Ter contato com ao menos uma forma de mídia da rede social é realidade de 74,9% das pacientes. O acesso é maior entre as pacientes do sistema privado de saúde (78,2%) em comparação com as pacientes do SUS (68,5%). De acordo com a mostra, o Facebook é a mídia social de preferência de todas as faixas etárias. Instagram, Facebook e Linkedin são mídias sociais mais utilizadas pelas pacientes até 40 anos. O YouTube é mais utilizado pelas pacientes na faixa etária de 41 a 50 anos e os aplicativos de mensagens instantâneas são mais utilizados pelas mulheres até 40 anos e de acesso pelo convênio/particular. Observamos também que nove entre dez pacientes (91,3%) se comunicam por meio de aplicativos de mensagens.

Foram aplicadas questões abertas, que demandavam que cada participante indicasse até três nomes que vinham primeiro em sua mente de acordo com a pergunta feita. A primeira delas pediu que fossem citados até três nomes de programas de televisão que ela tivesse assistido, naquele ano, de qualquer tipo. O Jornal Nacional, da Rede Globo, foi o Top of Mind, sendo citado 128 vezes (21,1% da amostra). O Bem Estar, programa da mesma emissora, dedicado exclusivamente aos temas de saúde, veio na sequência, com 87 menções (14,3%). Dos dezoito programas mais citados, dez são da Rede Globo. O primeiro programa de outra emissora que aparece na lista é o Mulheres (20/3,2%), um programa do segmento feminino que é exibido pela TV Gazeta.

O conceito Top of Mind também foi utilizado para quantificar o impacto dos veículos da mídia impressa. Com menor penetração do que a televisão, o veículo impresso mais citado entre os impressos foi a revista Veja, lembrada 61 vezes (10,1%). A revista feminina Claudia veio na sequência, com dezesseis citações. Já a revista segmentada SAÚDE! foi a terceira mais lembrada (12/2,6%). Entre os jornais, o Top of Mind foi a Folha de S.Paulo, com 28 menções (4,7%). O Estado de S.Paulo recebeu onze citações (1,8%), seguido pelo Agora (4/0,6%) e O Globo (2/0,3%).

Entre os veículos online, a maior preocupação está para o esquecimento por parte da sociedade dos portais mais tradicionais. O G1 recebeu duas menções e o UOL foi citado uma vez. IG, Terra e R7, por exemplo, não foram citados. O Top of Mind foi o Google, mostrando que a procura por informações começa pelo buscador mais popular. Com base nessa informação, acreditamos ser muito importante que, por meio de SEO, as notícias baseadas em evidência científica apareçam no topo das buscas. Com isso, teriam mais visibilidade que as fake news.

Qual rota devemos seguir?

Sabendo que o abismo social em que vivemos no Brasil interfere diretamente no acesso à informação sobre câncer e, consequentemente, impacta também no acesso à oportunidade de se chegar ao diagnóstico de câncer de mama em uma fase mais precoce, devemos, enquanto formadores de opinião, fortalecer o discurso quanto ao acesso à mamografia como estratégia de rastreamento populacional de mulheres que não apresentam qualquer tipo de sintoma, a partir dos 40 anos, com repetição anual, que é o que preconiza a maioria das sociedades médicas, dentre elas a Sociedade Brasileira de Mastologia.

Ao se oferecer maior acesso ao diagnóstico precoce, é necessário investir na base social do país. Não podemos andar na contramão dos países desenvolvidos. É missão de todos empoderar as mulheres, proporcionando maior grau de escolaridade, maior acesso à informação qualificada e fornecendo os elementos necessários para que elas possam contrapor as fake news, que tanto alimentam mitos sobre o câncer de mama. Para que assim, elas reúnam elementos e sejam propagadoras das mensagens-chave que influenciam positivamente no diagnóstico de câncer de mama por estádio clínico.

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José de Moura Leite Netto é vice-presidente da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (Rede ComCiência). Graduado em jornalismo pelo Centro Universitário FIEO, pós-graduado em Comunicação Jornalística pela Cásper Líbero e mestre e doutor em oncologia pelo A.C.Camargo Cancer Center, onde atuou por onze anos como assessor de Comunicação. Atualmente, está na CDN Comunicação.

Criada em 2018, a Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RBJCC) visa aproximar os profissionais que trabalham nessa área, chamar a atenção para a importância de divulgar conteúdos relacionados à ciência e, de maneira geral, melhorar cada vez mais a qualidade do que é produzido e publicado sobre saúde, meio ambiente, física, astronomia, agronomia e demais temas dentro dessa editoria.