Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Repórter é

(Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

Entender que a reportagem é um gênero jornalístico privilegiado e se afirma com todos os percalços ainda na atualidade como o lugar por excelência da narração jornalística ao denunciar desmandos de governos e falcatruas empresariais;

Como diz o Zuenir: “Que os outros não me queiram mal, ou não me atirem pedras, mas se todos desaparecessem e só ficasse o repórter, o jornalismo continuaria vivo”;

Se desculpar ao Vinícius, aos editores e redatores, junto com o Clóvis Rossi, mas não deixar de dizer que repórter é fundamental: Certamente a única função pela qual vale a pena ser jornalista;

Lembrar que antigamente o bom profissional era aquele que saía para a rua com a caneta e um pedaço de papel e voltava trazendo uma notícia, uma história alegre ou triste que estivesse acontecendo naquele momento;

Poder testemunhar a história de todos os tempos e de cada tempo em si;

Algo paradoxal, pois é ao mesmo tempo a mais fácil e a mais difícil maneira de viver a vida;

Muito mais transpiração do que inspiração;

Gastar a vista lendo, lendo, lendo, de bulas de remédios aos clássicos, no intuito de descobrir tantos quantos forem os fatos relevantes, necessários a gerar boas pautas, ou informações mínimas que sirvam como ponto de partida para se buscar boas reportagens, geralmente calcadas em longas jornadas;

Ter como referência na formação, os textos de bons repórteres: Capote, Talese, Mailer, Reed, Walsh, Defoe, Hemingway, Abramo, Biondi, Brum, Couri, Kotscho, Braga, Silveira, Euclides da Cunha, e não tantos outros;

Entender que suas funções variam diante das situações históricas, econômicas, sociais e políticas;
Segundo Nilson Laje: “Processar dados com autonomia, habilidade e reatividade, uma competência humana que pode ser aprimorada pela educação e pelo exercício”;

Compreender que a reportagem é sempre uma ação transitiva e que como sujeito é preciso ao profissional manter contato imediato com todos os sentidos: o olhar, paladar, olfato, tato e a audição de quem não pode ver, gostar, cheirar, tocar e ouvir o acontecimento;

Não ser “recórter”, que segundo Licínio Neto é aquele sujeito pouco criativo que imita estilos de outros;

Ter persistência, curiosidade, tenacidade e interesse pelo que faz – e uma baita aptidão para se envolver com pessoas de todos os níveis e fatos os mais diversos possíveis – de crimes hediondos aos buracos de ruas;

Segundo Acácio Ramos: “aquele que pergunta”;

Saber que perguntar não é uma tarefa fácil. E que se a pergunta não for bem formulada pode ofender;

Fugir de perguntas cretinas como: “Você está otimista?” (diante de qualquer disputa); “Qual a sua maior esperança?” (para a mãe que procura um filho desaparecido); “O que mudou na sua vida?” (depois de ganhar algum prêmio ou de um grave acidente);

Lidar com os mais variados tipos de entrevistados como lista Nello Marques: o esgrima, o quiabo, o dedo leve, o sabonete etc.;

Perceber que existem alguns tipos que precisam ser evitados: o “crica”, o distraído, o empolado, o partidário, o sabe nada, o sabe tudo e por aí vai;

Ser capaz de organizar dados num tempo reduzido e apresentá-los para que o maior número de pessoas possa entendê-los;

Segundo Marcos Faerman: “Ter alma de repórter, alimentando-se do espírito de aventura, fascínio pela descoberta e pela história ainda não contada”;

Posicionar-se contrariamente aos macaquinhos chineses: ver, ouvir e contar – com enorme competência;

Segundo Audálio Dantas: “Ter uma certa dose de megalomania, na medida suficiente para acreditar na sua capacidade de mudar o mundo”;

Assumir-se como a figura humana mais característica do Jornalismo;

Segundo Clóvis Rossi: “Batalhar pela conquista das mentes e corações de seus alvos, leitores, telespectadores ou ouvintes para a causa da justiça social, ingrediente que jamais pode ser dissociado da democracia”;

Deslocar-se de um universo testemunhal – denotação contemplativa – para um universo instrumental – denotação operacional, com intensa desenvoltura;

Seguir os ensinamentos de Juarez Bahia: apurar e redigir com correção, veracidade, exatidão e credibilidade;

Entender que uma boa reportagem é fruto de uma observação cuidadosa, como orienta Cláudio Abramo;

Ter clareza de que o mais importante é a notícia, não o jornalista;

Assumir que o rigor na apuração dos fatos é determinante para a qualidade de qualquer trabalho jornalístico;

Trabalhar em equipe;

Observar o conselho de Heródoto Barbeiro: “Ser criterioso com as matérias técnicas, pois o excesso de dados pode confundir o ouvinte ou telespectador que não vai ter chance de ouvir ou ver a reportagem novamente”;

Não tratar com humor e humilhação o sofrimento das pessoas;

Não julgar os entrevistados nem querer mudar comportamentos;

Compreender que a fonte é imprescindível, mas a prática do “fontismo” deve ser descartada;

Buscar a forma mais simples, mas não simplória, de levar a informação ao público;

Batalhar sempre pela verdade, embora muitas vezes não se saiba o que ela é nem onde está;

Balizar seus procedimentos diários pelo Código de Ética vigente;

Participar, se organizar, reivindicar. Bradar sempre: Uni-vos!;

Não deixar de ler as experiências contidas no livro “Repórteres”, organizado por Audálio Dantas e publicado pela editora Senac;

Não esquecer de comemorar o dia 16 de fevereiro último, apesar de todos os pesares. De preferência, “tomando uns goles” ou “entornando uns copos” infelizmente longe de um pé-sujo mais próximo por conta da pandemia, mas em casa cobrando a chegada da vacina o mais rápido possível e mandando aquele #ForaBolsonaro pelas redes e bem alto pela varanda;

Concordar com o Rossi em gênero, número e grau diante da resposta para a seguinte indagação: Repórteres são ou não seres idiotas? São, mas às vezes conseguem até ser felizes na sua estranha maneira de viver a vida”.

***

Boanerges Lopes é Jornalista e professor titular da UFJF-MG. Autor de livros e colaborador do OI.