Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Medo de morrer – a Comissão Arns apela para a ONU no caso da chacina do Jacarezinho

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Execução primária, racismo, violência e execução de pessoas de origem africana que sobrevivem na extrema pobreza. Foram essas as denúncias que a Comissão Arns enviou às Nações Unidas para pedir uma investigação independente urgente da chacina do Jacarezinho que deixou 28 ou 29 mortos, embora o governo só considere o termo “execução” no caso do policial morto na ação. Este o retrato que o Brasil tem lá fora, um país de cadáveres, da Covid-19 por displicência, ou do abuso de policiais cobertos pela política genocida. Imagem tétrica que só se agrava com o desrespeito às áreas indígenas protegidas e a todas as 3,5 mil comunidades quilombolas, depois que o presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo, revogou a Instrução Normativa de 31 de outubro de 2018, que definia proteção ambiental nesses territórios.

“A situação é grave, a Polícia Civil já está pedindo o arquivamento da chacina da comunidade do Fallet, que foi nosso primeiro caso de denúncia pelas 15 mortes em 2019, e tememos que o mesmo possa acontecer com o Jacarezinho”, diz Laura Greenhalgh, jornalista e diretora executiva da Comissão Arns.

A petição foi encaminhada e a Comissão prevê o pior se a sociedade civil não estiver alerta em relação às omissões e agressões crescentes do governo. “Temos que fazer as instituições funcionarem no Rio de Janeiro, trabalhando junto com órgãos como a OAB e outros que lutam pela democracia, e antes que isso se esgote estamos apelando para as organizações internacionais”, diz Laura.

O ex-ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira, membro da Comissão, cita o ciclo infernal que envolve o Brasil desde que o presidente Bolsonaro foi eleito.

“O país já estava conquistando uma posição melhor em relação aos Direitos Humanos, mas depois da posse deste governo estimulador de violências, abrindo guerra nas favelas, tudo vem piorando. Está mais do que claro que o problema é político, e a lógica da polícia é a da violência no Fallet, no Jacarezinho”.

Professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Oscar Vilhena lastima até hoje não sabermos o número exato dos mortos no Jacarezinho –28, 29? Sabemos apenas que a justificativa usada foi o aliciamento de jovens e crianças para o tráfico de drogas.

“Assim foi feita a chacina, todos negros ou pardos, a maioria muito jovem, e apenas três deles tinham passagem pela polícia. Assim mesmo, o presidente Bolsonaro parabenizou a operação. A operação foi uma forma de zombar da Suprema Corte e da determinação de limitar as operações para casos especiais, e acompanhadas pelo Ministério Público.”!

A Comissão é contra qualquer tipo de discriminação, de povos indígenas, comunidades LGBT+, população negra. O reitor e acadêmico da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente, reclama da prática comum na polícia de “atirar primeiro, perguntar depois”.
“Medo e racismo estruturado definem o que envolve o negro brasileiro, que não tem direito à cidadania. A juventude negra é o alvo preferencial; basta ver que quase 70 % das pessoas recolhidas nos cárceres são negras –sendo que os negros somam 50% da população”. A grande maioria dos pobres brasileiros é formada de negros, ocupantes dos morros, das comunidades, alvo do olhar discriminatório da polícia e da violência. “A polícia transgride, ataca, estão diante de ‘suspeitos’, ‘marginais’, ‘é tudo bandido’”.

Assim, até hoje, quase um mês depois do 6 de maio, não se conhecem os detalhes dessa operação, acobertada e permitida.

Luiz Carlos Bresser Pereira comenta os 118 pedidos de impeachment do presidente Bolsonaro engavetados no Congresso.

“Enquanto o presidente tinha apoio de 30% dos brasileiros, estava mais difícil, mas agora, depois das manifestações desse 29 de maio, a popularidade dele está caindo, e até as benesses compradas no Congresso têm um limite. Ou seja, ficou mais fácil. A Comissão não pode muito, mas insiste, já encaminhou seus crimes de responsabilidade ao Tribunal Internacional de Haia. A Comissão Arns está presente, faz parte dessa luta”.

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Norma Couri é jornalista e Diretora de Inclusão Social, Mulher e Diversidade na Associação Brasileira de Imprensa (ABI).