Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Globo


ENTREVISTA / ERNESTO PAGLIA


Flávio Freire


As emoções do repórter que percorreu o país


Ernesto Paglia quer saber como afia o facão usado para cortar cana de açúcar. Um trabalhador pega o instrumento, mais um pedaço de ferro e começa o trabalho. O repórter fica atento ao movimento, assim como às unhas bem pintadas de uma das 11 mulheres que dividem com dezenas de homens o trabalho num canavial de Lençóis Paulista, interior de São Paulo, cidade visitada pela equipe do JN no Ar na última sexta-feira (24/9). Desde 23 de agosto, quando o projeto estreou em Macapá, Paglia e mais sete profissionais viajam o país a bordo de um avião. Aliás, dois. Além do jato, tem um modelo Caravan, usado para pequenas distâncias, muitas vezes resolvidas dentro de vans.


Depois de 23 estados visitados pelo JN no Ar, qual sua percepção sobre o Brasil?


Ernesto Paglia – Tem um inegável crescimento econômico que leva algumas facilidades a cidades distantes que a gente nem suspeitava no passado. É o celular, a internet quase onipresente no país. Em alguns lugares, ela chega lenta, mas está lá. Como em Tefé (AM), por exemplo, onde um link de 1 mega custa R$ 14 mil porque é via satélite. A mesma conexão pela qual se paga, em São Paulo, R$ 0,90 na banda larga, lá só um provedor local pode comprar e redistribuir a R$ 140.


Sério problema de energia


Há uma fotografia que revela esse crescimento?


E.P. – Você vê o crescimento da frota de veículos e motos por toda a parte, o que é um denominador comum no país. São sintomas de crescimento econômico, em regiões de pleno emprego. Há polos universitários surgindo no interior de Rondônia, com 7 mil estudantes.


E de onde partem os exemplos mais positivos?


E.P. – As pessoas buscam compensar os problemas com soluções criativas. Organizações espontâneas, empresas que se envolvem no cuidado com o meio ambiente. Ou seja, existe um país em pleno momento de crescimento e que ainda carece de infraestrutura. Em alguns momentos ainda vem à mente a velha expressão do gigante com pés de barro.


Você acha que está mais evidente essa linha imaginária que divide o país entre quem mora no Sul e quem mora no Norte?


E.P. – Está mudando. Porém, a carência de infraestrutura é muito maior em estados menos desenvolvidos. A gente vai ao interior de Mato Grosso e do Amazonas e percebe isso. Tefé, por exemplo, uma das cinco maiores cidades do Amazonas, convive com apagões desde abril. A cidade ainda depende da energia dos geradores a diesel. E dos 12 geradores, dois estavam quebrados desde maio. O pessoal tem sério problema de energia.


Um momento de ânimos acirrados


Um dos problemas recorrentes, que o JN no Ar mostrou, é a falta de saneamento básico.


E.P. – Saneamento básico é o grande calcanhar de Aquiles daquele gigante de pés de barro. E não no interior do Norte, mas em São Gonçalo, do outro lado da Baía de Guanabara, com vista para o Pão de Açúcar e zero de tratamento de esgoto. Tem uma estação construída há dez anos que nunca funcionou. E uma obra com promessa para resolver o problema no ano que vem. É lamentável, enquanto a Baía de Guanabara está sendo poluída por esgoto in natura. Tem gente pescando bolsas de colostomia, lixo hospitalar. É dramático.


A inclusão educacional é maior ou há déficit no país?


E.P. – Os índices ainda estão baixos, mas a gente vê escola em toda parte, inclusive com pessoas acessando a internet. Talvez até fora da escola a informação esteja correndo mais velozmente que dentro. Há uma percepção de que a internet é importante. Pelo que temos visto, no entanto, nada nos anima a dizer que a situação esteja boa.


Como são seus encontros com pessoas que moram tão distantes do eixo Rio-São Paulo?


E.P. – Talvez, por causa desse período eleitoral, tenhamos que dar um desconto. Mas diria que 90% das pessoas nos procuram para denunciar falta de saneamento, falta de saúde ou desvio de verbas, o que percebem como corrupção. Reclamam de obras públicas inacabadas e têm a percepção de que os governantes estão embolsando o dinheiro que deveria ter resolvido aquele problema. Mas é um momento de ânimos acirrados e existe um denuncismo no ar.


A gente dorme onde der, à moda de Napoleão


O que mais te emocionou?


E.P. – O momento que me deixou com os olhos marejados foi, certamente, em Joinville. Procuramos sintetizar a cidade que é o segundo maior polo metalúrgico do país. E, ao mesmo tempo, o lugar onde se tem a única filial do balé Bolshoi fora da Rússia. A ideia foi pegar dois operários com filhos ou filhas no balé. Pegamos, então, dois pais metalúrgicos que trabalham em serviço pesado, e os levamos para ver o ensaio dos filhos. Foi um resultado muito feliz, porque testemunhamos a emoção de pais e filhos, principalmente quando o menino disse que tudo que ele for na vida será graças ao pai. O homem ficou com olhos marejados e quase chorei com ele.


Deve ter tido emoções ruins…


E.P. – Sim. Em Planaltina de Goiás fomos a um hospital superlotado com uma estranha procissão de pessoas levando seu próprio frasco de soro, sem ter lugar para sentar. E vi uma mãe sentada com o filho num banco de madeira e segurando o soro dele. Foi muito triste. Dei espaço para a pessoa desabafar. Perguntei como ela se sentia, e ela me disse que estava mal, mas não tinha opção. Guarapari, por exemplo, foi outra surpresa pelo lado negativo. Mais de 100 mil habitantes, 600 mil pessoas entre o réveillon e o carnaval, e não tem hospital público. Tem só 69 leitos do SUS em pequenas clínicas e hospitais privados. E nenhum para emergência.


O repórter se revolta?


E.P. – Isso chega a revoltar, mexe com as emoções. Aprendi há muito tempo que, por mais calejados que sejamos, não passamos incólumes por isso.


E como é a rotina diária da equipe do JN no Ar? São oito no avião há mais de um mês. Dá para dormir direito?


E.P. – Quatro ou cinco horas numa cama que muda a cada noite. Mas a gente dorme mais onde der, à moda de Napoleão. Dizem que ele era capaz de dormir onde encostava, até em cima do cavalo. A gente está desenvolvendo essa técnica napoleônica. Na van, dentro do avião. A gente janta no avião, que tem boa infraestrutura. E é essa a hora mais relaxante do dia.


O crescimento econômico acaba arrastando o Estado


No Acre, vocês não entraram ao vivo por questões técnicas


E.P. – Nós tivemos algumas dificuldades técnicas. No Acre, soube que a gente não poderia transmitir, mas temos os planos B, C e posso dizer que a gente foi até o plano Z. Num lugar tão remoto, com infraestrutura tão escassa, tudo começa a não funcionar. Tenta internet, não funciona. Celular, cai a ligação. Não consegue comunicação com o satélite e sente na pele o quanto aquelas regiões estão isoladas. E Feijó fica a 300 quilômetros da capital. Demoraria três horas de carro, mas a viagem pode durar seis horas, um dia ou pode nem acontecer. Basta chover.


Um mês longe de casa?


E.P. – Na verdade, dei uma escapada. Estava previsto, com base na caravana de 2006, que num fim de semana as pessoas da equipe poderiam receber alguém da família. Isso aconteceu em Belo Horizonte, e foi bom para dar uma desanuviada.


É um Brasil que muitos brasileiros não conhecem.


E.P. – É um Brasil menos frequente nos noticiários. As coisas estão evoluindo. De alguma forma, o crescimento econômico, mesmo de forma desordenada, acaba arrastando a reboque o Estado, para eventualmente suprir as necessidades.


 


 


MÍDIA E POLÍTICA


Cresce apoio a manifesto pela imprensa


Lançado na quartafeira na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o ‘Manifesto em defesa da democracia e da liberdade de imprensa’ reunia até a tarde de ontem cerca de 35,6 mil assinaturas, segundo o site www.defesadademocracia.com.br, que divulga o documento e recolhe adesões. Endossam o manifesto personalidades como os juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr.; o arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns; o exprocuradorgeral da República Aristides Junqueira; o ex-presidente do STF Carlos Velloso; o ex-ministro Pedro Malan; e o escritor Ferreira Gullar.


— O cerne da democracia é a vigilância. É uma plantinha tenra, e, se não tomarmos cuidado, pisam nela — disse ontem Bicudo, que leu o manifesto em seu lançamento.


A iniciativa foi uma reação aos ataques nas últimas semanas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à imprensa e à convocação de um ato contra a mídia na quinta-feira, na sede do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, que contou com o apoio de centrais sindicais, do PT e do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).


— Quando o li o documento, me lembrei da ‘Carta aos brasileiros’, lida por Gofreddo da Silva Telles na ditadura. Antes, era uma proposta de luta contra a ditadura militar. Agora, é contra qualquer tipo de ditadura em decorrência do acúmulo do poder nas mãos de uma só pessoa — comparou Bicudo.


 


 


Fabio Brisolla


‘Lula tenta enfraquecer discussão das denúncias’


Ao atacar a imprensa, o presidente Lula adota uma tática eleitoral com o objetivo de desqualificar as denúncias de corrupção ligadas ao governo. A observação é do cientista político Lúcio Rennó, pós-doutorando pelo German Institute of Global and Area Studies e professor da Universidade de Brasília.


Ele acha difícil avaliar o impacto na campanha das denúncias de corrupção com pesquisas divergentes


O GLOBO: O que diferencia a eleição presidencial atual das disputas anteriores?


LÚCIO RENNÓ: A popularidade do presidente é o grande diferencial da eleição. E ele parece estar transferindo essa popularidade a seus aliados.


Em 98, havia um presidente relativamente popular (Fernando Henrique Cardoso). O mesmo ocorreu em 2006, com o próprio presidente Lula. Mas esta eleição tem esse novo aspecto: todo mundo quer ser da base aliada, o que denota uma constatação popular do sucesso do governo.


Popularidade é sinônimo de transferência de votos até que ponto?


RENNÓ:A Dilma teve papel no governo, mas não existiria como candidata não fosse o apoio pessoal do Lula. A presença do presidente requisitada nas disputas estaduais é um indício forte de seu prestígio como cabo eleitoral. A popularidade parece ser proporcional ao seu potencial para transferir votos.


Mas, nesse caso, a influência dele deve ser maior nas eleições aos governos estaduais e ao Senado.


Qual é a influência do apoio do presidente nas eleições para deputado federal e estadual?


RENNÓ: Na disputa para deputado federal e estadual, pesa muito a trajetória do candidato.


Prevalece a relação dele com grupos específicos, que podem ser locais como os eleitores de uma cidade ou região; ou corporativos, quando o voto é vinculado a associações de taxistas ou bancários, por exemplo.


‘PT tenta blindar Dilma contra as denúncias’


Como o senhor avalia a postura do presidente diante das denúncias de corrupção relacionadas ao governo?


RENNÓ: Lula é muito inteligente.


Ele investe na mensagem de que a mídia tem um complô contra o presidente da República. É uma forma de desacreditar a fonte das notícias sobre corrupção. A lógica passa a ser: ‘será que é isso mesmo?’ A estratégia é dizer que os meios de comunicação têm predisposição política definida e contrária ao governo. É uma forma de dar um arsenal para seus eleitores e apoiadores contra-argumentarem nas discussões políticas que reverberam as notícias. É uma tática eleitoral sagaz. Lula tenta enfraquecer a discussão das denúncias. O governo bate no mesmo ponto: ‘por que as denúncias só acontecem agora quando falta uma semana para a eleição?’ Esse é o recurso de retórica que vem sendo utilizado pelo governo.


A campanha de Dilma Rousseff segue um discurso semelhante..


RENNÓ: O PT seguiu a mesma estratégia adotada no escândalos dos ‘aloprados’ (quando petistas foram flagrados tentando comprar um dossiê contra os tucanos) em 2006: blindar a Dilma como fizeram com Lula. Ela se diz surpresa, traída… e repete que ainda é preciso comprovar as acusações.


A Dilma diz que não tinha conhecimento das acusações envolvendo a Erenice (Guerra, ex-ministra da Casa Civil). E fica nisso.


As críticas às denúncias quase não surtiram efeito, nas pesquisas, para José Serra.


Qual deve ser a postura da campanha do PSDB na reta final da eleição?


RENNÓ: Diante das denúncias, o PSDB está fazendo o papel dele.


É o que tem de fazer mesmo.


Debater a crise ética. Até porque restam poucos argumentos para a campanha deles. Há uma timidez do PSDB para defender um governo que fez muitas reformas importantes para o país.


Essa defesa deveria ser feita com veemência, assim como o governo Lula faz com sua administração.


E, sem essa defesa, sobram poucos argumentos para a campanha de Serra.


Como o senhor avalia o impacto das denúncias recentes envolvendo a Casa Civil nas pesquisas de opinião?


RENNÓ: Uma pesquisa apontou um impacto no percentual de votos válidos. Houve uma queda na vantagem de Dilma, segundo o Datafolha. Mas na pesquisa Vox Populi não há oscilação.


Permanece o mesmo quadro eleitoral após os escândalos.


Portanto, uma pesquisa captou os efeitos do escândalo e outra não captou.


Esses resultados desencontrados dificultam muito a análise sobre o impacto das denúncias na campanha eleitoral. Vale ressaltar que a diferença entre as duas pesquisas não é tão grande. Mas é suficiente para confundir a avaliação e criar uma dúvida que não existia antes.


 


 


INTERNET


Fotos de ruas do Brasil chegam ao Google Street View


A partir da próxima quintafeira, o internauta poderá fazer um ‘passeio virtual’ pelas ruas de algumas cidades brasileiras.


De acordo com o site G1, nesse dia estarão disponíveis as imagens capturadas no país para o Google Street View, um serviço adicional oferecido aos usuários do Google Maps e do Google Earth. As fotos são clicadas em 360 graus, dando um toque de realidade aos mapas disponíveis nos sites da Google.


Desde janeiro, cerca de 30 carros com câmeras especiais acopladas no teto circulam pelo Rio de Janeiro e São Paulo.


Belo Horizonte já tinha sido mapeada por ser a sede de tecnologia da Google no país.


‘Vamos fotografar dos grandes centros urbanos para os menores, de acordo com o interesse público. Naturalmente, vamos privilegiar as grandes capitais e as cidades que sediarão a Copa do Mundo’ afirmou Felix Ximenes, diretor de comunicação da Google Brasil.


O trabalho no Brasil será contínuo, como é feito nos 28 países em que o Street View está disponível.


Cada carro leva nove câmeras, que captam imagens do horizonte e do céu. Ao fotografar as ruas, um GPS marca as imagens para que o computador identifique onde é o local.


 


 



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