Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A Comissão condena, a imprensa sentencia

O poder público oferece razões de sobra para se acreditar que, assim como esta Comissão Parlamentar de Inquérito que hoje investiga a emissão de títulos públicos no Senado não é a primeira a ser levada ao conhecimento da opinião pública, tampouco será a última CPI a merecer uma extensiva cobertura da imprensa. 

Os jornalistas, porém, continuamos, de uma só vez, a nos guiar pelo amadorismo de principiantes e pelo viés de juízes do Apocalipse. Aplauda-se a participação da imprensa na cobertura de uma CPI que contribuiu para a destituição de Fernando Collor de Mello e reconheça-se o esforço de reportagem que tem levado os jornalistas a se adiantarem, na revelação de fatos, ao próprio trabalho dessas comissões. 

Essa experiência, porém, não foi suficiente para forjar o necessário distanciamento crítico em relação aos senadores que conduzem a CPI. Infringindo o mandamento básico do ceticismo, acolhemos as versões de senadores inebriados pela condição de xerifes da moralidade pública com a notoriedade oferecida pela TV Senado. 

No afã do furo acolhemos como "exclusivos" documentos que são passados concomitantemente a quatro jornais (bilhete trocado entre os sócios do banco Vetor publicado pelos jornais em 25/03); oferecemos um quarto de página para o senador Romeu Tuma, cercado de holofotes, abrir um cofre vazio. 

A delegacia de polícia armada na sala das comissões funcionou incólume durante semanas até que os jornais se dessem conta de questionar o procedimento dos senadores. A Gazeta MercantilO Estado de S.Paulo O Globo, nesta ordem, foram aos poucos mostrando que a truculência dos senadores na inquirição dos seus depoentes, fere os direitos individuais garantidos pela própria Constituição que os parlamentares a defender. 

Invocar uma testemunha como "madre Teresa de Calcutá dos banqueiros" (Roberto Requião), "receptador" (Espiridião Amin), armador de "maracutaias" (Vilson Kleinubing), "lavador de dinheiro de origem criminosa" (Romeu Tuma) e "mentiroso" (Pedro Simon) pode render cartas de elogios dos telespectadores da TV Senado, elogios de assessores e risos de encorajamento dos repórteres que cobrem os depoimentos no Senado, mas não é condizente com os poderes judiciais de que a CPI está investida e em nada colabora com uma investigação conseqüente. 

Muitas manchetes de jornais dispensaram até as aspas ao se oferecerem como porta-vozes desta truculência – "Todos mentiram ao BC e ao Senado", dizia a manchete de um jornal carioca que solenemente ignorou a cumplicidade tanto do BC como do Senado na aprovação das emissões de títulos de estados e municípios; "Sócios de Ramos 'embolsaram' R$ 71,9 milhões", dizia em abertura de página um jornal paulista: "CPI prova que Ganon mentiu sobre aluguel", estampou outra manchete, desprezando os limites constitucionais de uma CPI a que cabe instruir, através de relatório ao Ministério Público, a abertura de processos criminais contra seus suspeitos. 

A CPI colhe indícios, a Justiça prova. No espetáculo que cobrimos, a CPI condena e a imprensa sentencia.