Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

“Donos da mídia” lideram corrida em Salvador, São Paulo e Curitiba

O cenário eleitoral em algumas grandes cidades do Brasil aponta para a possibilidade de reforço na concentração do poder político e midiático. Em pelo menos três das seis capitais mais populosas do país, líderes nas pesquisas de intenção de voto para o cargo de prefeito são também donos de empresas de radiodifusão. ACM Neto (DEM), Celso Russomano (PRB) e Ratinho Jr. (PSC) ocupam a cabeça da competição pelas prefeituras de Salvador, São Paulo e Curitiba respectivamente, representando a possibilidade de que o próximo prefeito nesses lugares centralize o controle sobre o poder Executivo e sobre um grupo de mídia.

De acordo com as declarações de bens disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral, os três candidatos mencionados são acionistas de empresas de radiodifusão. ACM Neto participa com R$ 9.384.042,00 do capital social da TV Bahia, enquanto Russomano, com R$ 22.800,00 da Rede Brasil FM, em Leme (cidade localizada no interior do estado de São Paulo), e Ratinho Jr., com R$ 29.698,00 do Grupo Massa, que detém concessões de rádio e TV na capital e no interior do Paraná. As quantias declaradas, porém, dizem pouco sobre os casos e o grau de controle direto dos candidatos sobre as empresas. Sendo propriedade compartilhada com familiares, a sua influência na direção dos negócios pode ser muito maior e mais difícil de compreender.

Opapel de “defensor do cidadão”

A família de ACM Neto ficou conhecida nacionalmente pela abrangência do seu poder político que já se estende por algumas décadas e se concentrou em torno da figura de seu avô, Antônio Carlos Magalhães. Foi por meio desse poder político que os familiares tiveram acesso privilegiado às concessões de radiodifusão e aos acordos com a Rede Globo, que garantiram a consolidação dos negócios em comunicação do grupo baiano. O patriarca, em entrevista publicada no livro Política é Paixão, afirmava não ver problema nenhum nos fatos ocorridos. “Meus amigos terem concessões não é nada demais. Acho isso tão correto quanto você trabalhar”, afirmou.

Pedro Caribé, integrante do Coletivo Intervozes e membro do Conselho de Comunicação Social do Estado da Bahia, vê no processo eleitoral uma prova de que as “relações de poder passam necessariamente por um intermediação dos meios de comunicação”. Ele lembra que ACM Neto não é apenas acionista de uma TV VHF, mas vinculado ao grupo Rede Bahia, composto também por outras empresas, como uma emissora UHF (TV Salvador), o jornal de maior circulação do estado (Correio) e três rádios (Globo FM, Bahia FM e CBN). Aponta que os concorrentes, embora não se declarando proprietários, também possuem fortes vínculos com grupos midiáticos. “Vale lembrar que outro candidato, Mário Kértz (PMDB), também é proprietário e apresentador de rádio. Já o bispo Márcio Marinho (PRB) é ligado à Rede Record, que tem a TV e Rádio Itapoan, além da Rádio Sociedade”, afirma.

No caso do candidato paulista Russomano, não se trata de um grande grupo de comunicação afiliado a uma rede nacional, mas de uma pequena rádio do interior do estado que dificilmente poderia interferir no jogo político da capital. Apesar, porém, de sua recente e pequena participação no mercado de comunicação, exemplifica um tipo de prática polêmica e comum no país, em que se “arrenda” uma concessão, transferindo a autorização para explorar um canal de radiodifusão sem o amparo legal e legítimo dos órgãos responsáveis. Efetiva-se, assim, de fato, a apropriação privada de um bem público. Além disso, o candidato ficou conhecido pelo seu trabalho na televisão, em que atuava em colunas sociais, programas populistas de defesa do consumidor e sensacionalistas. Segundo Suzy Santos, professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “Russomano é exemplo de outro fenômeno político que são estas estrelas midiáticas que migram para a vida política. Este é um fenômeno mais global e relativamente perene. Reagan, Schwarzenegger e Cicciolina são exemplos internacionais deste mesmo fenômeno”. Convidado pela TV Record em 2011, deu sequência ao seu papel de “defensor do cidadão” na TV, aproximando-se também dos setores evangélicos, principalmente da Igreja Universal do Reino de Deus, que dirige a emissora.

Favorecimento do proprietário de TV

Ratinho Jr. representa em alguma medida uma mistura dos dois casos anteriores. Encontra-se também vinculado a uma rede nacional (além de ter interesses no setor de agronegócio), sendo que seu pai é um conhecido apresentador de programas de televisão sensacionalistas que se tornou empresário de comunicação e já ocupou cargos políticos. Entretanto, os negócios da família na área da comunicação são recentes e o próprio candidato não seguiu os passos do sensacionalismo na mídia.

Assim como no caso de ACM Neto, os vínculos familiares na política e nos negócios são explícitos no caso de Ratinho Jr. (ambos herdaram até o próprio nome dos chefes de família). No entanto, “nem Ratinho, nem seu filho podem ser considerados líderes políticos nas suas regiões de origem. Disputam o poder com forças diversas. Também suas emissoras não são as mais relevantes na região. Em Curitiba, o Grupo Paranaense de Comunicação, dono da Rede Gazeta, tem muito mais poder político e econômico que a Rede Massa”, afirma Suzy Santos.

Nos três casos, as atuais prefeituras se encontram ocupadas por indivíduos de outros grupos políticos, em que não há propriedade direta declarada de nenhum veículo de comunicação. Embora seja difícil a comprovação do uso político das emissoras por parte dos candidatos, há pelo menos uma acusação de favorecimento do proprietário da empresa nas transmissões realizadas. Em Salvador, por exemplo, o petista Nelson Pelegrino, segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, afirma que a TV Bahia fez propaganda subliminar de ACM Neto, destacando-o de forma indevida no aniversário de cinco anos de morte de seu avô.

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A velha história da concentração

A concentração do poder midiático e político por um mesmo indivíduo não aparenta ser novidade na realidade do Brasil. Venício Lima, professor aposentado do curso de Ciência Política e Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), afirma em seu livro sobre a regulação das comunicações que “o vínculo entre radiodifusão e política é um fenômeno fortemente arraigado na cultura e na prática política brasileira que perpassa os tempos de ditadura e os tempos de democracia”.

O ponto de vista do professor é reforçado por algumas pesquisas, como a realizada pelo projeto Donos da Mídia, que cruzou dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) com a lista de prefeitos, governadores, deputados e senadores de todo o país e descobriu que, no ano de 2008, 271 políticos eram sócios ou diretores de 324 veículos de comunicação. Em dezembro de 1980, o Jornal do Brasil já havia publicado um levantamento em que listava o nome de 103 políticos de 16 diferentes estados que controlavam direta ou indiretamente veículos de comunicação.

Discussão no STF

Em dezembro de 2011, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) entrou com ação no Supremo Tribunal Federal contra a outorgas de rádio e TV a empresas que possuam políticos como sócios ou associados. Na ação elaborada em parceria com o Coletivo Intervozes, o partido afirma que o controle de emissoras por políticos viola 11 artigos constitucionais, entre eles os direitos fundamentais como o acesso à informação, a liberdade de expressão, o pluralismo político e a realização de eleições livres.

O julgamento do pedido de liminar proibindo estas outorgas e exigindo que os políticos se retirem destas empresas ainda aguarda a decisão do STF. A Advocacia Geral da União e a Câmara dos Deputados já enviaram um parecer para o tribunal alegando não haver nenhuma inconstitucionalidade nas outorgas para políticos. Ainda falta o Ministério Público Federal se manifestar sobre o caso para ser julgada a medida liminar. Após esta decisão, o processo deverá ser o julgado em seu mérito.

Leia mais: STF é acionado contra concessão de rádio e TV a políticos

Confira o perfil dos três candidatos líderes de pesquisa para as eleições para as prefeituras de Salvador, São Paulo e Curitiba.

Salvador

ACM Neto, líder isolado na corrida pela prefeitura de Salvador, é também um dos proprietários da emissora de televisão que ocupa a liderança isolada na capital baiana, afiliada da Rede Globo desde 1989. De acordo com o levantamento feito por Clarissa Amaral em sua pesquisa de mestrado, foram concedidas 114 emissoras de rádio e seis de TV aberta para seus familiares e correligionários na Bahia durante o período em que Antônio Carlos Magalhães, o avô, ocupou o cargo de ministro das Comunicações. Com a TV Bahia à frente (primeira concessão da família, adquirida das mãos do ditador Figueiredo em 1984), houve a reunião posterior dessas concessões para a criação do maior e mais poderoso grupo de empresas de comunicação do estado. No ano de 2012, a EPTV, de Ribeirão Preto, passou a integrar oficialmente o quadro de acionistas, obtendo um terço da propriedade e incorporando a participação de não familiares no grupo.

São Paulo

Celso Russomano, à frente da competição pela prefeitura de São Paulo, é arrendatário, pelo menos desde 2011, de uma emissora de rádio do interior do estado, na pequena cidade de Leme (cerca de 90 mil habitantes). A concessão encontra-se em nome de um médico do interior do Pará que seria seu parente distante, segundo declarou o candidato à imprensa. O político detém pouco mais do que a metade do capital social da empresa, sendo que o restante encontra-se nas mãos de familiares, de acordo com matéria publicada na Folha de S.Paulo no mês de agosto de 2012. A transferência da concessão sem o pedido de autorização do Ministério das Comunicações e em menos de cinco anos de autorizada é considerada prática ilegal e, se comprovada, pode resultar em cassação por parte do Estado.

Curitiba

Ratinho Jr. é, dos três candidatos, o único que não se encontra isolado na liderança das pesquisas eleitorais sobre intenção de votos, embora tenha se apresentado por um período à frente do atual prefeito da capital paranaense, Luciano Ducci, seu principal concorrente. Detém um terço das ações da Rede Massa de Comunicação, empresa criada por seu pai em 2008, afiliada ao SBT. Os veículos do grupo, composto por quatro emissoras de TV e seis emissoras FM, vinculam-se aos demais investimentos da família no ramo do agronegócio sob o nome de Grupo Massa. O candidato é filho do apresentador Carlos Massa, o Ratinho, conhecido em todo o país pelos programas de TV sensacionalistas que apresenta, além de já ter sido também vereador na pequena cidade de Jandaia do Sul e em Curitiba, ambas no Paraná, e deputado federal antes de seu sucesso na televisão.

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[Bruno Marinoni, do Observatório do Direito à Comunicação]