Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Contagem regressiva para a extinção

Antes, era só o PC e seu usuário. Aí veio o celular e aos poucos embaralhou as cartas, transformando-se ele mesmo em computador. A internet transformou o que era local em global, associando-se depois à mobilidade de tal forma que pôs todos os dados em nossas mãos, especialmente após a chegada dos modernos tablets e smartphones. O resultado é que muitas tecnologias a que estávamos acostumados há tempos podem não mais existir daqui a pouco mais de uma década. O site “The pulse of mobile tech” lista algumas delas: discos ópticos (CDs, DVDs etc.), câmeras digitais independentes, impressoras jato de tinta, telefones fixos, discos rígidos mecânicos, mouses, teclados, e até mesmo o próprio PC de mesa como o conhecemos. O Globo ouviu especialistas em tecnologia para conferir se estamos mesmo nesse caminho.

Para Antonio Kleber de Araújo, consultor e especialista em gerenciamento do conhecimento, a noção de que parte das mídias físicas estava condenada a desaparecer veio quando percebeu que sua coleção de filmes em videocassete começava a mofar. “Pensei: ‘Está na hora de botar tudo em DVD’”, conta. “Foi quando deparei com minha neta Ana Flor, de quatro anos, recostada no sofá, ‘folheando’ num tablet o catálogo virtual de filmes da Netflix”, conta. “Foi então que percebi que não faria sentido passar meus filmes para uma mídia física, já que eles estavam na nuvem.”

Para Araújo, hoje se vive a era do usuário, e o usuário quer serviços, e não ter que lidar com a tecnologia com muitas firulas. Daí a gradual virtualização dos arquivos, que começam a ficar mais na nuvem do que num computador local. “Em última análise, aquele PC com teclado e mouse vai se desagregar: teremos uma tela e o usuário interagindo com ela, não importa se for um tablet, smartphone ou smart TV”, diz.

Telefonia fixa cai em desuso

David Svaiter, diretor da Tantum Computing e veterano da segurança da informação, vai mais além. Acha que até as telas de toque (touch screens) de hoje estão condenadas. “Não só o teclado e o mouse vão ser ultrapassados, como o touch será desnecessário com o avanço do reconhecimento de fala”, aposta Svaiter. “Conseguiremos de fato conversar com os gadgets, e eles terão inteligência suficiente para interpretar os termos de nossa conversação e nos oferecer o que precisamos.”

Alguns números apoiam a ideia de que os discos ópticos podem ser abandonados. Segundo a NPD Research, a aquisição de videogames nos Estados Unidos no segundo trimestre deste ano através de recursos virtuais como assinaturas online, downloads, títulos sociais etc. já passou a compra via mídias físicas, como CDs e DVDs – R$ 1,47 bilhão contra R$ 1,38 bilhão. A preferência por conteúdos digitais e virtuais aumentou 17% em relação ao mesmo período de 2011.

O telefone fixo também corre o risco de virar peça de museu. Se bem que ele tem uma vantagem em relação aos modernos celulares: está cada vez mais barato (enquanto os smartphones top de linha ficam perto dos R$ 2 mil), além de ser ofertado junto com serviços de internet banda larga. Mesmo assim, números recentes da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mostram que, mesmo tendo crescido de 42 milhões para 43,4 milhões, as linhas de telefone fixo instaladas no Brasil ainda são apenas um sexto dos celulares no país, que chegaram a 257,9 milhões. “Não é que a telefonia fixa vá sumir, mas seu papel estará mais voltado para garantir a infraestrutura de dados da internet”, diz Daniel Schwabe, professor do Departamento de Informática da PUC-Rio. “O que eu acho que vai sumir muito mais rapidamente, inclusive em menos de dez anos, são os discos rígidos magnéticos, com os SSDs (solid state drives, discos rígidos sem partes móveis).”

“Ninguém quer usar uma câmera que só tira fotos”

Outra tecnologia que não deveremos ver muito à frente é a da velha impressora de jato de tinta. Recentemente, aliás, a Lexmark abandonou a fabricação desse tipo de modelo. “Esta é uma tecnologia que já foi ultrapassada pela impressão a laser”, afirma Ricardo Karbage, presidente da Xerox Brasil.

Segundo Armando Zagalo de Lima, presidente mundial do Grupo de Tecnologia da Xerox, os tablets e smartphones puseram a impressão doméstica e individual sob grande pressão. “Essa revolução começou de fato com a Apple, e mudou a maneira como lidamos com a impressão. Continuará havendo necessidade de imprimir, mas através da mobilidade. Por exemplo, através de ‘pontos’ de impressão sem fio (via Wi-Fi) em ambientes públicos ou de trabalho, como já ocorre em nossa cliente Procter & Gamble.”

Funções que já aparecem em gadgets iOS ou Android, por exemplo, também ficam em perigo em aparelhos apenas dedicados a elas. Um prognóstico da IC Insights diz que em 2015 serão vendidos 1,5 bilhão de smartphones com câmera de 3 megapixels ou mais, contra 144 milhões de câmeras digitais convencionais. Hoje, a relação está de 495 milhões de cameraphones contra 137 milhões de câmeras. “Ninguém mais quer usar uma câmera que apenas tira fotos. O mesmo começa a se dar com os controles remotos, embutidos em apps de tablets e smartphones”, diz Araújo.

Araújo lembra que, assim como os economistas dizem que a inovação constante era fundamental para a vida e a manutenção da competitividade das empresas, o mesmo se aplica a nossas vidas. “Devemos observar as novas gerações e abraçar a maneira mais despojada como lidam com a tecnologia.”

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[André Machado, de O Globo]