Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Para a News Corporation, jornal impresso perde o valor

Rupert Murdoch, presidente da News Corporation, reconheceu sua derrota na batalha com o Google e a internet, adversários mais poderosos do que o próprio governo britânico.

Murdoch decidiu, há dois anos, começar a cobrar pelo acesso ao londrino The Times e a pay wall não podia ser penetrada pelo Google e outros mecanismos de busca “parasitários”, como os chamou. Na realidade, o jornal ficou completamente isolado do público da internet. Um dos gerentes do jornal de Murdoch descreveu a estratégia da seguinte maneira: “Rupert não se limitou a construir uma pay wall; ele a cercou com arame farpado, cavou um fosso à sua volta e pôs crocodilos no fosso.”

Na segunda-feira (8/10), Murdoch cedeu. Artigos do Times começaram a aparecer nas buscas do Google, embora quem os quisesse ler ainda tivesse que pagar £1 (cerca de R$ 3,50) pelo acesso diário, ou £2 (R$ 7,00) por semana. Coincidentemente, a News Corp. anunciou a saída de seu principal diretor do setor digital, Jonathan Miller e Murdoch abandonou o cargo de presidente da Times Newspapers, a subsidiária da News Corp. que controla seus jornais britânicos para um público com maior poder aquisitivo.

O recuo de Murdoch significa dois sinais importantes. O primeiro, já amplamente discutido, é sobre os resultados decepcionantes desta experiência de conteúdo pago – 131 mil assinantes após dois anos. O segundo é sobre o império global de Murdoch e o futuro proprietário do Times. O jornalista Anatole Kaletsky ficou 20 anos no Times antes de deixá-lo, há seis meses e, como escreve no New York Times [5/10/12], esses sinais parecem um SOS.

Jornais davam-lhe poder político

Os jornais de Murdoch, especialmente o Times, estão no meio de uma perfeita tempestade. Assim como os jornais do mundo todo, eles foram atingidos pelas transformações tecnológicas e pela recessão. Mas, no caso da News Corp., há uma terceira ameaça específica: as consequências do escândalo dos grampos telefônicos, que levou à detenção de vários dos principais executivos britânicos de Murdoch.

O escândalo foi imensamente constrangedor e caro, com os custos judiciais avaliados em US$ 224 milhões (cerca de R$ 450 milhões), de acordo com os últimos relatórios da News Corp. Porém, muito mais importante para os jornais de Murdoch não implicados, como o Times e o Wall Street Journal, é o impacto do escândalo na estratégia administrativa da News Corp. – e sua razão fundamental para simplesmente ter a propriedade jornais.

Acionistas da News Corp. alimentam, há muito tempo, o sonho de ver a empresa livrar-se dos negócios pouco lucrativos dos jornais e tornar-se apenas um negócio de televisão e cinema. Essa tomada de posição era considerada impossível enquanto Murdoch era presidente devido ao seu afeto sentimental pelos impressos. Mas isso, com certeza, era quase um equívoco. Murdoch não criou o maior império de mídia do mundo por sentimentalismo. O motivo pelo qual sempre adorou jornais, mesmo quando enfrentavam pesadas perdas, era o de lhe darem poder político. Para os acionistas da News Corp., por sua vez, o poder de Murdoch trazia lucros.

De um ativo, jornais passaram a ser um estorvo

A influência política de Murdoch permitiu que a News Corp. superasse obstáculos regulatórios e políticos que haviam derrotado outras empresas de mídia. O caso mais óbvio é o da recente tentativa por parte da News Corp. de adquirir controle total da British Sky Broadcasting, ou BSkyB, gupo de televisão paga, por satélite, mas há muitos outros casos. A capacidade de Murdoch superar obstáculos – sejam eles levantados por políticos, órgãos reguladores, sindicatos ou empresas concorrentes – que frustraram outros magnatas foi sua chave para o sucesso.

Esse sucesso, em grande parte, poderia ser creditado à audácia e à visão. Certa vez, Murdoch gabou-se de que, depois de seus grandes negócios, os analistas financeiros zombavam dele por ter “pago demais”. Aos poucos, no entanto, a acusação de Murdoch ter “pago demais” deu lugar ao reconhecimento de que ele vira o valor real de um conceito como televisão por satélite ou emissões de esporte que ninguém compreendera de forma adequada.

Porém, ao longo da carreira de Murdoch, sua personalidade audaciosa e sua visão foram acompanhadas pela influência política decorrente da propriedade de jornais. Esse ingrediente na fórmula de Murdoch passa agora por uma transformação. Após o escândalo dos grampos telefônicos ter sabotado a oferta pela BSkyB, a avaliação dos negócios por trás da propriedade de jornais inverteu-se por completo. De repente, os jornais deixaram de ser um ativo e passaram a ser um estorvo – e desapareceram os argumentos em favor de manter uma empresa de impressos dentro da News Corp.

Uma filial do Times of India?

Em julho, Murdoch o reconheceu, ao anunciar que todos os seus negócios editoriais passariam a fazer parte de uma empresa separada. A maioria dos analistas financeiros presume, e os acionistas esperam por isso, que a nova empresa venha a receber uma parcela insignificante do excedente de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 20 bilhões) da News Corp. Caso isso se concretize, ela não terá condições de subsidiar jornais que não deem lucro por muito tempo. E isso nos traz de volta ao que ocorreu com o Times. A decisão de Murdoch de deixar a presidência sugere que o Times poderá ser o primeiro, entre outros, candidato a ser posto à venda. E quem o compraria?

A resposta esperada seria: um bilionário procurando um troféu. Mas os jornais impressos são, obviamente, uma indústria em declínio, ameaçada de perdas cumulativas que assustariam esses bilionários. Multibilionários da Rússia, do Oriente Médio ou da China poderiam ter condições de adquirir ativos como esse troféu, mas provavelmente seriam politicamente inaceitáveis. De qualquer maneira, muitos dos bilionários dessas regiões parecem preferir investir em times de futebol ingleses.

Felizmente, ainda há um grupo de multibilionários que pode ver o Times como um troféu que valha a pena. Para um magnata indiano com fortes vínculos com a Grã-Bretanha, como Lakshmi Mittal, dono da siderúrgica ArcelorMittal, ser dono do Times poderia justificar anos de perdas. E ainda mais intrigante por ser um grupo de mídia indiano. Imagine-se a satisfação da família Jain se pudesse tornar o Times, com uma circulação de 400 mil exemplares, uma filial do Times of India, com uma circulação de três milhões de exemplares; ou a satisfação da família Birla, se pudesse torná-lo um suplemento do Hindustan Times, com circulação de 1,4 milhão de exemplares.

Certa vez, o presidente Abraham Lincoln elogiou o correspondente do Times em Washington dizendo: “Não conheço nada mais poderoso que o Times de Londres – exceto, talvez, o Mississippi.” Algum banqueiro inteligente poderia estar hoje fazendo uma comparação semelhante, desta vez com o Ganges.

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