Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O segredo da Strand

Numa tarde de segunda-feira chuvosa, a livraria Strand está cheia de clientes. Situada no bairro do East Village, em Nova York, a loja de cinco andares, com 975 metros quadrados de área, não só é uma instituição cultural na cidade, mas uma rara sobrevivente no turbulento mercado de venda de livros. Espremida entre estantes, uma pequena escrivaninha no andar térreo é o escritório do dono da Strand, Fred Bass. Ele tem 84 anos e trabalha na livraria desde os 13 – a loja foi fundada por seu pai, Benjamin Bass em 1927. Fred Bass gerencia o negócio com sua filha Nancy Bass Wyden. “Eu adoro sentir e tocar livros”, diz ele, em entrevista ao Valor. “A gente trabalha duro, e não desiste.”

Considerando o mercado atual, não faltam razões para desistir. O crescimento das vendas pela internet e a recente proliferação de livros eletrônicos levou centenas de pequenas livrarias a fecharem as portas. Até a grande rede de livrarias Borders, que tinha 650 lojas, foi à bancarrota no ano passado. Nos Estados Unidos, sobram livros nas prateleiras do varejo. As vendas totais de livros impressos caíram 9% no mercado americano ano passado, segundo a Nielsen BookScan. A queda é de 22% desde 2007, quando os livros digitais começaram a crescer.

Outras lojas também lutam para sobreviver. Maior cadeia de livrarias dos EUA, a Barnes & Noble anunciou recentemente que vai fechar um terço das suas 689 lojas na próxima década.

“A parte que eu mais gosto”

Qual é então o segredo da Strand, que há 86 anos vende livros? “Nós temos os livros, e temos ótimos preços”, resume Fred Bass. O acervo é de precisamente de 2,5 milhões de livros, distribuídos nas estantes da loja e em dois galpões de armazenagem no bairro do Brooklyn. E embora Bass reconheça que a loja tenha perdido “1% ou 2%” de vendas por ano nos últimos anos, em 2012 as vendas voltaram a subir.

Numa economia que cresce devagar e muitos consumidores buscam descontos, a Strand se beneficia pela venda de livros usados. A empresa começou como loja de livros de segunda mão, e estes, ainda hoje, representam metade da receita. A Strand também vende pela internet – 20% da receita total –, mas não entrou no mercado de livros digitais. “Livros eletrônicos custam US$ 9,95, mas nós temos os mesmos livros, de verdade, por US$ 7,95”, diz Bass. “De certa forma, os livros eletrônicos até nos ajudaram, porque os clientes percebem o quão barato nossos livros são.” Na calçada da loja, na esquina da Broadway com a rua 12, estantes mostram livros por menos ainda, na faixa de US$ 1 a US$ 3.

A Strand consegue oferecer preços competitivos porque vende muito, diz Bass, e compra em grandes quantidades. E a empresa também tem diversificado suas operações. Uma das áreas de crescimento é a venda de bibliotecas personalizadas para clientes ricos. Há demanda para aluguel de livros para filmes e shows de televisão; e eventos com escritores, com venda de ingressos. A Strand também fatura com produtos como bolsas, canecas e doces com a marca da loja; e vendendo livros raros para colecionadores. Aos sábados e domingos, Bass visita clientes, com hora marcada, em suas casas em busca de raridades. “Essa é a parte mais divertida, que eu mais gosto”, diz.

Para conversar e manusear livros

E se tem uma coisa que mudou na Strand é o atendimento, segundo o filho do fundador. Seus 175 funcionários são muito melhor treinados hoje do que antigamente, sabem muito sobre livros e muitas vezes encaminham os clientes até as estantes. “É um negócio familiar, não somos parte de uma cadeia, e muita gente hoje está procurando um atendimento diferenciado”, diz a gerente de marketing da companhia, Jessica Strand, cujo sobrenome não tem relação com a loja.

Mesmo com o mercado extremamente competitivo, a Strand não é a única livraria independente que sobrevive nas ruas de Nova York. A Community Bookstore (ou livraria da comunidade) está no bairro de Park Slope, no Brooklyn, há 42 anos. Uma loja muito menor, ela tem 14 mil livros, numa área de 160 metros quadrados. A Community Bookstore passou por maus bocados, e só não fechou faz alguns anos porque a antiga dona fez um apelo à comunidade, e muitos se prontificaram a ajudar, trabalhando na loja de graça, apoiando a administração.

Ezra Goldstein comprou a loja há dois anos e meio. Ele nunca tinha tido uma livraria antes, nem sequer tinha experiência conduzindo um negócio. Goldstein diz que a livraria consegue sobreviver e tem inclusive registrado crescimento de vendas nos últimos anos porque a clientela do bairro apoia a loja. Ele, que vive há 28 anos no bairro, diz conhecer muito bem a vizinhança de classe média, com alto grau de instrução. “Não oferecemos apenas commodity, mas uma atmosfera completa para as pessoas conversarem, lerem, e manusearem livros”, diz. A experiência na loja inclui até a presença do gato de Goldstein, o Pequenino, que passeia pelos tapetes e poltronas.

Dono queria abrir a loja usando lanternas

Embora exista uma loja da Barnes & Noble a seis quadras da Community Bookstore, e outra livraria independente acaba de abrir no bairro, Goldstein diz que a loja dá lucro. “Muitas livrarias têm fechado”, diz. “As que sobreviveram é porque sabem o que estão fazendo.”

A Community Bookstore também usa a internet, mas ainda não está no mercado de livros eletrônicos. E como a Strand, tem investido mais no negócio de eventos literários, com escritores locais. Apesar da queda geral nas vendas de livros, Goldstein é otimista sobre o futuro.

“Em dez anos, tenho certeza que ainda estaremos aqui”, diz. “Vai ser cada vez mais difícil, mas eu não vejo as livrarias desaparecendo para sempre.”

Talvez o segredo de empresários como Fred Bass e seu pai, o fundador da Strand, seja simplesmente a persistência.

Depois que a tempestade Sandy deixou áreas de Manhattan sem luz por vários dias, no fim de outubro, a Strand teve que fechar as portas por uma semana. Fred Bass disse que queria abrir a loja de qualquer jeito, usando uma porção de lanternas.

“Eu estava até pedindo para vários amigos me darem lanternas”, contou. Ele só desistiu porque os advogados da loja não o deixaram seguir com seu plano. Mas não foi uma briga fácil, ele diz, orgulhoso.

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[Gisele Regatão, para o Valor Econômico, de Nova York]