Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O estupro coletivo e as lições para a mídia social

Um grupo de três pesquisadores analisou como o estupro coletivo e posterior morte de uma jovem de 23 anos em Nova Déli, em dezembro do ano passado, e os protestos subsequentes foram um divisor de águas para o uso das mídias sociais na cobertura jornalística na Índia. Nas manifestações realizadas em frente a prédios governamentais, incluindo a residência oficial do presidente, cidadãos indianos e jornalistas usaram as redes sociais para divulgar informações e discutir o problema da violência contra as mulheres no país.

Para entender melhor o fenômeno, Valérie Bélair-Gagnon, pesquisadora da City University London; Smeeta Mishra, do Centro para Cultura, Mídia e Governança da Universidade Jamia Millia Islamia, em Nova Déli; e Colin Agur, da escola de jornalismo de Columbia, entrevistaram jornalistas indianos e correspondentes estrangeiros que cobriram os protestos. Eles contaram como as redes sociais foram usadas e como contribuíram para a cobertura.

O desafio da exclusão digital

Na Índia, o papel desempenhado pelas mídias sociais no jornalismo está longe de ser o mesmo que nos EUA, onde elas têm aspectos inclusivos e democratizantes. Quase 80% da população têm celular, mas apenas 11% têm acesso à internet e menos de 5% usam redes sociais. Nas áreas rurais, esses números são ainda menores.

A informação nas redes sociais tende a vir de um segmento pequeno da população: a juventude com alto nível de instrução, rica, que fala inglês e mora nas grandes cidades indianas. “Elas não representam a maioria das pessoas. Por exemplo, se você tiver lido apenas o que está nas redes sociais, poderia pensar que todos estavam extremamente chocados e devastados [com o estupro]. Mas se você tiver falado com as pessoas nas ruas ou favelas, você teria visto que muitos indianos têm uma ideia extremamente retrógrada e conservadora sobre mulheres e como elas devem se comportar”, afirmou um jornalista do diário suíço Neue Zürcher Zeitung. “As mídias sociais não podem substituir a pesquisa de campo. Isso é o mais importante para os que trabalham na Índia”.

A exclusão digital representa, portanto, uma exclusão sociocultural. Na Índia, os que usam as redes sociais têm mais probabilidade de viver em cidades, ter um passaporte e compartilhar valores com usuários de mídias sociais do Ocidente. Na opinião de um jornalista australiano, os protestos por conta do estupro só ganharam relevância no Twitter “porque as redes sociais são urbanas e estão no centro da vida da classe média, estudantes universitários e profissionais ‘móveis’”.

Mesmo tendo afinidade pessoal com usuários das redes sociais, muitos jornalistas ainda recorrem a jornais e à TV para ter um maior entendimento dos temas. “Apenas uma pequena parcela da sociedade tem acesso às redes sociais, mas todo mundo assiste à TV”, disse o jornalista do Neue Zürcher Zeitung. No passado, redes de TV desempenhavam o papel mais relevante na cobertura jornalística indiana. As redes sociais não mudaram isso, e sim contribuíram com novasformas de apuração e distribuição das notícias.

Divisor de águas

Nos meses anteriores aos protestos, jornais e canais de TV indianos cobriram diversos casos de estupro. Mas o episódio do estupro coletivo em dezembro, ocorrido dentro de um ônibus em Nova Déli, mostrou ser um divisor de águas. A brutalidade do ataque e a escala dos protestos chamaram atenção internacional para o problema da violência contra mulheres na Índia. Alguns jornalistas entrevistados reforçaram o papel dos protestos em democratizar a mídia indiana. O caso de Nova Déli levou muitos jornalistas a usar o Twitter para atualização de eventos e resposta imediata de ativistas.

Em uma extensão maior do que nos protestos anteriores, as mídias sociais ajudaram jornalistas a acompanhar a classe média indiana e a ter resposta imediata sobre questões importantes. Um repórter australiano disse que o Twitter foi “realmente útil para ter uma noção sobre o sentimento público”. Ele seguiu a hashtag #delhigangrape, além da conta oficial do governo indiano, de grupos de defesa das mulheres e da mídia.

Muitos jornalistas citaram a importância das mídias sociais para informação de bastidores. Um jornalista do The Hindu afirmou ter verificado tuítes de seu próprio editor, de editores de outros jornais, jornalistas conhecidos como Pritish Nandy [colunista do The Times of India e do Dainik Bhaskar], Abhijit Majumder [editor da edição do Hindustan Times em Nova Déli] e Saikat Dutta [editor do DNA]. Ele também acompanhou tuítes de jornalistas de TV. “Ficar sabendo da perspectiva dessas pessoas me ajudou durante a cobertura – mas apenas indiretamente. Eu confiei apenas no que vi em campo”, completou.

As mídias sociais também ajudaram jornalistas a entender o que a audiência queria ler e ver. A pedido de usuários do Twitter, Zoe Daniel, correspondente da Australian Broadcasting Corporation no Sudesde Asiático, planejou um documentário sobre o estupro. Para Ruchira Singh, editora de mídias sociais da Network 18, a interação foi muito rica e revelou um novo interesse nas mídias sociais por parte dos jornalistas que cobriam o caso.