Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Auditar e reformar o acesso à informação pública

No dia 16 de maio, a Lei de Acesso à Informação brasileira (12.527) completou um ano de vigência. Mais de 90 países já possuem a legislação, considerada por muitos especialistas como um dos instrumentos mais eficientes para se fomentar a accountability democrática. Essas leis são, acima de tudo, mecanismos de monitoramento do governo, algo de importância ainda maior nos países em consolidação democrática.

No Brasil, sofre-se com os dilemas da delegação de poder no Executivo – prefeitos, governadores e presidentes constroem suas bases de apoio por meio da distribuição de cargos e pastas políticas entre múltiplos partidos políticos. Esse sistema de distribuição de poder deixa brechas para corrupção, enriquecimento ilícito e má administração. Esses são só alguns dos perigos que podem ser combatidos com um maior monitoramento dos governos e da administração pública, o que se torna muito mais fácil de fazer com a Lei de Acesso.

De acordo com o ranking mundial de Leis de Acesso à Informação do Centre for Law and Democracy (o RTI Rating), a lei brasileira se encontra entre as 15 mais fortes no mundo. Pelas estatísticas apresentadas por Jorge Hage, diretor da Controladoria Geral da União (CGU), 95,8% dos pedidos realizados no nível federal de governo teriam sido respondidos em 11 dias ou menos, com 80% dos pedidos “plenamente respondidos”.

Obstáculos e falhas

Números da CGU são promissores e otimistas. Mas eles omitem mais do que revelam a situação atual da lei. Esses números são promissores e otimistas. Olhares menos atentos se dariam por satisfeitos ante ao anunciado bom desempenho. Há duas razões pelas quais esses números omitem mais do que revelam a situação atual da aplicação da lei. Primeiro, eles não definem o que se considera como uma “resposta”. Ela pode englobar desde um “infelizmente não possuímos essa informação”, passando por um “não conseguimos localizar a informação”, indo até “a informação requerida não existe”. Essas são algumas formas de negar informação sob o status de “resposta dada”.

Até poucas semanas atrás apenas 10% dos municípios brasileiros havia regulamentado a lei. Nas capitais dos Estados brasileiros, onde seria esperado um maior cumprimento da lei, somente 40% já a regulamentaram. No âmbito estadual, 11 Estados ainda não divulgaram os salários dos servidores públicos como determinado na lei. Até mesmo as instituições governamentais dedicadas diretamente à defesa do interesse público – como o Ministério Público e o Tribunal de Contas – em geral fornecem acesso de baixa qualidade. Essas tendências são preocupantes. Se o Brasil tem intenções de progredir política e economicamente, é necessário um governo no qual a transparência seja componente essencial da governança. Fica bastante clara a necessidade urgente de avaliações independentes sobre a real implantação da lei, e sobre pontos na lei que precisam de reformas.

Essa avaliação será feita pela Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, durante 2013 e 2014. A chamada “auditoria” da lei ajudará a compreender onde existem não conformidades, além de alertar e mobilizar as autoridades públicas. A auditoria será feita por meio de diversos pedidos de informação nas capitais de quatro estados do país (Distrito Federal, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo), e a nível federal. O objetivo é medir a qualidade e os prazos de resposta dos pedidos de informação em todos os níveis de governo, gerando estatísticas independentes. Além disto, busca-se identificar obstáculos e falhas processuais: o propósito é ajudar os governos a cumprirem com suas obrigações.

Direito fundamental

Mesmo não tendo sido ainda objeto de auditoria, está claro que a lei do Brasil já precisa de diversas reformas. Deste ponto, emergem duas urgências: o Brasil precisa de um órgão supervisor da lei com autonomia financeira e independência de ações para reforçar, sancionar, regular e promover mudanças na lei. O México possui o Instituto Federal de Acesso à Informação, uma instituição com autonomia orçamentária e constitucional. A criação de tal instituição vem do reconhecimento, por parte das autoridades mexicanas, de que a fraca governança local e o vasto legado de descumprimento geral das leis fizeram necessária a criação de mecanismos de supervisão com o poder de impor sanções.

A CGU atua como vigilante no nível federal e também como a última instância dos recursos movidos pelos requerentes. Contudo, há pelo menos três problemas em tê-la como responsável por garantir a aplicação da lei: não há regulações determinando como a CGU deve responder às apelações (muitos requerentes relatam atrasos); a CGU tampouco possui recursos suficientes e responde por múltiplas atribuições além do acesso à informação; além de não possuir poderes para sancionar ou regular outras partes do governo.

A segunda reforma necessária à Lei de Acesso brasileira é relativa à obrigatoriedade de se identificar o requerente para que se possa fazer o pedido de informação. A liberdade de informação é um direito fundamental, garantido pela Constituição e assim como outros direitos fundamentais – como a liberdade de expressão ou a liberdade de reunião –, não deveria requerer que os cidadãos se identifiquem.

Desafios maiores que as estatísticas

Por que utilizar-se de um formalismo legal que só intimida os cidadãos e, além disso, diminui a eficácia da lei? Em países como Canadá, Chile, México e Estados Unidos, os cidadãos podem simplesmente fornecer alguma forma de contato à instituição requerida (um e-mail, por exemplo). A identificação obrigatória tem como consequência a restrição ao uso da lei. De acordo com funcionários da ONG carioca Ibase, muitos cidadãos deixam de fazer pedidos de informação em cidades próximas ao Rio de Janeiro porque têm medo de serem perseguidos por “máfias” locais. Esses problemas são reflexo do excessivo formalismo legal que marca o dia a dia do brasileiro, aumentando um pouco mais o denominado “custo Brasil”.

O Brasil deu um grande passo em 2011 rumo a uma democracia mais consolidada, quando a presidenta Dilma Rousseff aprovou a ambiciosa Lei de Acesso brasileira. Contudo, o balanço de sua implementação neste aniversário da lei mostra que os desafios são maiores do que as estatísticas oficiais, e o cumprimento da lei ainda enfrenta resistências. Onde e como essas resistências se manifestam é o que a FGV-Rio pretende identificar. Destarte, o que a lei precisa agora é de uma série de reformas e, acima de tudo, de maior liderança política em todos os níveis de governo.

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Gregory Michener e Karina Furtado são professores da Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV)