Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Record faz ajustes e se diz pronta a enfrentar a Globo

Demissões, cortes de orçamento, terceirização, redução de salários.

Na Record, o momento é de apertar os cintos. Até anteontem (4/6), 5% dos cerca de 6.000 funcionários das bases da rede em São Paulo e no Rio foram demitidos. E os cortes não devem parar por aí. Em entrevista à Folha, o vice-presidente da Record, Honorilton Gonçalves, explica que a rede está “cortando na carne” para se adequar ao atual cenário econômico do país, que anda estagnado.

Com 15 anos de Record, o braço direito de Edir Macedo, proprietário da emissora e líder da Igreja Universal do Reino de Deus, fala que postergou as demissões por dois anos e que agora os programas devem ser “rentáveis”.

Bispo licenciado da Universal, Gonçalves, que é conhecido por ser o maior poder atuante diariamente na emissora, nega que a Record tenha contraído dívidas por causa dos salários milionários de alguns contratados. E afirma: “A Record nunca esteve tão pronta para enfrentar a Globo”.

“A realidade do RecNov é a realidade do mercado”

O que significa esse atual momento da emissora?

Honorilton Gonçalves – Esta é a fase mais importante da Record, pois estamos preparando a empresa para ser ainda mais competitiva, para o caminho da liderança. Temos a preocupação de adequar a rede à realidade atual do país e do mundo.

A Record está no vermelho?

H.G. – Todas as contas estão pagas, tudo está em dia. Estamos realmente nos adequando à realidade econômica do país, que, diga-se de passagem, não está boa. Foram necessários ajustes em produtos e isso passou pelo corte de empregos. Essa não é nossa vocação, nossa vocação é contratar. A Record injetou no mercado uma nova filosofia de TV. Existia uma acomodação muito grande, com uma emissora absoluta e as outras conformadas. Acho que a Record trouxe para o mercado oportunidade para que profissionais fossem reconhecidos.

Quando o RecNov foi construído (central de estúdios da emissora no Rio, ao custo de R$ 500 milhões), profissionais de outras emissoras foram contratados pelo dobro ou triplo do que ganhavam. A Record não gastou demais?

H.G. – Esses casos de pessoas que vieram ganhando o dobro ou triplo são pontuais. A realidade do RecNov é a realidade do mercado. Nós tínhamos duas novelas no ar, agora temos uma só. Mantivemos as pessoas contratadas esperando uma reação do país, do mercado, que infelizmente não aconteceu.

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“Mercado anunciante vai ditar o programa que fica”, diz Gonçalves

Em uma rara entrevista, o vice-presidente da Record e bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) – que já apresentou o programa Fala que Eu te Escuto – Honorilton Gonçalves, falou sobre os investimentos da IURD no canal e a revisão de gastos de programas onerosos como o de Gugu, que ocupa hoje o terceiro lugar em audiência na faixa.

Quantos funcionários da Record serão demitidos e quais programas vão acabar?

H.G. – Estamos ainda na fase de estudos, não temos como precisar quantos serão. Quanto aos programas, o mercado [anunciante] vai dizer quem vai continuar.

A Record faturou em 2012 algo em torno de R$ 3,5 bilhões? O prejuízo anual da emissora é de R$ 200 milhões?

H.G. – Essa é uma conta muito difícil de se fazer. Posso garantir para você que a condição da Record é muito cômoda. Não temos nada atrasado, estamos em dia com todos os pagamentos. A emissora está tranquila e pretende continuar assim, por isso vem promovendo esses ajustes.

Há possibilidade de a Igreja Universal, que já loca cerca de cinco horas diárias no canal, vir a ocupar mais espaços?

H.G. – A igreja é uma grande cliente da Record, mas não fomos procurados para que ela venha a aumentar sua participação em nossa grade.

A igreja paga R$ 500 milhões anuais para a Record por esses espaços?

H.G. – Não sei. Além dos horários, a gente entrega também, ao longo da programação, ações comerciais importantes para Igreja Universal [anúncios no horário comercial], que entram em espaços estratégicos da programação.

“A igreja sempre foi agressiva na comunicação”

Há uma conta de que o Gugu em casa, recebendo salário de R$ 3,5 milhões, daria menos prejuízo que fazendo programa, que gasta mais R$ 4 milhões mensais. É isso mesmo?

H.G. – O Gugu está passando pela mesma análise que todos os produtos, para definirmos o que será feito com ele. Todos devem ser rentáveis.

Houve um momento em que a Record investiu na competição com a Globo. Foram gastos desnecessários, uma vez que hoje vocês brigam pelo segundo lugar com o SBT?

H.G. – Continuamos no mercado. Se a Fifa quiser conversar hoje sobre a Copa de 2022 e a CBF abrir a venda do Brasileirão, eu vou lá. Não mudou nada. Só o mercado que retraiu muito. Entre 80% e 90% da nossa programação é produzida no Brasil.

Mas é complicado investir tanto e perder para A Usurpadora,uma novela mexicana de 1998 exibida pelo SBT?

H.G. – (risos) Mas quanto A Usurpadora fatura? Não temos nada contra os mexicanos, mas queremos criar emprego no Brasil. Temos um projeto de televisão que não começou ontem. Neste ano, vamos ter a nova Fazenda, a novela nova do Carlos Lombardi, a nova versão de O Aprendiz… Tudo o que foi planejado está sendo realizado. Não abandonamos nada.

Todos os dias, alguém do mercado de TV diz que você vai “cair” da Record. Você vai deixar mesmo a emissora?

H.G. – Você vai colocar isso? (risos). Eu respeito muito os jornalistas, enfim, vocês estão atrás da notícia em primeira mão. Mas quando eu souber de algo nesse sentido, eu te aviso, tá? (risos)

A reestruturação da Record é orquestrada pela IURD, que cansou de colocar dinheiro na emissora e não ver lucros?

H.G. – A igreja sempre foi muito agressiva na comunicação. Eles trabalham com gente, querem ajudar as pessoas. Nessa trajetória, sempre vimos esse investimento deles na comunicação, que não vai ser abandonado ou descartado. O investimento da igreja na Record continua. Não só na Record, como na Band, na CNT. A igreja acredita na força desses veículos. Continua igual a relação da igreja com Record e da Record com a igreja. Esse espaço que eles ocupam continua sendo importante. Não há insatisfação alguma.

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Keila Jimenez é colunista da Folha de S.Paulo