Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Os ‘badboys’ da revista e a liberdade de expressão

O encontro entre integrantes do Movimento Passe Livre (MPL) e a presidente Dilma Rousseff gerou repercussão, como não poderia deixar de ser. Entre as manifestações na imprensa, surgiu um artigo de Reinaldo Azevedo, publicado no site da revista Veja (ver aqui).

O autor resolve debochar dos comentários de dois integrantes do MPL. Sua linha de argumentação (?) é desqualificá-los taxando-os de arrogantes e pretensiosos, em especial por causa das declarações de um dos integrantes do movimento, Marcelo Hotimsky, de 19 anos, por ter dito que a Presidência (instituição, não a pessoa que ocupa este cargo) “é despreparada para tratar do assunto transporte”.

Seguem vários comentários de leitores, todos apoiando o colunista – parece que Veja aboliu a dissensão – e enveredando por comentários ofensivos, atacando a honra dos jovens citados. Termos como “lixo” e outros do mesmo calão são usados de forma disseminada.

Um dos comentários envereda por questões familiares, apontando o fato de que o jovem Marcelo é neto dos pesquisadores Ruth e Victor Nussensweig, e lamentando o fato de alguém com avós tão importantes e produtivos para a humanidade seja o que é (na opinião do missivista, um inútil).

Um outro resvala para algo que se assemelha ao crime de racismo dizendo que “existem polacos burros e venais”, incluindo nesta categoria um ministro do STF, Ricardo Lewandowsky. Pelo visto considera que quem tem sobrenome que termina com o som de “i” é polaco. Por algum motivo, esqueceu de citar os italianos e bascos e inclui-los em seu preconceito.

Caminho perigoso

Brincadeiras com um sobrenome pouco comum no Brasil são também feitas, embora possamos imaginar que um nome como “Azevedo” possa ser motivo de riso entre camponeses da Albânia.

Alguém que deve ter tido uma péssima experiência intestinal com toddynho bate na desgastada tecla do “jovem riquinho que não anda de ônibus” e vem se manifestar sem conhecimento do mundo real. Tudo isso num site de uma publicação que alerta a quem queira postar seu comentário que “postagens ofensivas ou criminosas” não serão publicadas.

Diante da situação, postei o seguinte comentário:

“Leio aqui que ‘comentários que contenham termos vulgares e palavrões, ofensas(…) e links externos(…) serão excluídos’. Vejo muitos comentários aqui postados ofendendo, resvalando para o racismo (‘polacos venais’) e trazendo links externos. E aí, editora Abril, revista ‘Veja’, etc, as normas que vocês estabeleceram não têm validade? Vale tudo? Que beleza de jornalismo. Que desserviço à civilização se presta uma revista que perdeu a visão plural.”

O comentário aguardou o parecer do mediador que resolveu por bem não publicá-lo. Quem não comunga com da ladainha de Veja e de seus articulistas, não tem vez.

Aliás, o Francisco que aparece entre os que comentam o artigo postou mais ou menos na mesma data e horário que eu. Mas aparentemente apoia (?) os comentários de Reinaldo Azevedo. Parece que a revista que pede o aprimoramento do olhar continua com sua opção pela cegueira ética.

Mas, sobre o artigo do Reinaldo Azevedo. Interessante que ele ataque a “arrogância juvenil”. Ora, na cultura ocidental, inclusive na de matriz cristã (da qual não faço parte, mas que estudo e respeito), existe um grande apreço pela criança, pelo jovem, e suas opiniões. Afinal, não teria sido Jesus o autor do bordão “vinde a mim as criancinhas” e ter dito que quem não se tornar como uma criança não será digno de entrar no Reino dos Céus (cf. Mateus 18:3)?

Na tradição judaica, no livro do Zohar, a obra principal do cabalismo, surge a figura do Yanuka, do jovem, que traz questionamentos aos sábios que os impulsionam em direção ao saber.

O próprio Fernando Pessoa, citado por Reinaldo Azevedo e por um de seus seguidores, se vale da figura do Menino Jesus como elemento desestabilizador da religião instituída, portador de uma religiosidade mais autêntica. Pessoa o descreve como um menino travesso que corre atrás das moças com as bilhas na cabeça e levanta-lhes as saias.

Sim, a “arrogância”, a “petulância” dos jovens, é um motor que desestabiliza verdades, ilumina obscuridades, abre caminhos. E isso nas cidades da Espanha, na praça Tahrir, em Istambul, pelo Brasil afora.

Uma sociedade que desqualifica os jovens – em especial esses que iniciaram uma mobilização que colocou o Brasil nas ruas –, com fez Reinaldo Azevedo e seus badboys & girls, está fadada à extinção. E que se diga com toda a clareza: os jovens do MPL jamais apoiaram saques ou o vandalismo de alguns manifestantes alheios ao movimento. Como também não se calaram diante da brutalidade policial e da desqualificação que sofreram por parte de algumas autoridades que seguem ecoando no artigo de Azevedo e nas manifestações de seus sequazes no site da Veja.

Nossa sociedade não deixará prevalecer uma visão tão estreita. Há publicações que precisam fazer jus à história que carregam e ao nome que ostentam. Basta olhar em volta com claridade, afastando-se do discurso desqualificador e ofensivo. E, seguindo o clamor das ruas, permitir que opiniões divergentes sejam expressas e discutidas. E não enveredar pelo caminho da censura.

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Francisco Moreno Carvalho é médico com doutoramento na USP