Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Glenn Greenwald, um jornalista no caminho de Obama

A história de amor entre Glenn Greenwald, um americano colunista do jornal inglês “The Guardian”, e um jovem brasileiro oriundo da favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, lembra um conto de fadas. Um conto que foi capaz de tirar o sono do presidente Barack Obama. Afinal, para realizar sua paixão, Glenn foi obrigado a abandonar Nova York e a profissão de advogado para viver no Brasil como escritor e jornalista, terra onde pôde conseguir um visto de residência e onde não é obrigatório o diploma para escrever. Foi nessa condição que ele divulgou o esquema global de espionagem telefônica e eletrônica da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA, denúncia que na visão dele promete mudanças profundas na política internacional e na forma de se ver a mídia n mundo.

Nascido na Flórida em 1967 e formado em Direito pela Universidade de Nova York, durante anos Glenn trabalhou como advogado cível e constitucionalista. Conheceu o Rio de Janeiro durante as férias de 2000, nas quais pretendia passar cinco dias na cidade e outros cinco na Argentina.

– Eu acabei ficando dez dias aqui e nunca mais consegui passar mais de oito meses sem retornar ao Rio. A Argentina até hoje não conheço.

Glenn alega que os atentados de 11 de Setembro e a era George W. Bush trouxeram graves consequências para a vida comum americana, atingindo de forma cruel os direitos individuais, entre eles, a liberdade. Cansado das consequências disto no sistema judiciário, decidiu alugar um imóvel no Rio por dois meses em 2005. No segundo dia de sua “licença”, conheceu David Michael dos Santos Miranda, um jovem morador da Favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio – naquela época uma comunidade subjugada pelo tráfico de drogas.

– Nos apaixonamos imediatamente. Isto nunca tinha acontecido em minha vida, eu não sou assim. E isto aconteceu também com ele, e foi tão intenso que decidimos viver juntos. David nasceu e cresceu numa comunidade pobre e teve que parar de estudar aos 14 anos para ajudar no sustento da família depois que o pai morreu. Mas, o governo americano não dava cidadania no caso de relação homossexual e, para ficar com ele, decidi vir morar no Brasil.

Blog alavancou estada no Rio

Glenn chegou em fevereiro de 2005, e em outubro, ainda sem horizontes, resolveu iniciar um blog para protestar contra os abusos aos direitos humanos pelo governo do presidente Bush. Quatro dias depois do blog criado, ele publicou uma análise sobre o caso de Lewis “Scooter” Libby. Principal conselheiro do então vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, Libby foi acusado de obstrução da Justiça, falsas declarações e perjúrio, no testemunho que prestou num inquérito sobre vazamento de informação.

– Eu ainda estava pensando no que faria da minha vida para sobreviver. Sem qualquer plano, num dia iniciei um blog, mas passei três dias sem escrever porque afinal só havia eu mesmo de leitor. Só que, no quarto dia, escrevi sobre o caso Libby para mostrar que havia muito mais por trás daquela acusação e que a imprensa estava apenas repetindo a versão oficial. Um site de jornal lincou o artigo e eu fui visitado por 30 mil internautas.

Suas denúncias constantes contra arbitrariedades do governo Bush em seu blog trouxeram a Glenn notoriedade, e ele escreveu seu primeiro livro How Would a Patriot Act? (2006), que se tornou best-seller. Depois, ele ainda escreveu outros dois campeões de vendas: A Tragic Legacy (2007) e With Liberty and Justice for Some de 2011. Para garantir seu sustento, passou a receber doações de seus leitores, num sistema conhecido como “reader-funded journalism”.

– Esse sistema permite total independência para um jornalismo puro, livre de interesses.

Em agosto de 2012, tornou-se colunista do jornal inglês The Guardian. Com a vida tranquila, estudando e escrevendo sobre a política americana em sua casa, na Gávea, Zona Sul do Rio, onde mora até hoje com David, Glenn teve uma nova reviravolta em sua vida a partir de dezembro, quando um estranho passou a procurá-lo por e-mail pedindo-lhe que baixasse um programa sofisticado de criptografia para repassar a ele “um segredo de Estado americano”:

– O programa era muito complicado, e eu, a princípio, não queria baixar. Afinal, sequer sabia quem era… Ele insistiu várias vezes e até postou um vídeo no YouTube mostrando como fazer. Mas foi só quando ele foi até uma amiga minha e importante documentarista, Laura Poitras, que eu aceitei baixar o programa. Quando vi os primeiros documentos, caí para trás. Em três dias, eu estava embarcando para a China para encontrá-lo num hotel em Hong Kong. Foi tamanha a adrenalina diante daqueles cinco mil documentos que eu passei 12 dias lá sem conseguir dormir mais do que duas horas por dia.

Até Glenn conhecer o ex-técnico da NSA Edward Snowden, seu blog recebia até cem mil visitantes. Mas depois, segundo ele, sua audiência saltou para 500 mil, às vezes um milhão. Mas de crítico, colunista e blogueiro, ele também virou desafeto do governo e de uma parte da imprensa americana.

– A lei americana protege os jornalistas nestes casos. E há uma corrente que defende que eu seja processado porque afinal sou, segundo alguns críticos da imprensa tradicional, um blogueiro, no máximo um colunista, porque não sou formado, porque dou minha opinião. Eu acho que a diferença não está em dar ou não opiniões, mas em ser honesto ou não. Eu opino, mas apresento fatos, evidências do que estou defendendo. E até agora ninguém disse que eu contei alguma mentira. Os terroristas já sabiam que o governo americano usa a rede para espionar. Quem não sabia disto eram as pessoas inocentes nos Estados Unidos e no resto do mundo – rebateu Glenn.

Advocacia nunca mais

O colunista está de volta ao Rio, onde continua trabalhando nos documentos que lhe foram entregues pelo ex-funcionário da NSA. Depois de tudo que aprendeu sobre o sistema Prism, ele próprio evita trabalhar usando um computador ligado à rede:

– Tenho um computador antigo, Positivo, que sequer tem acesso à internet – conta, sentindo orgulho de trabalhar em sua velha Remington digital.

Ele diz que ainda não conseguiu retomar a rotina na cidade que escolheu para viver.

– Eu já sabia das consequências de revelar uma das notícias mais importantes dos últimos anos no mundo. Mas fico feliz porque acho que a função de um jornalista é lutar contra os poderosos quando eles estão errados. Antes mesmo de tudo acontecer, conversei com David e ele me apoiou. Ele está se formando pela ESPM e, pode ser que um dia vamos viver nos Estados Unidos, mas agora estamos felizes aqui.

Quando fala do Rio, diz que aqui reencontrou o “sonho de liberdade”.

– Eu gosto de tudo. Das praias, montanhas, prédios. Do centro da cidade. Gosto de comer arroz e feijão. Tudo se encaixa com meu jeito de viver – comemora o advogado que não pretende mais exercer o antigo ofício: – Como jornalista de um blog, eu posso debater com meus leitores. Eu faço minhas próprias regras, isto está no acordo com o “Guardian”. A imprensa mudou e, ao contrário do que pensam alguns conservadores, todos os jornais hoje precisam de blogs porque eles é que atraem leitores.

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Elenilce Bottari, do Globo