Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sendo digital ou não, a TV é social

Lá no finalzinho do século 19, em 1895, quando os irmãos Auguste e Louis Lumière inventaram as imagens em movimento usando o cinematógrafo, eles exibiram a novidade numa sala para uma plateia. Todos ficaram maravilhados. Afinal, como era possível ver a nossa realidade projetada? Fico imaginando o quanto aquela sociedade foi impactada com esta inovação… Aquilo era incrível, imagens “reais”, ali na tela, nada fixo, nada parado, tudo em movimento, seja contando histórias, seja relatando estórias. É algo incrível de se pensar!

As imagens em movimento sempre nos fascinaram e permanecem atiçando a nossa curiosidade. Atualmente, vide o sucesso dos vídeos na internet, o usuário é ativo, escolhe o que quer ver e por isso presta atenção a cada detalhe do que está assistindo. Há também a alternativa de criar seu próprio vídeo e as novidades dos microfilmes feitos e devidamente compartilhados via aplicativos como o Vine (do Twitter) e o Instagram (do Facebook). É fato: adoramos vídeos. E hoje, com as tecnologias digitais, os vídeos estão ainda mais próximos do nosso cotidiano, registrando tudo. Em segundos, também produzimos, criamos, gravamos e compartilhamos.

É exatamente nesta última palavrinha que me detenho neste artigo: compartilhamento. Vamos voltar lá para os irmãos Lumière: os pais do cinema sabiam que aquelas imagens em movimento precisavam ser divulgadas de alguma forma (lembrando que até então não existiam salas de cinema, claro). Daí, é possível inferir que não só a invenção em si fez sucesso, mas também a exibição para muitas pessoas ao mesmo tempo, detalhe que potencializou o alcance da novidade.

Só para “não se sentir sozinho”

São prazeres distintos, mas que se integram e permanecem atuais: por um lado, temos o prazer de ver, de consumir o audiovisual; por outro, o prazer de compartilhar. Tem coisa mais gostosa do que comentar com alguém o que você assistiu? De novo, estamos refletindo sobre o “compartilhar”, repartir com o outro (ou com os outros), interagir, trocar ideias.

A cronologia da história da televisão no mundo, em questões técnicas, data de antes do cinema. A partir de 1873 há uma sucessão de pesquisas e descobertas nas áreas químicas e físicas que possibilitaram o início das transmissões de TV, em 1923, na Inglaterra (mas essa é uma outra história). Por hora, é interessante observar o caráter social da televisão desde seus primórdios. Os exemplos são muitos: em 1937, a BBC transmitiu a coroação do rei Jorge VI para cerca de 50 mil telespectadores; em 1939, nos EUA, foram iniciadas as transmissões em rede através da emissora NBC e da CBS; em 1948, passada a II Guerra Mundial, que praticamente paralisou o avanço das televisões no mundo, as emissoras começaram a receber anúncios regularmente, viraram veículos publicitários. Por quê? Porque os publicitários perceberam o poder da televisão em gerar conversas, em influenciar pessoas que, por sua vez, influenciam outras pessoas, nada muito distinto do que estamos vivenciando no contexto virtual e com o fenômeno das redes sociais virtuais.

Em 1950 (ano da inauguração da televisão no Brasil), já existiam nos EUA – segundo pesquisa realizada por Sérgio Mattos, no livro História da Televisão Brasileira [2002] – 107 emissoras de TV, que transmitiam programas para mais de quatro milhões de aparelhos. Um ano depois, em 1951, esse número saltou para 10 milhões e, em 1959, o total era de 50 milhões. Somos ou não fascinados pelas imagens em movimento? Somos ou não fascinados em falar/escrever/compartilhar opiniões sobre o que assistimos?

Nesta segunda década do século 21, o avanço das tecnologias de informação e de comunicação, a mobilidade e a acessibilidade cada vez maiores geradas pela era virtual potencializaram a cultura do audiovisual, o consumo de vídeos, o hábito de ver TV e, principalmente, comentar o que se viu, seja com a família, em casa, na sala de estar, ou com os amigos via internet. Offline ou online, estamos compartilhando TV diariamente. Não é à toa que recentemente tem-se falado num novo fenômeno, chamado social TV, ou TV social, em português. Ver televisão é um ato conjunto, que se faz em parceria, não é imersivo como o cinema, onde você senta, deixa no silencioso o celular e interage somente com a telona. Com a TV é diferente. Na sua casa, você recebe os amigos, você liga a TV, ainda que seja somente para compor o ambiente, somente para ser agradável, não exatamente para assistir ao que está sendo transmitido. Quem nunca, estando sozinho em casa, ligou a TV só para “não se sentir sozinho”, que atire a primeira pedra.

TV brasileira é social desde seu início

O social TV não se trata de um fenômeno exclusivamente gerado pela web, ou mais especificamente pelas mídias sociais, embora essas plataformas potencializem o fato de que queremos ver TV com quem também está assistindo. Recentemente o Ibope divulgou uma pesquisa, que chamou de Pesquisa Social TV, e apresentou dados relevantes: no Brasil, 43% dos internautas assistem à TV enquanto navegam na internet; 29% dos consumidores simultâneos de TV e internet fazem comentários online sobre os programas. Quer dizer, não basta assistir, tem que opinar.

Ainda segundo o Ibope, 59% dos internautas entrevistados costumam assistir à TV e simultaneamente navegar na web todos os dias; 70% afirmam que pesquisam na internet sobre o que está sendo mostrado na TV, e 80% admitem ter ligado a TV ou trocado de canal motivados por uma mensagem virtual.

Vivemos uma fase de transição, em que já é clichê afirmar que tudo está mudando muito rápido. Mas quando nos debruçamos na pesquisa, o clichê assusta. O que é realidade hoje pode virar ficção hoje ainda. A televisão brasileira é social desde seu início. Sendo analógica ou digital, a televisão é feita para muitos, é transmitida em rede, é consumida em rede, seja online ou ao vivo via broadcast.

As concessões e os direitos dos telespectadores

Agora, na era digital, a promessa da interatividade via Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD-T), por exemplo, ainda permanece obscura. Por um lado, as pesquisas estão em andamento, mas engatinham. Por outro, as emissoras transmitem seus aplicativos interativos, mas não divulgam. O grande público não conhece, não sabe do que a tecnologia brasileira de televisão digital é capaz para gerar novas opções de compartilhamento das imagens em movimento que amamos.

A televisão digital no Brasil vem se resumindo basicamente em qualidade de imagem e som. A lentidão dos avanços de outros benefícios da TV Digital, como interatividade, mobilidade e multiprogramação, resulta em mais espaços para a web, através da integração entre o conteúdo transmitido nas telinhas e os conteúdos produzidos e divulgados online. Pois é, TV digital também significa TV e internet, e é o público que vem mostrando isso – o mesmo público brasileiro que desde os anos 50 faz questão de compartilhar o que vê na TV.

O desafio está nas mãos de quem faz TV no país. O Brasil passa pela transição entre a transmissão analógica de TV e a instalação do sistema digital, que hoje está presente em mais de 500 cidades. Sendo digital ou não, a TV permanecerá social – quer dizer, a produção de conteúdos no Brasil tem um campo enorme para inovação. Produtores, roteiristas, editores, jornalistas, publicitários e tantos outros profissionais da comunicação terão que aprender fazendo, dialogando com o telespectador que está cada vez mais acostumado com a segmentação, que está produzindo o seu próprio conteúdo e que também quer o seu espaço midiático.

Em se tratando de TV aberta, e levando em consideração esta fase de uma maior conscientização política em que os brasileiros estão expondo suas opiniões via mídias sociais e com os protestos nas ruas, fatos que estão pressionando a gestão pública e efetivamente influenciando decisões políticas, fico imaginando o que pode acontecer se todos começarem a tomar consciência a respeito das nossas concessões públicas e dos nossos direitos enquanto telespectadores. Torço muito, de verdade, por isso, mas sei que já é assunto para um próximo artigo.