Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Quem é jornalista? Uma pergunta de muitas facetas

Por trás de quase todas as correções feitas no NYTimes, há uma história. No caso da correção sobre Alexa O’Brien a história é particularmente interessante.

A correção, que foi feita na edição do dia 26/6, dizia o seguinte:

“Um artigo publicado sobre o papel desempenhado por Julian Assange, cofundador do WikiLeaks, no caso de Edward Snowden, o ex-técnico de informática que vazou detalhes sobre a vigilância da Agência de Segurança Nacional, fez uma citação incompleta de Alexa O’Brien, que acompanhou de perto o caso do soldado Bradley Manning, acusado de entregar documentos militares e diplomáticos ao WikiLeaks. Embora Alexa O’Brien tenha participado de causas ativistas, como Occupy Wall Street, ela também trabalha como jornalista independente, e não apenas como ativista”.

Depois que o artigofoi publicado, Alexa enviou mensagens para a ombudsman do jornal, Margaret Sullivan, e para outras pessoas no NYTimes, enfatizando que é jornalista e deveria ser citada como tal. Margaret passou a mensagem para o responsável pelas correções. O jornal avaliou o caso e decidiu fazer a correção.

Os “corretores do poder”

Mas o fato levanta uma questão muito pertinente no atual momento. Quem – e o que – é um jornalista? Não se trata apenas de semântica.

Há um aspecto legal muito forte nessa discussão. Caso eventualmente seja aprovada uma lei federalque dê cobertura legal a jornalistas que tenham prometido manter em sigilo suas fontes, a quem se aplicará tal lei? Será aplicável apenas às organizações de mídia estabelecidas, ou também a quem é remunerado para coletar notícias? Ou será aplicável a todo mundo que tenha uma página no Facebook?

O assunto fica ainda mais quente no contexto do governo Obama, com os responsáveis por vazamentos sendo processados pela Lei de Espionagem, com o cerco a Julian Assange e o caso do repórter James Rosen, da Fox News, recentemente enquadrado como co-conspirador num caso de vazamento.

Depois, numa abordagem separada, há a questão do respeito profissional mostrado para com pessoas como Alexa ou o colunista Glenn Greenwald, responsável por importantes furos sobre vigilânciagovernamental para o jornal The Guardian nas últimas semanas. Seria Greenwald um “blogueiro”, como um título do NYTimes se referiu a ele recentemente? Esse título encabeçava um perfilno qual não era usada a palavra “jornalista” para descrever o colunista da edição americana do Guardian, cujo site tem sede em Nova York. Na época, a ombudsman escreveu (no Twitter) que achava o título desrespeitoso. É claro que não há problema em alguém ser blogueiro – ela própria é uma. Mas quando um jornal do establishmentusa esse termo, de certa maneira parece dizer “você não é exatamente um de nós”. (E isso poderia até ser aplicável a Glenn Greenwald, que já escreveu com desprezo sobre pessoas da mídia, que ele chama “corretores do poder”.)

Contestação entre governo e imprensa

Bruce Headlam, editor responsável pela cobertura da mídia no NYTimese que foi voz importante na decisão sobre a correção em relação a Alexa, avaliou a questão. “Não considero ‘blogueiro’ um insulto e também não considero ‘ativista’ um insulto”, disse ele. “Mas eu poderia representar a minoria” nessas questões. Ele também destacou, e com razão, que essas questões ganharam um novo significado no clima atual e poderiam ser cruciais para Greenwald. (Atacado, o governo Obama disse recentemente que não irá perseguir jornalistas por fazerem seu trabalho.)

Por outro lado, mas no mesmo contexto, as credenciais jornalísticas de pelo menos um apresentador de uma emissora importante foram questionadas semana passada. Escrevendo sobre David Gregory, âncora do programa Meet the Press, da NBC, Frank Rich bateu duro(como fizeram muitos outros) por ele ter perguntado a Greenwald se ele “não deveria ser acusado de um crime” na medida em que “ajudou e instigou” Edward Snowden, o autor do vazamento sobre a Agência de Segurança Nacional. Num texto de uma revista de Nova York, Rich escreveu: “David Gregory é jornalista? Só como experiência, cite uma notícia importante que ele tenha dado, uma reportagem que ele tenha levantado com distinção, alguma entrevista memorável que ele tenha conduzido e que não tenha sido com John McCain, Lindsey Graham, Dick Durbin ou Chuck Schumer.”

Portanto, quem é jornalista? Margaret poderia explorar os aspectos legislativos e legais e talvez valha a pena voltar a esse assunto. (Decisões tomadas a partir da interpretação da legislação do estado de Nova Jersey são particularmente interessantes, assim como a linguagem a usar diante do Senado, de acordo com a atual proposta de lei federal.)

De momento, no entanto, ela limita-se a oferecer esta definição, que reconhece ser parcial: um jornalista de verdade é aquele que compreende, de maneira simples e sem se envergonhar, a relação de contestação entre o governo e a imprensa – justamente a tensão em que pensavam os fundadores do país quando criaram a Primeira Emenda. Aqueles que respondem integralmente a essa descrição merecem ser respeitados e protegidos – e não, marginalizados.

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Margaret Sullivan é ombudsman (“public editor”) do New York Times