Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Seria a publicidade a próxima vítima da internet?

“Todo mundo concorda que a publicidade na internet não funciona”, diz Till Faida, diretor-presidente da Adblock Plus, criador do mais popular – de longe – software de bloqueio de anúncios na web. O alemão de fala mansa, que visita a região da Bay Area de San Francisco em busca de apoio a uma iniciativa de sua empresa – “Anúncios Aceitáveis” [Acceptable Ads] – desenha um quadro doloroso: os anúncios não estão gerando receita suficiente e os websites são forçados a divulgar anúncios cada vez mais “agressivos” – uma enxurrada enlouquecedora de pop-ups, banners que piscam e comerciais com som. Ocorre que, à medida que os anúncios ficam cada vez mais irritantes, os usuários clicam cada vez menos, forçando a receita a cair ainda mais. “Trata-se de um círculo vicioso de criação que, em algum momento, levará o sistema inteiro a ruir”, diz Faida.

Till Faida acredita que pode ajudar a evitar esse quadro apocalíptico. Pode soar um tanto estranho ouvir que o diretor-presidente de uma empresa cujo principal produto foi projetado para suprimir anúncios esteja dedicado ao objetivo de salvar a publicidade – os proprietários de websites cujas receitas estão prensadas por usuários do Adblock Plus serão, com certeza, desculpados por olharem com muita desconfiança. Mas Faida acredita que conseguirá alavancar o poder de mercado da Adblock Plus – a empresa reivindica ter 50 milhões de usuários – para criar incentivos que obriguem os anunciantes na internet a se comportar. É uma pretensão audaciosa – e olhando de perto, tem um grande macete. Isto porque o modelo de negócios da Adblock Plus – a forma pela qual a empresa pretende gerar lucros – consiste em cobrar dos anunciantes uma quantia para não bloquear alguns de seus anúncios. Uma empresa que bloqueia anúncios ganhando dinheiro por não bloquear alguns deles? Isso não seria propaganda enganosa?

Mas nem todos os anúncios são ruins, argumenta Till Faida. Veterano do marketing digital que entrou para a Adblock Plus em 2010, Faida utiliza o argumento, perfeitamente lógico, de que a internet precisa de uma indústria de publicidade saudável para dar apoio a uma imensa gama de serviços gratuitos. E 80% dos usuários da Adblock Plus, segundo Faida, não se opõem a anúncios que não sejam desagradáveis.

Alguns anúncios passam pelos filtros

No entanto, ficou sem resposta uma questão relativa aos “anúncios aceitáveis”: fariam eles parte de um mundo no qual a publicidade realmente pagaria as contas? Porque “aceitável” não significa apenas “não irritante”. Também significa “fácil de ignorar”. E se a publicidade for fácil de ignorar, ela não funciona.

O sucesso da Adblock Plus, quase por definição, comprime a indústria da publicidade e aponta o holofote cintilante para uma questão a esta altura já familiar. A internet destruiu o modelo tradicional de negócios de uma porção de indústrias. Estaria se preparando para também destruir a publicidade?

É assim que funciona o programa “Anúncios Aceitáveis”, da Adblock Plus. As bandeirinhas de anúncios da “comunidade” Adblock Plus registram o anúncio como “inaceitável” ou “aceitável”. Em seguida, um grupo de cerca de 200 voluntários de “código aberto” constrói filtros na Adblock Plus projetados para bloquear anúncios nas duas categorias. Entretanto, na maioria dos pequenos websites, blogs ou sites de mídia, os anúncios “aceitáveis” são liberados premeditadamente. Isso significa que eles passarão pelo filtro. (Qualquer usuário da Adblock Plus pode acionar um interruptor que bloqueia todos os anúncios, diz Till Faida, mas até hoje somente cerca de 6% dos usuários o fizeram.) Para as grandes empresas há um padrão diferente, diz Faida. Para pagar pelo custo de operar a Adblock Plus para todas elas, a empresa cobra dessas empresas uma quantia para participar do programa “Anúncios Aceitáveis”. Se elas pagarem, seus anúncios – desde que não indiscretos e aceitáveis pela comunidade – passam pelos filtros.

Semelhança com proteção mafiosa

Quando tomei conhecimento do modelo de negócios da Adblock Plus pela primeira vez, escrevi um texto chamando-o de esquema “pague-para-jogar”. Uma pessoa chamada Mark Addison, do departamento de Relações Públicas da Adblock Plus, escreveu-me um e-mail pedindo uma correção. Não o atendi, em grande parte porque não conseguira uma resposta à pergunta direta que havia feito – sobre o que aconteceria se uma empresa como o Google se recusasse a pagar.

Várias semanas depois, Addison me informou que Till Faida estava de visita à região da Baía de São Francisco e ofereceu uma oportunidade para uma entrevista pessoal. Tive que fazer a mesma pergunta três vezes – o que acontece se grandes empresas não pagarem? – antes de conseguir uma resposta direta: se uma empresa não pagar, então todos os seus anúncios serão bloqueados antecipadamente. Portanto, se o Google deixar de pagar, todos os anúncios que dão apoio aos serviços do Google – inclusive textos e resultados de pesquisa patrocinados, que os usuários da Adblock Plus já haviam decidido ser aceitáveis – ficam bloqueados.

Faida e Addison apresentaram o modelo de negócios como um exercício em equidade. Para que os pequenos anunciantes tenham seus anúncios aceitáveis automaticamente liberados, os que têm condições de pagar devem contribuir. Porém, para mim, isso ainda tem uma leve semelhança com um tipo de proteção mafiosa. Pague ou quebramos suas janelas! Pague ou milhões de usuários da Adblock Plus jamais verão seus anúncios.

Impressão  pouco favorável

E Till Faida não tem vergonha disso. “Acho que chegamos a um ponto em que temos tantos usuários”, diz ele, “que bloquear todos os anúncios seria destrutivo para a internet.” À primeira vista, a pretensão de Faida soa como uma arrogância sem paliativos. Uma pequena empresa alemã teria o poder para fazer descarrilar toda a economia da internet? Mas o Google reconheceu que concordou em pagar a quantia solicitada para participar. Quando a maior empresa da economia de publicidade na internet reconhece que está pagando para ter seus anúncios liberados pela Adblock Plus, isso é algo que deve ser examinado.

Quer se considere o modelo de negócios da Adblock Plus extorsão ou uma simples transação comercial esperta – na realidade, considere-se ou não o próprio bloqueio de anúncios um roubo declarado –, a conclusão é que os bloqueadores de anúncios vêm fazendo uma diferença significativa.

Um relatório divulgado esta semana pelo site PageFair, que examinou 220 websites distintos, disse que 22,7% das pessoas que visitam aqueles sites estavam usando softwares de bloqueio de anúncios. Segundo o New York Times, PageFair ganha dinheiro ajudando as empresas a evitar bloqueadores de anúncios e, portanto, esta passa a ser uma briga séria. Porém, sem sombra de dúvida, a indústria da publicidade tem uma impressão pouco favorável da Adblock Plus – ou de qualquer outra empresa independente que tente ajudar os usuários da internet a se defender dos anunciantes.

Reclamações representam a melhor aprovação

Em julho, Randall Rothenberg, diretor-presidente do Interactive Advertising Bureau, publicou uma cantilena com o título “O Mozilla perdeu seus valores?”, no qual cita o papel do Mozilla como “maior distribuidor da Adblock Plus do mundo”, como prova de que “o poder cívico e o caráter público” do desenvolvedor do navegador da Firefox “estão solidamente carregados de antipatia em relação à publicidade e ao comércio da internet”.

Assim como a pirataria de músicas e de filmes pela internet, o bloqueio de anúncios parece ser um processo sem vítimas, mas na verdade é uma atividade possivelmente ilegal que é danosa à receita de uma cadeia contínua de empresas legítimas. Em alguns mercados, a Adblock Plus é responsável por suspender até 50% dos anúncios das principais editoras, prejudicando significativamente sua receita. Para pequenas editoras, o efeito é devastador.

Se julgarmos as pessoas por seus inimigos, o placar da Adblock Plus é alto. O IAB [site dedicado ao crescimento da publicidade interativa] é um inimigo implacável de quaisquer esforços para restringir os limites da publicidade online ou para a capacidade dos anunciantes rastrearem os movimentos dos usuários da internet. Para a maioria dos usuários da web com mais conhecimentos tecnológicos, as reclamações de Randall Rothenberg em relação à Adblock Plus representam a melhor aprovação que Till Faida iria querer. (Até o momento, Rothenberg não havia respondido às perguntas que lhe foram enviadas por Salon.)

“Juiz e júri” para modelos de negócios

Mas, para o IAB, o apoio que o navegador de extensão Mozilla dá à Adblocks Plus não é a principal queixa. Filtros da internet que suprimem anúncios pop-up são uma irritação menor, comparados à ameaça que representa o projeto do Mozilla, anunciado no início da primavera deste ano [nos EUA], de divulgar uma versão do Firefox que bloqueia automaticamente todos os cookies colocados por terceiros nos computadores dos usuários que usem esse navegador.

A colocação de cookies por terceiros permite rastreamento online. A ideia de que um dos maiores desenvolvedores de navegadores poderia eliminar os intermediários que ajudam os anunciantes a desenvolver perfis do comportamento do usuário da internet atingem em cheio o coração o modelo de publicidade online. Neste verão, a indústria da publicidade ficou com tanta raiva do Mozilla que, em meados de agosto, a Aliança de Publicidade Digital [Digital Advertising Alliance] retirou anúncios de página inteira dos jornais comerciais, alegando que o Mozilla estava “sequestrando a internet”.

Ultimamente, está fácil você encontrar coisas que o interessam na internet. Isso porque os anunciantes podem esculpir os anúncios de acordo com interesses específicos através do uso responsável e transparente de cookies. Mas o Mozilla quer eliminar os mesmos cookies que permitem aos anunciantes alcançar a audiência certa, com a mensagem certa, no momento certo. O Mozilla argumenta que é em nome da privacidade. Acreditamos que a verdade seja que ajuda alguns modelos de negócios a ganhar uma vantagem no mercado e reduz a concorrência. Atualmente, os consumidores têm controle sobre se recebem anúncios baseados em juros através do programa autorregulatório da Aliança de Publicidade Digital. O Mozilla parece querer ser “juiz e júri” para modelos de negócios na internet.

Preços em queda

Perguntei à Aliança de Publicidade Digital se eles poderiam ser mais específicos sobre o que, exatamente, os “modelos de negócios” “ganhariam de vantagem no mercado” por meio de ações do Mozilla. Não me responderam. Perguntei ao Mozilla se a feroz reação da indústria ao projeto de permitir que um cookie de um terceiro bloqueasse automaticamente o anúncio influenciara a decisão de recuar e substituí-lo por um “centro de intercâmbio de cookies” que deixaria que os navegadores administrassem de forma transparente listas estipulando para que seria permitida a instalação de cookies e quem seria bloqueado. O Mozilla também não fez comentário algum. Aparentemente, a questão que envolve a publicidade na internet é bastante delicada!

Mas faz sentido. Porque os bastidores da briga pelo cookie de um terceiro bloqueando anúncios é preocupante. A ferocidade da retórica é um sinal de que toda a base econômica de nossa economia de internet gratuita é fundamentalmente instável. As pessoas não gostam de anúncios e as novas tecnologias facilitam evitá-los; consequentemente, é muito difícil fazer com que funcionem modelos dependentes de publicidade.

O próprio Google, de longe o maior operador em publicidade online, está consciente disso. Quer saber por que o Google está disposto a pagar à Adblocks Plus para participar do programa de Anúncios Aceitáveis? Eis aqui uma possível resposta: os preços pagos pelos anunciantes por impressões online e cliques vêm caindo de maneira mais ou menos contínua há dois anos. Nesse tipo de ambiente, você não pode se dar ao luxo de não fazer o jogo da Adblock Plus!

Quem está realmente sequestrando a internet?

Talvez. O Google recusou-se a dar uma declaração de uma linha reconhecendo sua participação na Adblock Plus. E não ficou claro quantas “grandes empresas” são membros pagantes do programa de Anúncios Aceitáveis. Till Faida limitou-se a dizer-me que o número total é de “menos de 20”. Também não está claro se a batalha sobre o bloqueio de anúncios na web aberta será onde o futuro da publicidade na internet será decidido. Atualmente, todos os preciosos olhos se movem rapidamente para o ambiente móvel, seguidos de perto por um percentual crescente de dólares de publicidade.

Teoricamente, o mundo móvel voltado para os apps oferece um ambiente muito mais amigável e mais controlável para os anunciantes. No constante jogo tecno-dialético entre anunciantes e bloqueadores de anúncios, o ambiente mais restrito de smartphones e tablets oferece alguma esperança de que os anunciantes possam ganhar terreno que perderam para os bloqueadores de anúncios. Mas sua vantagem não é muito nítida: e também é muito mais difícil anunciar nas telas menores.

O Google pode estar disposto a participar do programa de Anúncios Aceitáveis da Adblock Plus, mas sua posição real sobre bloqueadores de anúncios foi nitidamente esclarecida em março, quando a empresa baniu a Adblock Plus do Google Play store. Ah, sim, e você também não vai encontrar a Adblock Plus na loja de aplicativos da Apple. O que sugere a pergunta: quem está realmente sequestrando a internet? Tecnologias anti-anúncios ou o smartphone?

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Andrew Leonard é repórter e editor de tecnologia do site Salon