Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Leitura é essencial para a formação do jornalista-cidadão

Alto Araguaia fica a pouco mais de 415 km de Cuiabá, na região sul do estado de Mato Grosso. Não chega a ter 20 mil habitantes e é atravessada por uma BR, na qual passam diariamente um sem-número de caminhões. A cidade completou 75 anos no dia 26 de outubro e o que impressiona é o fato de, apesar de ter uma universidade estadual que, inclusive, oferece bacharelado em Jornalismo, não há uma política efetiva no campo da leitura. E isso fica evidente pela ausência de uma biblioteca pública.

É cediço que um espaço de leitura público pode ser um instrumento fundamental na formação dos cidadãos, sejam eles araguaienses ou de outra localidade. Uma cidade que abarca dois cursos que trabalham eminentemente com a palavra – licenciatura em Letras e o já citado bacharelado em Jornalismo – acaba sendo prejudicada pela falta de uma biblioteca pública. Ainda mais por ser inquestionável o fato de a leitura ser uma ponte para o processo educacional eficiente, proporcionando a formação integral do indivíduo (MARTINS, 1994).

Reflexo disso são alunos que avançam pelos semestres com dificuldades de interpretação. É comum se ouvir o famoso refrão “Eu li, mas não entendi”, que acaba por ser reflexo da falta de hábito da leitura e não possibilita a autonomia intelectual e o pensamento crítico que a profissão jornalística exige de um profissional. No entanto, não há que se falar nas vivências ou carências de leitura de um indivíduo sem situá-lo dentro das contradições presentes na sociedade em que está inserido (SILVA, 1997).

Novas tecnologias, novos desafios

A leitura não é um ato natural, mas cultural e historicamente demarcado (PERROTI, 1990). E, nesse caso, a falta de uma biblioteca pública em uma cidade universitária com curso de Jornalismo é uma grande contradição que precisa ser superada. Tendo em vista as novas Diretrizes Curriculares Nacionais, cujo foco central deixa de ser o jornalismo impresso, levantar a bandeira de uma biblioteca pública se faz necessário para que, aliada a um ensino que saiba aproveitar as novas tecnologias da comunicação, a formação tenha um forte caráter humanístico. É como o ciclo sugerido por Paulo Freire: para ler o mundo é preciso saber ler as palavras, e vice-versa.

A já anunciada “crise de leitura” continua se agravando. Com as novas tecnologias, o livro vem sendo substituído por outras formas de entretenimento de mais fácil e rápido consumo (WORNICOV, 1986). Desde o surgimento do rádio e da TV, aliás, houve quem vaticinasse o fim do livro e dos jornais. Projeções erradas. O fato é que a palavra escrita nunca deixou de ser considerada uma herança cultural (MARTINS, 1994) e o livro impresso tem sido ainda o principal instrumento na formação de leitores e de jornalistas.

A ideia de que jornalismo se aprende unicamente na prática não convence mais, até por todo o debate que se tem feito em torno da obrigatoriedade do diploma. Antes, como relata Mário Erbolato (1979), o jornalismo era apreendido nas redações. Considera-se, claro, a experiência de se trabalhar com profissionais experientes e na dinâmica que é própria da profissão, mas é como ressaltam Polistchuck e Trinta (2003): a teoria informa a prática e esta é uma constante questão à teoria.

Não basta reclamar do poder púbico

É neste cenário atual, de constantes mudanças, que se observam os e-readers, leitores afeitos às publicações que podem ser consumidas em qualquer lugar graças aos dispositivos eletrônicos – kindle, tablets e afins. E se não leem nos gadgets, o suporte físico – o livro – acaba sendo transportado para o ciberespaço como forma de socialização. Ao invés do silêncio da biblioteca, o rizomático espaço virtual. Nada de tão errado para um jornalista em formação, que deve estar atento às novas mídias e a esse cenário convergente. Mas tendo em vista a contrapartida social do jornalismo, a falta de uma biblioteca pública pode deixar lacunas no processo de aprendizagem e numa leitura humanística da sociedade.

A universidade em Alto Araguaia tem uma biblioteca, mas as obras atendem apenas a uma parte da demanda – a dos cursos. Sabe-se da dificuldade para manter e atualizar um acervo considerável e atualizado, e por isso o poder público poderia se interessar – e se esforçar mais – para oferecer à sociedade de Alto Araguaia uma biblioteca pública. Uma cidade universitária que não conta com cinema, teatro ou outros bens culturais, precisa, no mínimo, de uma biblioteca pública para que seja possível uma transformação do pensamento de toda a sociedade, inclusive dos jornalistas que se formarão e eventualmente atuarão no município.

Se o jornalismo ajuda na construção social da realidade, ter leituras para além de manuais de redação é essencial nesse sentido. É evidente que não basta reclamar do poder púbico: essa questão envolve também o interesse dos acadêmicos e da própria sociedade.

Prática formalista e mecânica de leitura

Segundo Jakob Nielsen (apud CANAVILHAS, 2004), a leitura num monitor é feita por varrimento visual, e se for esta uma tendência, é preciso pensar estratégias para se estimular um hábito saudável de ler. Uma biblioteca pública pode trazer títulos que são universais e que são muito úteis a quem faz Comunicação Social. 1984, de George Orwell, Os Sertões, de Euclides da Cunha, e Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac são apenas alguns exemplos que podem fazer link com a prática jornalística e que, se não estão nas estantes dedicadas ao jornalismo, com certeza devem estar (ou ao menos deveriam) acessíveis numa biblioteca pública.

Como bem ressalta o Manifesto da Unesco sobre Bibliotecas Públicas, uma aprendizagem permanente, autonomia de decisão e desenvolvimento cultural dos indivíduos e grupos sociais passam pela porta de uma biblioteca pública. E para o campo jornalístico isso é importantíssimo, uma vez que ao jornalista cabe dar subsídios para que a sociedade possa se autogovernar (KOVACH; ROSENSTIEL, 2004).

Alto Araguaia ostenta o slogan de “A capital da alegria”, e apesar dos índices que apresenta, parece não acompanhar o fluxo informacional que marca a contemporaneidade. Não se quer aqui denegrir o município ou os acadêmicos dos cursos da universidade, mas apenas levantar a bandeira da necessidade de uma biblioteca pública que ofereça maneiras – livros! – para romper com a prática formalista e mecânica de leitura vista apenas como a simples decifração de códigos.

******

Janaina Inácio de Oliveira é professora, Alto Araguaia, MT; Iuri Barbosa Gomes é jornalista e professor