Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Oposição da mídia é mais forte que a oposição política’

No dia da sua primeira entrevista como presidente reeleito do Partido dos Trabalhadores (PT), no feriado de 15 de novembro, o deputado Rui Falcão acabava de receber a notícia da prisão do um de seus antecessores nesse cargo, José Genoino, além do ex-ministro José Dirceu. Não cancelou a entrevista, e manteve a postura suave que o caracteriza, mas não emitiu opiniões a respeito da prisão. “Minha manifestação é a mesma que foi emitida pelo diretório em novembro do ano passado.” Na ocasião, o PT soltou uma nota de repúdio sobre o julgamento da ação penal 470, que apontava cinco pontos controversos na decisão do Supremo Tribunal Federal de condenar os petistas arrolados no caso do mensalão.

Futuro coordenador da campanha política a presidenta Dilma Rousseff à reeleição, Falcão não esconde sua reserva em relação à mídia. “Há uma preferência pela partidarização”, avalia. Embora nem tudo que o PT sugira tenha sido acolhido no Governo de Rousseff, ele quer insistir na aprovação na lei de democratização da mídia. Que ele garante não ter nada a ver com a proposta da presidenta argentina, Cristina Fernandez de Kirchner.

Quais são os principais desafios na renovação da sua presidência do partido, ou seja, para onde o PT olhará daqui em diante?

Rui Falcão – O primeiro desafio é a reeleição da presidenta Dilma Rousseff. Para isso, precisamos criar condições na sociedade, e não só para que ela seja reeleita, mas para ampliar as nossas bancadas no Congresso, nos Governos estaduais, para que, com essa base social, e esse respaldo institucional, ela possa fazer um segundo Governo, melhor ainda que o primeiro. Para fazer as reformas estruturais que o país há muito tempo almeja.

Quais reformas, por exemplo?

R.F. – Reforma do sistema político eleitoral, o fim do financiamento privado, para combater o peso do poder econômico e da corrupção, a participação das mulheres, tendo chapas com paridade de gênero, e a ampliação de mecanismo de participação popular, previstos na Constituição, como plebiscitos, que hoje já existem, mas têm tantas barreiras e na prática não são acionados. Outra reforma que poderia ser feita no próximo período, é a democratização dos meios de comunicação. Nada a ver com restrição de liberdade de expressão, mas regulamentação dos artigos da Constituição que cuidam do direito social a comunicação. E principalmente o artigo que proíbe os monopólios e oligopólios na comunicação. E ainda, a reforma de partidos operários, a questão da mobilidade urbana, a reforma tributária, e uma política fiscal mais justa.

Quando se fala em quebrar monopólios da mídia, a primeira coisa que vem à mente é a Argentina, que passou por algo parecido recentemente, quando a presidenta Cristina Fernandez interveio nos jornais. Qual é o plano do PT?

R.F. – A realidade política, social, cultural e econômica da Argentina é totalmente diferente da nossa. Nós não propomos nenhuma expropriação de indústria de papel, nenhum tipo de controle de conteúdo. A regulamentação é mais voltada para os meios eletrônicos de comunicação. Não tratamos de jornalismo impresso, onde há concorrência. Mas dos meios eletrônicos, as televisões, que são concessão pública. E como qualquer serviço, ela precisa de uma agência reguladora, como existe na Inglaterra, na Itália, na França etc. Queremos discutir pluralidade, regionalização, e a proibição de monopólio. Um único grupo deter meios que significam 50% ou 60% da audiência, e que recebem, portanto, mais de 50% de verbas de publicidade oficiais.

O senhor se refere à rede Globo?

R.F. – É um monopólio, mas tem quatro ou cinco canais que produzem conteúdo, é dessa regulamentação que se trata. E proibir também aqueles que concedem o serviço e podem se beneficiar dele. Há o caso dos políticos que dominam os meios de comunicação, que autorizam a concessão para si próprio. Quem está nessa situação, ou transfira sociedade do canal de TV, ou abdique de mandato parlamentar.

Surpreende ver o PT na defensiva. Depois de 13 anos no poder, o partido descobre que a prioridade da democratização dos meios está no mesmo nível da reforma tributária, ou da reforma da mobilidade?

R.F. – Há uma diferença entre o PT e o Governo. O PT tem essa bandeira de democratização dos meios desde a sua fundação (nos anos 80). E faz sentido porque nós nascemos fazendo democracia, combatendo a censura, denunciando tortura. O PT é fruto da união de pessoas que lutaram contra a ditadura, com as comunidades eclesiais de base da Igreja Católica, do sindicalismo. Então, temos um compromisso com o aprofundamento da democracia. Não pode ser com os atuais monopólios. Ocorre que os Governos que sucederam a ditadura já estavam associados a esses meios. Não tinham interesse em mudar esses meios. Não há apoio suficiente no Congresso para enviar um projeto do marco regulatório. O presidente Lula, no final do governo, concluiu uma proposta e deixou o projeto para o Governo Dilma que, num primeiro momento, mandaria esse projeto reformulado para consulta pública, mas ela mudou de ideia. Nós, em associação com um grupo de jornalistas e entidades, estamos insistindo nessa bandeira, caso a presidenta Dilma for reeleita, que ela envie o projeto para o Congresso.

Mas o projeto esteve na gaveta…

R.F. – …do Governo. O PT, ao mesmo tempo em que está no Governo, dá sustentação e apoia nosso Governo, tem suas diferenças porque dialoga com a sociedade, e há muitas demandas que acolhemos. Nem tudo o que queremos têm curso ou acolhida, porque este é um Governo de coalizão.

Há alguma bandeira revolucionária para a mobilidade, que venha a ser apresentada na campanha?

R.F. – Há dezenas de estudos dos técnicos sobre mobilidade urbana. O principal convencimento será a construção de mais quilômetros de metrô. Que é um modal mais caro, exige maiores investimentos. Tem ainda o Veículo Leve sobre Trilhos, a abertura de novas avenidas, as faixas exclusivas (para ônibus) como as de São Paulo. Mas quero crer que é preciso ter mais metrô. O metrô do México começou no mesmo ano que o metrô de São Paulo, e o México tem mais malha metroviária que São Paulo. Isso por conta de superfaturamento, corrupção etc. Isso explica por que há tanto problema de mobilidade urbana.

(…)

Pessoalmente, as manifestações de junho o surpreenderam?

R.F. – Sim, nós todos fomos pegos de surpresa, porque há muito tempo não havia manifestações de rua, as quais estamos acostumados, e fomentamos muitas durante muito tempo. A surpresa é que começaram, inicialmente, começaram com o movimento Passe Livre, do qual nós mesmos participamos, e foi ganhando adesão de frações de classes com interesses diferenciados, e num determinado momento, a própria mídia, que havia apelado para repressão desses movimentos, tomou o partido deles. E essa repressão fez o movimento crescer, e passou a tentar dirigir com outras bandeiras. Como nunca tememos a voz das ruas, acho que a respostas que a presidenta Dilma deu foi muito positiva, com cinco pactos, quatro em andamento, e um deles, continuamos insistindo, mas a maioria é fechada ao assunto, que é a reforma política.

(…)

Há alguma estratégia para o mensalão mineiro?

R.F. – Ele está aí, de vez em quando a mídia relembra. Mas, nós não podemos fazer nada, quem tem de cuidar disso é a Justiça.

O senhor fala da mídia, mas já há bastante divulgação com ênfase no cartel de trens, em São Paulo, e dando destaque à máfia dos fiscais na prefeitura. Não há um pouco de implicância com a mídia?

R.F. – Não há cobertura simultânea, do cartel de trens, e da ação dos fiscais. A ação dos fiscais coloca em segundo plano o cartel. Quando uma das gravações (do caso dos fiscais) diz que o ex-prefeito (Gilberto Kassab) sabia de tudo, um jornal em São Paulo faz uma manchete dizendo: “Prefeito sabia de tudo”, com uma foto do atual prefeito petista, Fernando Haddad, ao lado. Há uma certa preferência pela partidarização. E a divulgação de fatos notórios é uma condição para que haja veracidade ao público. Temos de trabalhar com realidade, com omissão, distorção e meia verdade. Isso é o comportamento médio da mídia brasileira. Não se trata de censurá-la por isso. Mas de compreendê-la.

Tenho a sensação de que vocês temem mais a oposição da mídia do que a oposição política.

R.F. – Mais forte que oposição partidária é um conjunto de setores do grande capital, da mídia monopolizada, e de altos funcionários do aparelho de estado. Presentes em áreas do Judiciário, e do Ministério Público. Essa é a oposição mais poderosa Mais do que o PSDB, o DEM, PPS e a Rede juntos.

>> A íntegra da entrevista pode ser lida aqui.