Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Lei Informação teve um só recurso atendido

Números da Controladoria-Geral da União (CGU) mostram que praticamente todos os pedidos mais polêmicos apresentados com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), levados até a última instância de recurso administrativo, são negados. Até a segunda semana de dezembro, de 267 recursos que chegaram à comissão mista de reavaliação de informações, composta por representantes de dez ministérios, 260 foram julgados e apenas um foi atendido.

O caso, até então exclusivo, é de um advogado que pediu acesso a um documento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda. A pasta não havia liberado um parecer de 2005 da PGFN, alegando que ele se encontrava protegido por sigilo profissional. Os dois recursos encaminhados ao próprio ministério foram negados. O autor recorreu novamente, mas a CGU concordou com a existência de sigilo sobre o documento e não o liberou.

Em 29 de maio deste ano, quando o pedido chegou à comissão mista, a Advocacia-Geral da União (AGU) – representada no colegiado pelo ministro Luís Inácio Adams – entrou no circuito dizendo que não havia problema algum na liberação do parecer. Com exceção da Fazenda, todos os outros ministérios concordaram e o autor saiu vencedor.

Até 11 de dezembro de 2013, foram registrados, aproximadamente, 139 mil pedidos de acesso à informação dos quais cerca de 102 mil foram concedidos sem precisar apresentar recursos. Do total, 1.597 chegaram à CGU, que é a penúltima instância recursal: depois dela, só há a comissão mista. Entre os 1.088 recursos analisados pela CGU até 11 de dezembro, 360 tiveram solução favorável ao solicitante. Desses, 195 nem precisaram ser julgados, uma vez que houve mudança de posição por parte do órgão recorrido depois de intermediação feita pela CGU. Em 30 casos, o recurso foi apenas parcialmente provido. Nos 728 restantes, a CGU negou o recurso.

Em média, o pedido leva 87 dias do momento em que é feito até a resposta do recurso que chega à Controladoria-Geral da União. Cabe à CGU solicitar informações aos órgãos que negaram o pedido. Em média, eles levam 18 dias para repassar esses dados.

Apuração de responsabilidade na UFRRJ

Em agosto de 2013, não houve resposta em 13 casos, todos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). “Por conta do descumprimento desses prazos e de outras obrigações estabelecidas pela LAI, (a UFRRJ) já se encontra sob acompanhamento especial com vistas à apuração de responsabilidades”, informou a CGU.

No portal que concentra os pedidos de acesso à informação relativos ao governo federal, é possível ter informações mais detalhadas de 250 dos 267 recursos que chegaram à comissão mista. Ao todo, os autores dos pedidos rejeitados questionaram 59 órgãos do Executivo federal. Alguns se destacam pelo volume, como o Ministério da Saúde, com 39 solicitações negadas. Todas foram feitas pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) e dizem respeito à parceria do Ministério da Saúde com um laboratório público para a produção de medicamentos e outros produtos. O acesso a esses dados foi negado por se tratarem de informações classificadas como reservadas. O nome do laboratório não é revelado nos relatórios da comissão mista.

Depois do Ministério da Saúde, vem o Comando da Aeronáutica (Comaer), com 25 recursos contra suas decisões. Em seguida, vêm a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o Banco do Brasil e o Ministério da Fazenda, com 17 cada. Uma das solicitações negadas pela Fazenda foi justamente a única até hoje a ter o recurso aceito na comissão mista.

Entre os pedidos mais inusitados levados à comissão mista está o que teve origem na Caixa Econômica Federal. Nesse caso, não foi o cidadão que recorreu contra a Caixa, mas o próprio banco, que tentou reverter uma decisão da CGU de liberar a tabela com os valores praticados na avaliação de joias penhoradas. A liberação da tabela havia sido negada pela Caixa e pelas duas primeiras instâncias recursais. Entre os argumentos usados pelo banco estava o de que a informação era para uso interno e se encontrava sob sigilos bancário e de mercado.

Ufólogo é um dos campeões de recursos

Quando o recurso chegou à CGU, a decisão foi favorável ao autor do pedido. A Controladoria-Geral da União entendeu que a Caixa, por exercer a atividade de penhor em regime de monopólio, não teria sua competitividade ameaçada. O banco resolveu recorrer, mas seus argumentos sequer foram considerados. A comissão mista entendeu que os recursos são apenas para os cidadãos que pedem a informação. O poder público não pode recorrer quando derrotado. A solução da comissão de ministros foi entregar o caso à AGU para que ela faça a mediação entre a Caixa e a CGU.

Na lista dos campeões de recursos aparece o ufólogo Edison Boaventura Júnior. Ele teve 33 recursos levados à comissão mista, contestando 23 negativas do Comando da Aeronáutica (Comaer), sete do Comando do Exército (CEX), duas do Comando da Marinha (CMAR) e uma do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República. Em um dos pedidos feitos ao Comaer, Boaventura pediu a “cópia integral dos documentos, relatórios e/ou outros anexos sobre o caso de avistamento de OVNI, ocorrido em junho de 1969, quando uma Kombi foi levada por um OVNI com quatro ocupantes, em Laguna (SC)”.

Ele também pediu informações sobre supostas aparições de objetos voadores não identificados nos estados do Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Ceará, Maranhão e Minas Gerais. As solicitações feitas ao Comaer sempre foram rejeitadas sob o argumento de que possíveis documentos sobre essas aparições foram encaminhados ao Arquivo Nacional. A CGU e a comissão mista negaram os recursos de Boaventura, dando razão ao Comaer.

O GSI negou um dos pedidos do ufólogo dizendo que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) não dispunha de informações sobre aparição de OVNIs em Itatira, no Ceará. O ufólogo se diz frustrado com a lei. Segundo ele, dos 69 pedidos feitos, apenas dois foram atendidos. Em um deles, feito à Base Aérea de Santos, um documento de 1994 foi liberado, mas com várias tarjas cobrindo partes do texto.

– Isso aí (a Lei de Acesso) não funciona. Em relação a objetos voadores não identificados, em relação aos militares, eles não fornecem nada – lamentou Boaventura.

Em 26 de fevereiro deste ano, foram analisados 20 pedidos, todos negados pela comissão. Um deles foi feito por Romeu Tuma Junior, que, entre 2007 e 2010, ocupou o cargo de secretário nacional de Justiça. O pedido foi extenso: ele solicitou acesso aos registros e documentos produzidos desde 2002 pela Polícia Federal (PF) em que seu nome seja citado direta ou indiretamente. A PF e o Ministério da Justiça negaram o pedido, por entenderem que foi genérico e desproporcional, além de parte das informações estar sob sigilo. Tuma Júnior apresentou recurso à Controladoria-Geral da União, que foi negado novamente. Novo recurso, outra vez rejeitado, chegou à comissão mista, que “considerou as razões da CGU suficientes e adequadas.”

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Servidor pode ser punido

Em vigor desde maio de 2012, Lei de Acesso prevê até processo de improbidade contra agente público que a descumpre de propósito

Sancionada em novembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor em maio de 2012. 0 texto regulamenta o diréito do cidadão pedir e receber dos órgãos públicos documentação por eles produzida ou que está em seu poder.

A lei também prevê algumas exceções, cujo acesso pode ser restringido por até 50 anos. Isso inclui, por exemplo, informações que representem um risco à segurança da sociedade ou do Estado; que prejudiquem as relações e a condução de negociações com outros países; que coloquem em risco a estabilidade econômica, financeira ou monetário do país; que atrapalhem a continuidade de projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico; ou que comprometam atividades de inteligência, investigação e fiscalização.

As informações com acesso restrito podem ser classificadas como reservadas inco anos), secretas (15 anos) ou ultrassecretas (sigilo de 25 anos, prorrogáveis por mais 25). Caso o autor do pedido não concorde com o sigilo da informação, ele pode questioná-lo, entrando com uma solicitação de desclassificação ou reavaliação da classificação. Também podem ser negados dados pessoais e pedidos considerados genéricos, desproporcionais, desarrazoados ou que sejam de competência de outro órgão.

A lei prevê ainda que o agente público civil ou militar que descumpri-la propositalmente poderá ser punido com suspensão e até responder por improbidade administrativa.

Para pedir informação, o cidadão tem que se identificar, mas não precisa explicar seus motivos. O serviço é gratuito, mas podem ser cobrados os custos dos materiais usados na reprodução e envio de documentos. Caso disponível, a informação deve ser entregue imediatamente. Caso não, há um prazo de 20 dias, prorrogável por mais dez, para sua liberação. Se o recurso for negado, há a possibilidade de o cidadão recorrer até quatro vezes.

Cabe a cada Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) e a cada esfera de governo (federal, estadual e municipal) fazer a regulamentação do acesso a suas informações. A lei também tornou obrigatória á divulgação da remuneração recebida por senfidores e empregados públicos de maneira individualizada, ou seja, com nome e respectivo salário.

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André de Souza, do Globo