Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Apareceu, virou manchete

O presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, confirmou na quinta-feira (16/1) que será candidato ao governo de São Paulo, tendo Alda Marco Antônio como vice e Henrique Meirelles na disputa pelo Senado. Seus adversários principais devem ser o atual governador Geraldo Alckmin, PSDB, que tenta a reeleição, e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, PT, a quem Lula promete apoiar em pessoa, nos palanques, durante a campanha.

No dia seguinte (17), Kassab estava nas manchetes, acusado numa rede de TV e em grandes jornais impressos de receber “uma fortuna” da Controlar, a empresa responsável pelo exame da poluição gerada por veículos na capital paulista. Uma história estranha: uma testemunha sem nome dizia que a quantia era guardada na casa do então prefeito Kassab, e que um dia foi levada de avião para a fazenda de um amigo. Era tanto dinheiro, chegou a dizer a testemunha não identificada, que por causa do peso o avião quase não conseguiu levantar voo.

Agora, duas informações:

1. R$ 4 milhões – uma fortuna, sem dúvida –, em notas de R$ 50, pesam entre 45 e 50 quilos, conforme sejam cédulas novas ou não. Multipliquemos por dez, dá R$ 40 milhões; no máximo, 500 kg. Um avião pequeno – por exemplo, um monomotor bem simples, dos mais baratos – pode transportar algo como uma tonelada e meia, o triplo disso. Quanto haveria de dinheiro capaz de dificultar a decolagem? Mais de meio bilhão de reais, para transportar numa só viagem? E talvez a quantia nem possa ter chegado a este volume e peso: como, de acordo com a testemunha, o dinheiro estava guardado no apartamento do então prefeito, os pacotes eram obrigados a caber no elevador. Ou, quem sabe, ser descidos pela janela, sem que ninguém percebesse qualquer movimentação fora do normal.

2. Na véspera do dia em que a fortuna que quase impediu o avião de decolar virou manchete de grandes jornais e tema de reportagem de TV, Kassab foi absolvido da acusação de ter dado vantagem indevida à Controlar. Mataria as manchetes, portanto – a menos que a absolvição pelo juiz Luiz Raphael Nardy Lencioni Valdez, da 7ª Vara Criminal de São Paulo, fosse convenientemente ignorada para dar tempo de publicar a matéria já desmentida pelos fatos. E foi ignorada: só o ótimo portal Consultor Jurídicopublicou na hora a notícia da absolvição (ver aqui). A imprensa escrita acabou divulgando a absolvição em suas versões online, mas longe, bem longe, de alcançar a repercussão das manchetes.

É curioso: os jornais e a TV, quando preparam uma manchete explosiva com acusações que estão na Justiça, não se dão ao trabalho de conferir o andamento do processo? É ruim. E é ainda pior se tiverem conferido e resolvido publicar a matéria assim mesmo – afinal de contas, já está pronta, já consumiu tempo e dinheiro, vai simplesmente para a “cesta seção”, um desperdício?

Na melhor das hipóteses, houve descuido. Na pior, não houve descuido: a reportagem foi publicada exatamente no momento em que seria ainda possível repetir o refrão tão criticado, mas tão copiado, do “eu não sabia”.

 

Exclusivo? Como, exclusivo?

Alguém tratou a história com alguma impropriedade. A rede de TV, ao divulgar a acusação, disse ter tido “acesso exclusivo” ao depoimento da testemunha. Mas a imprensa escrita divulgou matéria igualzinha. Ou o depoimento foi exclusivo, e a imprensa escrita transcreveu o que saiu na TV sem se dar ao trabalho de citar a fonte, ou o depoimento não foi exclusivo, e a TV se vangloriou à toa.

 

O pauteiro de verdade

O mais importante no caso, do ponto de vista do jornalismo, vem agora: mais uma vez, os meios de comunicação receberam matéria pronta das autoridades responsáveis pela guarda da documentação. E aceitaram com todo o prazer. De novo, confiaram nas autoridades, quando o jornalista deve sempre desconfiar.

 

Navalha na liga

Estas eleições prometem. Marina Silva, possível candidata a vice na chapa de Eduardo Campos (PSB), escreveu artigo pedindo moderação. Foi acusada nas “redes sociais” de “incitação”. O deputado André Vargas, do PT paranaense, responsável pela comunicação virtual do partido, foi amplamente criticado, até por seus aliados, pelas agressões ao governador Eduardo Campos publicadas no portal petista. Mas continua batendo no antigo aliado que se atreveu a tentar voo solo. Um cavalheiro que se diz filósofo, criticando a apresentadora Rachel Sheherazade, do SBT, por suas posições políticas, disse que ela deveria ser estuprada. Outros sugerem que a quadrilha do mensalão seja misturada aos presos mais perigosos, para que sofram violência física.

A linguagem usada nas “redes sociais” é indigna; não há divergências nem debates, mas pura e simples troca de insultos, com uso incessante de palavrões. Aliás, a própria troca de insultos é terceirizada: um passeio pelo Facebook mostra que muitas pessoas que nem se conhecem postam simultaneamente frases, fotos e desenhos iguais, evidenciando um comando central que as utiliza como bonecos de ventríloquo.

As “redes sociais” são uma forma de comunicação e é importante observá-las neste Observatório da Imprensa. E acompanhar, especialmente, a tentativa de censurá-las. É importante, para este colunista, acabar com o anonimato: os internautas nem precisam publicar seus nomes, mas o site tem de saber quem são, para o caso de excessos que precisem ser examinados pela Justiça. Fim do anonimato, sim; censura, não. Censura começa por qualquer lugar e acaba ocupando os lugares todos.

 

As guerras virtuais

1. A ministra Maria do Rosário, PT, pediu à Polícia Federal que investigue um blog que, acredita, se especializou em publicar notícias falsas sobre ela.

2. O empresário Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, pediu abertura de inquérito policial contra “difamadores profissionais na rede”. O senador Aécio Neves, do PSDB mineiro, candidato à Presidência da República, disse que pedirá investigações à Policia Federal contra boateiros que o classificam como “novo bilionário” e que publicam que a Justiça estaria estudando o desvio, atribuído a ele, de R$ 4 bilhões em verbas da saúde. Já contratou o escritório de advocacia Ópice Blum para cuidar do caso e acionar a Polícia Federal.

A ferocidade chega a ser engraçada. De vez em quando aparecem na internet fotos “da nova mansão de Lulinha”. Nas fotos, magníficos palácios, que nem ficam no Brasil. Surgem também notícias de que comprou uma imensa fazenda (o proprietário, ruralista tradicional de São Paulo, já informou que não vendeu sua fazenda a Lulinha nem a ninguém, não pretende vendê-la e há muitos anos não recebe propostas de eventuais interessados), ou de que é o dono verdadeiro de uma imensa empresa de alimentos. No caso de Aécio, o helicóptero apreendido com meia tonelada de cocaína pertence a um senador do PDT, Zezé Perrela, ex-presidente do Cruzeiro. Seu partido se inclui na base de apoio do governo federal; mas Perrela é amigo de Aécio. Imediatamente começaram a pipocar notícias segundo as quais a cocaína era, na verdade, de Aécio. E portais mais radicais acusam o candidato tucano de ser viciado.

A imprensa está como aqueles políticos que não sabem de nada. Não investiga as denúncias, tampouco as desmente; não busca descobrir quais os integrantes das centrais de boatos injuriosos. Botar na pauta? Que diabos é essa tal de pauta?

Este colunista imagina que Aécio, Fábio Lula da Silva e Maria do Rosário não sejam anjos: sejam, ao contrário, pessoas cheias de defeitos. Então, por que não criticá-los pelos defeitos que têm, e não pelos que inventam e lhes atribuem?

 

Segredo é pra quatro paredes

Uma pergunta que até agora não apareceu na imprensa: se o presidente francês François Hollande tem ou não uma amante, qual a importância política deste fato? Em outras palavras, que é que temos com isso? Se a bela atriz apontada como sua amante estivesse utilizando o relacionamento com o presidente para obter vantagens pessoais, ou para amigos, OK; o caso seria de interesse público. Se, como já ocorreu no Brasil em outros tempos, a amante de um político fosse a comandante de uma área do governo, obrigando todos os seguidores do governante a prestar-lhe homenagens, OK: o caso seria de interesse público.

Mas, se é que se trata apenas de um caso amoroso, por que divulgá-lo? O homem público também tem direito à intimidade, exceto em questões que extrapolem os limites de sua vida particular. No Brasil, sempre que casos amorosos dos presidentes se mantiveram fora da política, a imprensa os respeitou. Houve um político importante, viúvo, que manteve por anos um caso com uma senhora, também viúva. Ele saía dirigindo seu carro, achando que tinha driblado a segurança. A segurança o seguia à distância e avisava a imprensa do que ocorria, pedindo em troca que a notícia não fosse divulgada. Tanto quanto este colunista se recorde, a notícia jamais foi divulgada. E ninguém foi prejudicado por isso.

O ex-presidente francês François Mitterrand manteve uma família paralela durante a maior parte de seus catorze anos no poder; e o caso só surgiu na imprensa quando ele morreu e a amante levou sua filha, Mazarine, ao sepultamento. Danielle, a esposa de Mitterrand, sabia ou não? Ignora-se; ela se comportou com toda a discrição. Se não sabia, louve-se seu controle emocional durante o sepultamento. De qualquer forma, ter duas famílias, em vez de uma, nada alterou na administração Mitterrand. Ter tido um longo caso com Marilyn Monroe não mudou em nada o Governo do presidente John Kennedy.

O lema do The New York Times não é, como muitos imaginam, “todas as notícias devem ser publicadas”. É bem mais requintado: “Todas as notícias que devem ser publicadas”. Qual o interesse em publicar notícias que dizem respeito somente ao presidente francês, à sua família, à amante, à família da amante?

 

A morte e o silêncio

É espantosa a escassez de noticiário sobre a morte horrível de um jovem homossexual, bem no centro tradicional de São Paulo. O rapaz teve o rosto desfigurado, sofreu todo tipo de violência; perto de seu corpo havia uma barra de ferro com manchas de sangue. E, no entanto, as autoridades tiveram a audácia de falar em suicídio!

O rapaz foi encontrado morto, com o corpo cheio de marcas. O PM que esteve no local informou ao delegado que se tratava de suicídio. Qual o procedimento padrão? Como narra um experiente e competente repórter policial, João Bussab, o PM deveria preservar o local, até que o delegado ali comparecesse pessoalmente. Suicidas não se espancam, não se desfiguram de tanto apanhar.

No local, se seguisse os procedimentos de praxe, o delegado teria visto a barra de ferro com manchas de sangue, olhado o cadáver cheio de ferimentos, registraria o caso e pediria ajuda ao Departamento de Homicídios, DHPP, para iniciar as investigações a partir da cena do crime. Mas o delegado não saiu da delegacia: com base nos informes do PM, mandou fazer um boletim de ocorrência relatando suicídio e mandou que o corpo fosse enviado ao Instituto Médico Legal, para exames – exames que, normalmente, demoram algo como 30 dias.

Que diz o atestado de óbito emitido pelo IML? O rapaz teve, além de ferimentos diversos, fratura de crânio. Parentes e amigos foram unânimes: era uma pessoa alegre, que gostava de viver e jamais manifestara tendências suicidas. Em resumo, foi assassinado com toda a brutalidade possível; provavelmente por homofobia – o que indica que, numa região populosa e movimentada de São Paulo, há malucos assassinos e covardes cuja ira é despertada por pessoas cujo comportamento pessoal não seja de seu agrado.

No Rio, um delegado que não quis se levantar da poltrona e mandou vítimas de furto procurar seus documentos numa caixa cheia foi exonerado. Mas o Rio é o Rio. São Paulo, num governo que não valoriza a polícia, e não tem condições de exigir muito dela, é São Paulo.

 

Briga forte

O banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity, enviou notificação extrajudicial à Geração Editorial, editora do livro Operação Banqueiro, do jornalista Rubens Valente, por “divulgar dados sigilosos” constantes de processos judiciais e administrativos, como interceptações telefônicas e transcrição de e-mails. O autor e a editora sustentam que todo o material utilizado no livro, que narra as investigações sobre as atividades de Dantas, é lícito.

É um bom aperitivo do que será debatido no congresso da Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo: a judicialização do debate. Os detentores de poder político e/ou econômico procuram esmagar os repórteres que os incomodam, movendo-lhes processos sucessivos, distribuídos pelo país, para obrigá-los a gastar o máximo possível de dinheiro para exercer seu direito de defesa. A Igreja Universal moveu dezenas de processos, no Brasil inteiro, com o mesmo teor, contra a jornalista Elvira Lobato e a Folha de S.Paulo; a ministra Gleisi Hoffmann processa o jornalista Ucho Haddad, de São Paulo, no Paraná, para obrigá-lo a despesas extras (e tudo porque não gosta nem um pouco de ver publicado o caso de Eduardo Gaievsky, seu primeiro-assessor no ministério, já escolhido para coordenar sua campanha ao governo do Paraná, que está preso pela acusação de prática de estupros). Um político tucano de certa proeminência tentou convencer uma senhora de mais de 80 anos, que tinha sido sua vizinha há algumas dezenas de anos, a depor num processo que move contra este colunista, sobrinho dela. Dizia-se amigo desta senhora – tão amigo que nem compareceu a seu sepultamento.

E, claro, há outras formas de pressão. O ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, chamou publicamente o repórter Felipe Recondo, de O Estado de S.Paulo, de “palhaço”, e o mandou “chafurdar no lixo como faz sempre”. Pediu também que a esposa de Recondo, que trabalha no Supremo desde 2000, fosse demitida do gabinete do ministro Ricardo Lewandowski – que rejeitou a solicitação. O problema, parece, é que Felipe Recondo gosta de reportagem, e Barbosa não.

 

Como…

De um grande jornal impresso, de circulação nacional:

** “Um operário morreu atropelado por um rolo compressor que ele mesmo conduzia (…)”

Notável!

 

…é…

De um importante portal noticioso de Internet:

** “Bilhetes de papel do Metrô de São Paulo viram papel higiênico após uso”

Isso é o que se chama “pular etapas”. O papel higiênico já vem usado.

 

…mesmo?

** “‘Show da Manhã’ da RedeTV! agora é exibido no início da noite”

Explica-se: o início da noite, no Brasil, é o início da manhã no Japão.

 

Frases

>> Do economista e apresentador de TV Ricardo Amorim: “No Brasil, temos o iPhone mais caro do mundo, o Play Station mais caro do mundo, até o médico cubano mais caro do mundo.”

>> Do jornalista Palmério Dória: “Mao propôs o Grande Salto para a Frente. Eduardo, Marina e Aécio propõem um Corajoso Salto para Trás.”

>> Do jornalista Fred Navarro: “Muitos frequentadores de shópins dão periodicamente seus rolezinhos nas favelas. Para comprar.”

>> Do ator Cazarré, que atua em Amor à Vida: “Continuo sem saber se Ninho é vilão ou mocinho.”

>> De Walcyr Carrasco, autor da novela: “Ninho matou e ator não sabe se ele é vilão?”

 

As não notícias

Esconder as notícias não é apenas colocá-las em dúvida (algo do tipo “Fulana estaria grávida”). Há maneiras mais sofisticadas de ocupar espaço sem dizer nada.

** “Humorista do Pânico assume namoro com atriz de nova novela da Globo”

Que humorista? Que atriz? O que se sabe é que alguém está namorando com alguém.

Ou:

** “Affair de promessa do futebol americano vende maconha”

Quem é que está vendendo maconha? Vamos lá: uma jovem (ou, sabe-se lá, um jovem), que namora uma estrela ascendente do futebol americano. Mas de que falamos: do futebol como o nosso jogado nos Estados Unidos, que lá chamam de soccer, ou do futebol americano propriamente dito, aquele meio parecido com o rúgbi?

A propósito, a pessoa em questão realiza uma atividade legal ou ilegal? A resposta não é tão simples como parece: depende do Estado em que mora.

 

E eu com isso?

Vamos curtir, passear, almoçar, jantar, namorar, fazer tudo aquilo que os famosos fazem quando estão na mira dos fotógrafos. E até, vejam só, podemos imitar a façanha de Cauã Raymond:

** “Cauã Raymond sai do restaurante depois do almoço”

** “Tom Hanks anda de lambreta em Los Angeles”

** “Sophie Charlotte vai à praia com amigos e atende fãs”

** “Rihanna fotografa ensaio na Ilha Grande”

** “De fio dental, Viviane Araújo curte praia”

** “Cynthia Howlett se exercita com seu caçula no Rio”

** “Caio Castro e Felipe Titto surfam no Rio de Janeiro”

** “Antônio Fagundes passeia em shopping do Rio”

** “Beyoncé mostra fotos do aniversário da filha”

** “Preta Gil caminha e namora em São Conrado”

 

O grande título

Uma safra notável, em variedade e abundância.

Temos até títulos nonsense:

** “Félix e Niko transam, mas Globo só mostra o café da manhã”

Ou:

** “Irmãos cruzam e tigre branco nasce com síndrome similar à Síndrome de Down”

Traduzindo: nada de transar com irmãos, porque isso provoca uma síndrome em tigres brancos.

E manchetes que abrem todas as janelas à imaginação:

** “MP dá 10 dias para que diretores de presídios do MA expliquem estupros”

Dez dias pode ser muito ou pouco. Pouco, porque encontrar explicações vai levar muitos e muitos anos. Ou muito, porque se quiserem mesmo explicar é só contar como é que funciona o Governo maranhense sob a dinastia Sarney.

O melhor título é esplêndido. Um achado: vem de um bom jornal regional.

** “Bandidos fingem ser ladrões para roubar família (…)”

Deve fazer sentido, com toda a certeza.

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação