Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Alain de Botton recorre à filosofia para analisar a imprensa

O escritor suíço-britânico Alain de Botton, fundador da School of Life, é considerado uma espécie de “filósofo pop”. Seus livros aplicam conceitos filosóficos na resolução de dilemas cotidianos. Ele se assume escritor de autoajuda e já abordou assuntos como amor, arte, religião e arquitetura. Em sua mais recente obra, De Botton aplica este mesmo formato para discutir a imprensa moderna.

No início de março, o escritor se apresentou no evento literário Unbound, organizado pela Brooklyn Academy of Music, em Nova York, para falar de The News: a user’s manual (“As notícias: manual do usuário”, em tradução livre).

Segundo De Botton, o livro parte da ideia de que, atualmente, a notícia ocupa na sociedade uma posição antes pertencente à religião (ideia emprestada de Hegel). “Lemos notícias quando acordamos e quando vamos dormir”, declarou o autor, completando: “Certamente estamos numa época em que iniciamos o domingo lendo notícias em vez de ir à igreja”.

Críticas

Críticos ficaram confusos com a definição vaga de notícia – as citações apresentadas no livro vão desde textos de jornais tradicionais atépostagens de blogs de fofocas de celebridades – e pela ausência de fontes acadêmicas e dados estatísticos na obra.

Em comentário para o diário americano Boston Globe, o jornalista James Sullivan escreveu que De Botton é “lamentavelmente deficiente” na pesquisa. Peter Preston escreveu no britânico Guardian que o livro poderia ser “irritante, bem como estimulante”, e criticou De Botton por “meramente bancar o consumidor insatisfeito”.

Durante a palestra na Brooklyn Academy, o autor defendeu a postura sombria de seu livro para com a imprensa moderna. “A notícia nos leva à beira de algo profundamente interessante, mas daí nos abandona ao processo que Aristóteles chama de catarse”, disse, referindo-se à forma como as notícias do mundo moderno estabelecem os fatos, porém resistem a chegar a qualquer conclusão ou expor vieses.

Ele afirma ainda que a notícia deve fazer mais para explicar a relevância dos acontecimentos atuais e aponta duas maneiras de manter um indivíduo politicamente passivo: suprimir todas as notícias dele (como no caso da Coreia do Norte), ou inundá-lo com informações. "Quem se lembra do que aconteceu nos noticiários na semana passada?”, questionou. “Ninguém consegue se lembrar de nada. É impossível”.

Visão utópica

Apesar dos argumentos dos críticos, muitos na plateia da palestra pareceram acolher as críticas do escritor. Assim que o microfone foi aberto para perguntas, um espectador questionou por que atualmente a mídia parecia “detonar” figuras supostamente apresentadas como heroicas desde nossa infância, como policiais, professores e bombeiros. Outras perguntas tocaram em situações hipotéticas, como uma agência de notícias que só apresentasse notícias positivas.

Na visão utópica de De Botton, jornalistas explicariam as “verdades que já conhecemos” em vez de ficar tentando publicar histórias mais recentes e mais reveladoras. Um membro da plateia desafiou esta versão ideal, apontando que a indústria, na verdade, visa o lucro ao levar informações recentes ao público. De Botton rebateu que o futuro do jornalismo dependerá de “micropagamentos por conteúdo fragmentado” ou da forma atual como as pessoas pagam por assinaturas. “Alterar o modo como as organizações de notícias ganham dinheiro vai mudar fundamentalmente a nossa democracia”, concluiu.

Recentemente, Alain de Botton criou um blog de notícias, o The Philosopher’s Mail (o nome é uma brincadeira com o tabloide britânico The Daily Mail). Os artigos são escritos por membros da School of Life, organização com sede em Londres que promove cursos, livros e eventos voltados à inteligência emocional. O blog apresenta fofocas de celebridades, incluindo entrevistas imaginárias com as “almas” de celebridades ao lado de notícias e artigos opinativos.