Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A jornalista e a síndrome do pensamento generalizado

Rachel Sheherazade defendeu o indefensável e merece, sim, todos os protestos por sua absurda declaração quanto ao caso dos “justiceiros” do Flamengo. A incitação à violência é inaceitável qualquer seja o contexto. Só afirma que o Brasil é o país da impunidade quem não conhece a realidade dos presídios precários e superlotados, que funcionam mais como um corredor da morte do que como um “sistema de correção”.

Vide o caso da crise penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, onde a ruína do sistema carcerário brasileiro evidenciou-se por meio da divulgação de vídeos que mostraram cenas de tortura e execução. Somente no ano passado, 60 presos foram mortos em ação de líderes de facções que cumprem pena no local. O que acontece é que muita gente que está lá não teve o julgamento a que tem direito, e outros tantos que merecem aquelas celas têm cacife suficiente pra pagar a fiança. A jornalista se denomina cristã – não sei se católica ou evangélica – e se há algo incoerente com o discurso de Cristo é o ódio e a humilhação.

Entretanto, no ano passado, concordei com Sheherazade quando ela defendeu que, mesmo batizado, ninguém é forçado a permanecer católico, uma vez que o Sacramento da Crisma nos dá a possibilidade de afirmar conscientemente se queremos permanecer na religião; no episódio das manifestações dos secadores “para secar as águas do batismo”. Concordei com ela quanto aos desrespeitos cometidos por alguns – importante frisar, antes que apareçam comentários “mas não foi culpa da organização” – integrantes da Marcha das Vadias ao longo da Jornada Mundial da Juventude.

Nuances entre o preto e o branco

De fato, meu “apoio” à jornalista nestes episódios deriva de minha criação religiosa, mas não creio que isto seja razão para invalidar a opinião de ninguém. O limite entre a liberdade de expressão e o desrespeito ainda é bastante tênue e há quem só o reconheça quando, por alguma razão, se sente ofendido com o pensamento do outro. Li uma colega afirmar, via Facebook, que a atitude dos manifestantes da Marcha é “compreensível”, devido aos “anos de opressão” da moral católica sobre a sociedade. Sem perceber, a jovem se utilizava do discurso que muito em breve viria a repudiar: Sheherazade justificou-se exatamente com estas palavras. A profanação de um terreiro de macumba por um cristão é inaceitável (e, de fato, o é!), mas a violação de imagens mediante insultos contra a fé católica é “parte da luta”. A laicidade do Estado é necessária para o exercício da democracia e proteção das minorias, tal como a promoção da segurança pública é legítima. As fronteiras entre o compreensível e o inaceitável é que precisam ser revistas em ambos os casos. Mas isso é conversa pra outra ocasião…

Minha intenção, com este artigo, é relembrar duas de minhas frases favoritas, que me recordo cada vez que me deparo com um colega cujas opiniões são radicalmente contrárias às minhas. Uma é de um de meus filósofos favoritos, Gilbert Keith Chesterton: “O intolerante é aquele que acha que o outro está errado em tudo, só porque ele está errado em alguma coisa.” Não se trata de condenar quem, de fato, discorda de A a Z da Sheherazade, desde que conheça todo o seu discurso e tenha bons argumentos. O problema é que vi gente que eu sei que não se dá ao trabalho de ler umas poucas linhas sobre política e só conhece esta infeliz declaração da âncora do SBT, bradando “Essa mulher é uma idiota, cadê o senso crítico?”

Vale lembrar que antes de concordar ou discordar é preciso conhecer o todo, e há muitas nuances entre ser preto ou branco, conservador ou progressista, alienado ou instruído. Gostar de um ponto e não gostar de vários e vice-versa ainda é válido e faz do ouvinte ou leitor menos Maria-vai-com-as-outras. O outro lembrete, de autor desconhecido, é “Cuidado para não chamar de inteligente só quem pensa igual a você”. Não precisa explicar, né?

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Maria Clara Vieira é estudante de Jornalismo